A surpresa

O Partido Socialista venceu as eleições autárquicas realizadas em Portugal, mas teve uma surpresa. Uma surpresa directamente ligada a todos os jornais, revistas, televisões, empresas de sondagens, comentadores, cronistas, fazedores de opinião nos cafés, enfim, todo e qualquer cidadão que acompanhou a campanha eleitoral anunciou que em Lisboa o candidato Fernando Medina seria reeleito. Foi a grande surpresa na noite eleitoral quando se concluiu que Carlos Moedas tinha ganho por dois mil votos e que Fernando Medina tinha perdido cerca de vinte e cinco mil eleitores relativamente às eleições anteriores.

As empresas de sondagens nem quiseram acreditar, porque os números retirados dos inquéritos que realizaram nunca lhes deram Moedas próximo de Medina. Todos os cidadãos já aceitaram que a surpresa foi enorme, que estiveram errados, que confiaram nas sondagens anunciadas e já aceitaram que Fernando Medina não soube conduzir a campanha ou alguém por ele, como o primeiro-ministro António Costa apenas o prejudicou. A grande surpresa para todos até teve repercussões além-fronteiras. Já me informaram que um nojo de jornalismo que sempre foi praticado em Macau teve a rastejante veleidade de sujar o meu nome com uma citação maldosa e sem ética em jornalismo, porque eu na última crónica limitei-me a escrever o que todos fizeram. Inclusivamente tivemos um exemplo que bradou aos céus e, no entanto, nenhum outro jornal se lembrou de o criticar. Aconteceu com o semanário NOVO que tem uma linha editorial apoiante do PSD e do CDS e publicou na primeira página o possível resultado eleitoral em Lisboa, dando a Medina 46,6% e a Moedas 25,7% dos votos do povo lisboeta. Errar é humano. Sempre esteve imbuído na normalidade humana. O que nunca foi normal foram a existência de citações de jornais sem credibilidade a outros jornais cujos conteúdos lhes provocam inveja.

As eleições autárquicas tiveram um grande vencedor, o qual já começa a ser tristemente uma realidade. O vencedor foi a abstenção. O povo já não acredita nos actuais políticos, nas suas promessas. O povo está cada vez mais pobre, vive com as maiores dificuldades, os jovens não conseguem habitação nem emprego. E metade do povo resolveu ficar em casa ou ir passear para o jardim, mas longe de qualquer mesa de voto. E este facto devia levar os políticos a analisar e a modificar o comportamento político, tomando em conta que a maioria do povo não pode pagar por um almoço mais que cinco euros, incluindo a bebida e o café. Os políticos que estiveram dois mandatos no Parlamento Europeu sem fazer nada, cheios de mordomias, viagens de borla todas as semanas e que têm reformas vitalícias de 10 mil ou mais euros deviam anunciar a sua desistência. Deviam dar o exemplo a um povo pobre que ao constatar exemplos desses resolve não votar. A abstenção tem um significado infinito e não vemos ninguém nas televisões a ir ao âmago da questão e ter a coragem de indicar as verdadeiras razões, incluindo os falecimentos de milhares de pessoas que continuam a constar dos cadernos eleitorais.

Quanto aos resultados em si foi o que já se esperava com algumas pequenas surpresas. A surpresa pertenceu sempre ao confinamento de qualquer eleição. E daí, tivemos o líder do PSD a manter-se no lugar devido às suas escolhas Carlos Moedas e José Manuel Silva, este para Coimbra que foi sempre um bastião socialista. Surpresa também para o CDS, denominado o partido do táxi, e que conseguiu manter as seis câmaras que já tinha. Surpresa para a perda da maioria absoluta de Rui Moreira, no Porto. Surpresa no Bloco de Esquerda que elegeu um vereador pela primeira vez na câmara portuense. Surpresa pelo Partido Comunista não ter conseguido reaver a sua amada Almada e ter perdido o amante da Coreia do Norte, Bernardino Soares, da Câmara de Loures. Surpresa no Alentejo, onde na zona de Évora, o PSD conquistou quatro edilidades.  As surpresas foram muitas, mas o mais importante continua a situar-se no que escrevi na semana passada: a falta de tudo no interior do país, especialmente nas aldeias das montanhas. Ainda agora vi essa confirmação numa reportagem excelente na SIC onde mostra ao mundo como a miséria é grande no interior do país. A reportagem mostrou que há dezenas de idosos acamados sem apoio de ninguém, aldeias onde não vai um médico ou enfermeiro, onde os medicamentos não chegam, onde a comida é baseada nos víveres que conseguem ter no quintal, as habitações sem condições algumas de humanidade. Uma reportagem de Débora Henriques que deve ser premiada porque se tratou de jornalismo de qualidade, sério, digno e não de se preocupou em citar outros colegas por ódio e inveja. Surpresa também no resultado do neofascista do Chega que conseguiu eleger 19 vereadores. Surpresa em Faro onde os socialistas cada vez perdem mais para os sociais-democratas. Esperemos que todas estas surpresas contribuam para a redução da corrupção e do compadrio no poder local. Que a qualidade de vida das populações possa melhorar de forma vistosa. Dois pequenos exemplos. Que os autarcas se preocupem em forçar o Governo na instalação de médicos nos centros de saúde e que o autarca que tem a responsabilidade do maior lago artificial da Europa, o Alqueva, proíba nas suas águas barcos a motor e que só possam navegar embarcações a energia solar.

A partir de agora a política portuguesa vai entrar num período certamente de luta entre facções dentro dos partidos políticos para que nas próximas eleições hajam, ou não, as tais surpresas que pelos vistos só surpreenderam os infames pseudojornalistas que produzem um pasquim em Macau.

 

*Texto escrito com a antiga grafia

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