Bill Gates e a crise climática

A luta contra as alterações climáticas tem vindo a ser liderada pela Organização das Nações Unidas através de algumas das suas agências especializadas e programas, nomeadamente a Organização Meteorológica Mundial e o Programa das Nações Unidas para o Ambiente. Foi sob os auspícios destas duas entidades que surgiu o Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC), que é o órgão das Nações Unidas para monitorizar as alterações climáticas, reunir estudos de numerosos cientistas e apresentar relatórios periódicos sobre o estado do clima. Além da ONU, muitas outras entidades desenvolvem atividades na luta contra a crise climática, nomeadamente organizações intergovernamentais, universidades, ONGs e outras instituições privadas.

É na área da iniciativa privada que Bill Gates, conhecido mundialmente por ter sido cofundador da Microsoft, tem vindo a desempenhar um papel de grande relevância. Não se limita a contribuir financeiramente com milhões de dólares para um mundo mais sustentável, mas também a desenvolver grande atividade, informando-se junto de cientistas sobre as implicações das alterações climáticas, participando ativamente em reuniões de caráter científico e em encontros promovidos pela Convenção Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (United Nations Framework Convention on Climate Change – UNFCCC) e outras entidades.

Bill Gates tem transmitido os conhecimentos adquiridos a governantes e público interessado, através de entrevistas, intervenções em diferentes meios de comunicação e redes sociais e, mais recentemente, através do livro “Como Evitar um Desastre Climático – As soluções que temos e as inovações necessárias”.

Em 2015, durante a COP21 na capital francesa, Gates foi um dos que colaborou na redação do Acordo de Paris, tendo apresentado uma tese em que se realça que só será possível alcançar a neutralidade carbónica caso se recorra a forte investimento em inovação tecnológica, enfatizando que essa tarefa compete não só aos governos, mas também aos privados. Anunciou, nesta conferência, a criação de um grupo de investidores de vários países que se comprometeram com a iniciativa Breakthrough Energy, através da qual se pretende investir na inovação tecnológica no sentido de um melhor aproveitamento das energias renováveis tendo em vista o alcance da neutralidade carbónica. Foi também anunciada por Bill Gates a iniciativa complementar “Mission Innovation: Accelerating the Clean Energy Revolution”.

Os seus investimentos, tendo em vista a sustentabilidade do planeta, incidem sobre várias áreas, entre as quais a fissão nuclear com recurso a reatores nucleares avançados, investigação sobre reatores de fusão nuclear, baterias de grande capacidade de armazenamento e biocombustíveis.

Segundo ele, sem inovação tecnológica será impossível atingir o preconizado no Acordo de Paris, ou seja, que o aumento da temperatura média global do ar seja inferior a 2 graus Celsius no final do século XXI e, tanto quanto possível, inferior a 1,5 graus, tendo como referência os níveis pré-industriais.

Ainda de acordo com a opinião de Gates, com o conhecimento tecnológico atual não haverá condições para que a energia verde fique mais barata do que a energia obtida a partir de combustíveis fósseis. Aponta, por exemplo, a dificuldade em armazenar energia elétrica produzida a partir do vento e do sol, devido à sua intermitência, o que a torna menos eficaz do que a produzida com recurso aos combustíveis fósseis (petróleo, gás natural e carvão mineral). As baterias atualmente existentes não têm grande capacidade, sendo necessárias quantidades enormes de baterias para um armazenamento eficaz. Além da energia eólica e solar, Bill Gates também se refere a outros tipos de energia limpa em que considera necessário investir, como a geotérmica, das ondas e hidrogénio.

O recurso ao hidrogénio como combustível seria uma boa solução para evitar o inconveniente da intermitência da produção das energias eólica e solar, mas para produzir este gás é necessário recorrer a energia elétrica, e o processo só poderá ser considerado limpo se esta energia não for produzida por combustíveis fósseis. Por enquanto a produção de energia com recurso ao hidrogénio é ainda altamente controverso. Veja-se, por exemplo, a celeuma que se está a levantar em Portugal sobre os planos para a produção de hidrogénio em Sines. O conhecimento atual nesta área é ainda insuficiente para se poder garantir que essa produção seja rentável. O atual governo de Portugal aposta no hidrogénio como fonte de energia, tendo prevista, no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), a quantia de 186 milhões de euros para a produção de hidrogénio e outros gases de origem renovável, o que é considerado insuficiente pelos potencias investidores que pretendem ser parceiros do Estado.

Apesar de ser um entusiasta das energias limpas, Gates não acredita que, só por si, elas nos poderão conduzir à tão almejada “garantia de acesso a energia acessível, confiável, sustentável e moderna para todos”, conforme preconizado no número 7 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável do Programa das Nações Unidas. Assim, enquanto não existir tecnologia para a exploração de centrais de fusão nuclear, ter-se-á de recorrer à fissão nuclear, embora com reatores mais aperfeiçoados. Com base neste seu pensamento, Gates anunciou recentemente investir na construção de um reator nuclear avançado, designado por Natrium, no Estado de Wyoming, o que mais produz carvão mineral nos Estados Unidos da América. Para esse efeito, e com a colaboração do Departamento de Energia dos EUA e de outros investidores, entre eles o seu amigo Warren Buffet, pretende-se investir cerca de mil milhões de dólares.

Este interesse pela energia nuclear parece ser um contrassenso por parte de Bill Gates, na medida em que esta energia, tal como é produzida atualmente, com recurso à fissão nuclear, não é na realidade energia limpa, atendendo a que é gerado lixo radioativo, tando durante a produção de eletricidade como na extração mineira do urânio.

Apesar de não implicar injeção de gases de efeito de estufa (GEE) na atmosfera durante o processo de produção de energia, os governos de muitos países resolveram não recorrer à fissão nuclear, pressionados pela opinião pública e desencorajados pela possibilidade de acidentes como os que ocorreram, por exemplo, em de Three Miles Island (EUA, 1979), Chernobil (Ucrânia, 1986), Seversk (Sibéria, 1993), Tokaimura e Fukoshima (Japão, respetivamente em 1999 e 2011).

As populações dos países que recorrem à fissão nuclear são por vezes sobressaltadas por notícias sobre a fuga de gases radioativos gerados aquando do processo de produção de eletricidade. Recentemente, a população de Macau foi alertada por um incidente na central nuclear de Taishan, onde foi detetado um aumento do nível de radiação num dos dois reatores, sem que tivesse havido fuga de radioatividade para o exterior. Atendendo à pouca distância, cerca de 80 km a sudoeste de Macau, e à direção predominante dos ventos de monção que sopram do quadrante sul durante a estação mais quente, Macau é suscetível de ser afetado por gases radioativos, em caso de acidente grave nesta central.

A fissão nuclear, com recurso ao urânio, consiste na fragmentação das moléculas deste elemento e consequente libertação de energia que é aproveitada para o aquecimento de água, cujo vapor é utilizado para a laboração de turbinas que, por sua vez, geram eletricidade. A fusão nuclear, contrariamente à fissão nuclear, consiste numa reação nuclear em que os átomos de dois elementos leves são combinados, formando um átomo mais pesado. No caso dos átomos dos elementos leves serem de hidrogénio, forma-se um átomo de hélio e liberta-se uma quantidade gigantesca de energia. O problema reside no facto de, para se dar a fusão, é necessário aquecer gás (em geral o hidrogénio ou um isótopo seu) a temperaturas altíssimas de modo a que se transforme em plasma, que é uma espécie de quarto estado da matéria, em que as partículas que o compõem estão carregadas de eletricidade, o que faz com que tenha de ser controlado com poderosíssimos ímanes. As grandes vantagens da fusão consistem essencialmente em as fontes de hidrogénio serem praticamente inesgotáveis, os níveis de contaminação serem baixos e não existir o risco de uma reação em cadeia suscetível de provocar desastres, como no caso da fissão.

A fusão nuclear, que ocorre naturalmente no Sol e nas estrelas, ainda não é utilizável industrialmente, na medida em que, com a tecnologia atual, seria necessário mais energia para desencadear o processo do que a que seria produzida.

A inovação nesta área poderá fazer com que se possa produzir energia em grandes quantidades sem emissões de GEE e sem fugas de radioatividade.

Atualmente está a ser construído, no sul de França, um reator experimental de fusão nuclear, designado por International Thermonuclear Experimental Reactor (ITER), cuja construção se iniciou em 2010, fruto de uma parceria de 35 membros, incluindo EUA, União Europeia, Reino Unido, China e Índia. Espera-se que, com esta iniciativa, se possa provar que a fusão nuclear é uma solução energética viável para a descarbonização do nosso planeta.

É opinião de muitos dos que se debruçam sobre a problemática da produção de energia que a dicotomia energias renováveis/energia nuclear é um falso problema, na medida em que os dois tipos de energia terão de se complementar para que se atinja a neutralidade carbónica até 2050, conforme estipulado no Acordo de Paris.

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