Violentos incêndios em Macau

Camilo Pessanha está já em Macau quando no jornal Echo Macaense de 16 de Maio de 1894 é noticiado o incêndio ocorrido no sábado, dia 12, pelas 19 horas no Tarrafeiro, onde quatro prédios foram devorados pelas chamas. O vento nessa noite soprara com força e o fogo teria tomado maiores proporções não fosse os socorros prestados pelas bombas e corpo de marinheiros que ali compareceram. Trabalharam ainda activamente as bombas a vapor da Inspecção dos Incêndios e da Companhia do Ópio e várias outras bombas particulares. Fora fogo posto e o criminoso está já preso e processado. No entanto, não é referido como foi dado o sinal de incêndio e só com a leitura de outros incêndios, registados nos jornais, começamos a entender a forma normal de avisar a população de Macau. De referir ser Director das Obras Públicas o Major de Engenharia Augusto César de Abreu Nunes, que chegara a Macau a 21 de Dezembro de 1893 e desde 12 de Janeiro de 1894 era Inspector dos Incêndios. À data, no edifício do velho Convento de S. Domingos encontra-se a Direcção das Obras Públicas, o Corpo de Bombeiros e a Estação Central dos Telefones.

Contra as casas de madeira

Nos primórdios de Macau, os edifícios tinham paredes de taipa ou bambu com telhados de colmo ou madeira e, com o amuralhar da cidade cristã a partir de 1622, passaram aí a ser construídos em tijolo. Mas as barracas de bambu e palha perduravam no Bazar ainda no início do século XIX e daí o constante badalar em alvoroço dos sinos das igrejas e mais tarde, em simultâneo com tiros de pólvora seca dos canhões das fortalezas, a avisar os habitantes para acudirem com baldes de água a debelar as chamas. E tantos foram os incêndios e seguidos que as descrições se confundem e as datas se misturam. “Em 1817 ao que parece, tinham destruído também tendas de um importante pagode – aliás aquele onde se instalava o mandarim quando descia à cidade – levou a que fosse ordenada a substituição desses quarenta ou cinquenta estabelecimentos improvisados, por outros de tijolo, com arruamentos bem definidos, estrutura que em pouco tempo ficou concluída”, segundo Pedro Dias.

Beatriz Basto da Silva (BBS) refere-se talvez a esse grande incêndio na Praia Pequena a 6 de Junho de 1818, “pelas 9 da noite e atingindo o Bazar, com origem nas barracas clandestinas que serviam de habitação e botica a uma franja da população chinesa entre o vadio e o tendeiro. Arderam também boticas chinesas, algumas de boa seda. Talvez um prejuízo de 1 milhão de patacas.

O Convento de S. Domingos esteve em perigo.” Marques Pereira complementa ao dizer, a 20 de Julho de 1818, o “Edital do mandarim cso-tang de Macau, por apelido Chen, em que, atendendo a ser o pagode Sien-fung (Lin Fong, o pagode novo) muito venerado pelos chineses, e o lugar de hospedagem dos mandarins superiores que vinham a Macau, e considerando mais que os bonzos dele se achavam privados de rendimentos, pois que algumas lojas que tiveram no bazar, um incêndio as destruíra: constitui foreiras do dito pagode 67 lojas recentemente fabricadas de tijolo nos sítios da Praia Pequena e Matapau.”

O Dr. Caetano Soares referindo-se a esse ou a outro incêndio: “destruiu a maior parte do Bairro de S. Domingos, vulgarmente conhecido como Bazar Grande, sendo a Casa de Beneficência chinesa Sam Kai-Hui-Kum”, cuja sede era o Pagode das Três Ruas, o único edifício poupado. Refere BBS, “Na ocasião, o Procurador da Cidade escreve ao Suntó de Cantão pedindo-lhe apoio que não encontra nos Mandarins de Casa Branca, para fazer valer, junto desses ciosos chineses, a lei que proíbe tais barracas, que são também couto de ladrões e jogadores, mesmo chegadas a casas vizinhas dos portugueses. O Procurador Pereira participa ainda que, para evitar a propagação de mais incêndios, a cidade vai abrir uma rua larga, cercada por uma parede entre os dois focos habitacionais.”

Descuidos

A 31 de Dezembro de 1824, o Mosteiro de Sta. Clara, onde viviam em clausura 31 religiosas franciscanas clarissas, foi completamente devorado pelo incêndio ocorrido às 20 horas e 45 minutos. Devido ao vento, as luzes do presépio pegaram fogo e em três horas o vasto edifício ficou reduzido a cinzas. Como o capelão morava perto, ainda pôde salvar o Sacrário e os principais moradores da cidade correram logo a salvar as religiosas, morrendo queimada a Madre Florentina de 90 anos e outras duas faleceram mais tarde.

O mandarim Tchó-T’óng (tso-tang, com residência na península, mas fora da cidade cristã), de apelido Im, a 7 de Novembro de 1829 ordenou, para evitar incêndios, em vez de archotes andar-se de noite com lanternas, serem as barracas de palha demolidas e todas as lojas obrigadas a ter baldes com água à porta.

Após a destruição de 500 moradias no violento incêndio de 5 de Novembro de 1834, o Procurador da Cidade António Pereira pedia em ofício ao Tchó-T’óng o ser proibida a construção de barracas e casas de madeira na Praia Pequena, a fim de evitar o perigo de incêndios.

Mas foi a lenha amontoada na cozinha do Colégio de S. Paulo, utilizado então como quartel do Batalhão de Voluntários do Príncipe Regente, que pegou fogo a 26 de Janeiro de 1835. Eram seis e meia da tarde. O Chinese Repository descreve com tradução do padre Manuel Teixeira: “Uma descarga de canhões do forte de S. Paulo deu o alarme de incêndio. Este sinal foi imediatamente correspondido pelos canhões dos outros fortes, pelo repicar dos sinos das igrejas e pelo rufar de tambores.

As autoridades principais, a tropa e muitos dos habitantes de Macau depressa se puseram em movimentos. Mas, excepto aqueles que estavam perto da igreja, durante alguns momentos houve dúvidas sobre qual era o edifício que ardia; – o estado da atmosfera era tal que o fumo não podia subir, mas levado por uma breve brisa de noroeste, envolveu toda a parte oriental da cidade. Porém, não tardou muito que as chamas, irrompendo através do tecto, não deixassem dúvidas sobre o ponto donde saíam. Todos os compartimentos, que constituíam a ala esquerda da igreja, e que eram outrora ocupadas pelos padres, mas recentemente pelas tropas portuguesas, começaram logo a arder.

Por um momento, houve alguma esperança de que a parte principal da igreja – a capela, pudesse ser salva. Mas, antes das 8 horas, o fogo atingiu a parte mais alta do edifício e também a sacristia atrás do altar-mor. Um denso fumo de mistura com chamas depressa irrompeu pelas janelas de todos os lados, e então, subindo através do tecto, apresentava um aspecto sinistramente grande.

As chamas subiram muito alto e toda a cidade e o porto interior ficaram iluminados, justamente neste momento o relógio [oferecido por Luís XV e colocado na igreja em 1734] bateu 8 e um quarto. Até ali, tinham-se feito esforços para controlar o avanço das chamas; mas”, tornando-se evidente mais nada se poder fazer, cada qual ficou-se a contemplar o fogo. O incêndio devorou o edifício do antigo Colégio e a Igreja Mater Die, deixando-a reduzida à monumental frontaria de pedra.

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