Entrevista MancheteCloee Chao, representante dos Trabalhadores do Jogo | A mãe de todas as lutas João Luz e Nunu Wu - 12 Mar 202112 Mar 2021 Criou uma associação laboral porque não tinha para onde se virar, afectada pelo fumo passivo nas salas de jogo. Cloee Chao subiu a pulso na indústria dos casinos, criou duas filhas que a acompanham em lutas laborais enquanto trabalhava por turnos e prepara-se para voltar a candidatar-se a deputada. Ainda não decidiu se corre com Ng Kuok Cheong, mas garante que vai continuar a cooperar com o deputado pró-democracia, com quem partilha lutas e princípios Como chegou à indústria do jogo? Era algo que ambicionava? O que a atraiu? A minha entrada na indústria do jogo foi há mais de 20 anos. Na altura, tinha acabado o ensino secundário complementar e estava com dificuldades para encontrar emprego. Consegui trabalho como secretária num escritório, através de recomendação de familiares. Nesse tempo, Macau era uma cidade pequena, a população era pouco mais de 300 mil habitantes e as oportunidades de emprego não eram muitas, excepto nos serviços do Governo e casinos. A admissão na indústria do jogo não era como nos dias de hoje, era difícil encontrar um formulário de proposta de emprego, mas arranjei um através da irmã de um amigo que era croupier no casino Lisboa. Isto foi antes da liberalização do jogo, quando só havia o Casino Lisboa. Preenchi e entreguei o formulário e ligaram-me da Sociedade de Turismo e Diversões de Macau (STDM) a perguntar se tinha interesse em ir a uma entrevista. Nunca tinha entrado num casino. No início, o meu trabalho era tratar das bebidas, atrás do croupier, além de recolher fichas de jogo, entre outras coisas. Tudo era uma novidade para mim, mas a STDM era uma empresa grande e dava formação aos trabalhadores. Depois de três meses de formação, e de um exame rigoroso, podia ser promovida a croupier. Trabalhou num casino ao mesmo tempo que criou duas filhas, enquanto mãe solteira. Que protecções laborais faltam às famílias monoparentais? Sou mãe solteira, responsável por todas as despesas da casa. Como este trabalho implica turnos, não pude cuidar das minhas filhas e tive de contratar uma empregada doméstica, o que aumentou as despesas. Se perguntar a assistentes sociais, vão-lhe revelar que as crianças com maiores problemas são oriundas de famílias em que os pais trabalham na indústria do jogo. Hoje em dia, faço todos os possíveis para que as minhas filhas me acompanhem, até em manifestações estão perto de mim. Por exemplo, nas últimas eleições a minha filha mais velha, que estuda na universidade, foi quem fez o design da nossa campanha. Mas, de facto, não há qualquer apoio a famílias monoparentais. Quando me divorciei, senti-me desamparada, não me facilitaram turnos que me permitissem cuidar da minha família. Lembro-me da felicidade que senti na altura da liberalização, porque se começou a falar de creches, disponíveis 24 horas por dia, para filhos de funcionários. Mas é complicado, mesmo para um casal, se trabalharem por turnos que não coincidem. A relação torna-se distante e, assim, é natural que a taxa de divórcio seja mais alta entre trabalhadores do jogo. Que razões a levaram a criar a Associação Novo Macau pelos Direitos dos Trabalhadores de Jogo? Foi devido à gravidade de uma doença que contraí por causa do fumo passivo. Tive um problema nas amígdalas, que me forçou a ir ao hospital todos os meses para receber tratamento. O médico disse-me que se continuasse a trabalhar naquele ambiente poderia morrer. Alguns colegas tiveram cancro e problemas respiratórios. Estes casos eram frequentes antes da aprovação da lei que proibiu o fumo do tabaco nos casinos. Nesta altura, tinha salário de supervisora, superior a 20 mil patacas por mês, e não podia abdicar desse dinheiro. Procurei a ajuda de outras associações, que não defendiam a abolição total do fumo. Depois de nos termos manifestado, decidimos começar a associação. Ao princípio não foi fácil, os colegas tinham receio de chatear o chefe ou arranjar problemas se estivessem comigo. Mas, lentamente, começámos a ser aceites. Numa altura em que parte da população está em situação de subemprego, a DSAL recebe poucas queixas e dá conta de poucos conflitos laborais. Como analisa esta realidade? A DSAL recebe menos queixas que nós. Nós ouvimos trabalhadores com problemas tão diversos como licenças sem vencimento, pressões para assinar demissões ou cartas de aviso. Durante este período de pandemia, percebo as empresas do jogo, face à quebra de lucros. Muitos anfitriões de salas VIP continuam sob licença sem vencimento, há pessoas com um terço do rendimento, quem tenha perdido bónus e a receber menos de 10 mil patacas. Na minha óptica, os trabalhadores mais afectados são da área da restauração, que tem muitos não residentes e locais em part-time, contratados através de agências de emprego, e estes não se queixam à DSAL. Que confiança tem na Concertação Social. É um organismo eficaz? O que falta? Todos os membros do Conselho Permanente de Concertação Social (CPCS) são nomeados, o Governo só ouve a voz de um lado. Se perguntar aos residentes, não acredito que muitos saibam o que é. Por exemplo, queremos dar as nossas opiniões sobre a lei sindical, queremos participar activamente, e não temos meios. Se compararmos com a Assembleia Legislativa, que só tem alguns deputados que representam a população, o CPCS tem zero. Quais são as suas expectativas quanto à Lei Sindical? Temos receio que a lei sindical não seja o que nós queremos, mas o que o Governo quer. Temos contacto com associações sindicais do exterior, ainda esta semana reunimos online. No passado, visitámos outras regiões como Estados Unidos, Espanha, onde existem leis sindicais. O mais importante é garantir convenções colectivas de trabalho e direito à greve. Estou preocupada com a possibilidade de estes direitos serem restringidos. Receio também que os sindicatos sejam organizados pelos próprios empregadores, com inscrição obrigatória no momento da admissão na empresa. Está a ponderar a possibilidade de concorrer às eleições na lista de Ng Kuok Cheong. Não teme dividir o eleitorado de trabalhadores do jogo, que não se alinham com a política mais pró-democracia? Todos sabem que os deputados Ng Kuok Cheong e Au Kam San apoiam as associações de operários e que partilhamos escritório, estiveram presente na fundação da nossa organização. Estou sempre presente nas actividades que promovem e também os convidamos para acções organizadas por trabalhadores do jogo. Creio que quem conhece a nossa associação, sabe que somos apoiantes dos deputados Ng Kuok Cheong e Au Kam San. É possível que haja quem tenha conceitos políticos diferentes dos deputados, mas não me parece que isso tenha grande impacto, uma vez que eles apoiam os trabalhadores há dezenas de anos. Mesmo que possam não concordar com alguns aspectos políticos, conhecem os seus desempenhos em questões laborais. Pelo contrário, acho que os apoiantes do campo democrático não nos aceitam porque nossa associação celebra o dia nacional e o aniversário da associação. Não somos do campo democrático, nem pró-Governo, somos uma associação de operários. Em Macau só existem estes dois campos. Independentemente de me candidatar, ou não, com Ng Kuok Cheong, vamos continuar a cooperar. Concorda com as ideias e as lutas que Au Kam San e Ng Kuok Cheong têm protagonizado em Macau, como a vigília do 4 de Junho? Não acha que pode ser um risco político? Ao longo dos anos, organizaram as suas actividades e que nunca foram suspensas, incluindo as actividades não puderam ser públicas devido à pandemia, acho que o maior risco político é desistirem de as organizar. Claro que me reconheço nestas lutas, se não concordasse não estaria com os deputados. Como as pessoas sabem, o campo democrático em Macau é moderado, mas pode ter sofrido com a atmosfera que se vive em regiões vizinhas. Mas creio que a população os apoia há muitos anos. Numa eventual candidatura à AL, quais são as propostas e políticas que gostaria de ver implementadas em Macau? Como eu sou trabalhadora do jogo, o foco principal é a esperança de participar no processo da renovação da concessão das licenças de jogo, fazer sugestões legislativas e lutar pelos direitos dos trabalhadores. Na altura da liberalização do jogo, as empresas candidatas às concessões prometeram muito, como creches 24 horas, dormitórios para funcionários, mas só vi estas promessas cumpridas no estrangeiro. Se calhar, porque faltam terrenos em Macau, mas ao longo dos anos não me parece que as empresas se tenham esforçado muito. De qualquer das formas, a cultura não-jogo é fraca em Macau. Por exemplo, The House of Dancing Water era muito conhecido, mas fechou devido ao impacto da pandemia. Desta vez, espero que as promessas feitas pelas concessionárias fiquem estabelecidas a escrito, de forma clara. Outro exemplo é o sector das exposições e eventos, que, de facto, estão bem desenvolvidas no Venetian. Mas é raro recrutarem residentes. Como avalia o trabalho do Governo de Ho Iat Seng até agora e que medidas gostaria de ver implementadas? Acho que o Governo tem feito um trabalho muito bom, incluindo com medidas que tiveram como prioridade o bem-estar da população, algumas corajosas, como fechar os casinos durante um período devido à pandemia. De 0 a 100, dou uma pontuação de 85 pontos. Demonstram maior capacidade de trabalho do que os governos anteriores. Por exemplo, as medidas de prevenção da pandemia não foram aplicadas às empresas de jogo apenas tendo em conta interesses negociais. Creio que o Governo impediu que muitos trabalhadores não fossem despedidos.