Alberto Pacheco Jorge, o deputado que defendeu Macau na Assembleia Nacional

Alberto Pacheco Jorge, filho de José Vicente Jorge, foi deputado por Macau à Assembleia Nacional, em Lisboa, durante o Estado Novo, entre 1954 e 1969. Mas Macau foi sempre a sua casa, onde exerceu advocacia e desempenhou diversos cargos públicos. No parlamento português, o macaense pediu fundos para um novo Liceu de Macau, debateu propostas de lei e falou das questões económicas do território

 

Entre os meses de Outubro e Maio, a sua vida fazia-se em Lisboa, onde estudou Direito. Depois regressava à sua Macau de sempre, a sua casa de eleição, muito mais do que o local de nascimento. De 1954 e 1969 foi assim a vida de Alberto Pacheco Jorge, filho de José Vicente Jorge e antigo deputado por Macau à Assembleia Nacional, ainda no período do Estado Novo de António Oliveira Salazar.

Nascido em 1913, Alberto Pacheco Jorge foi ainda delegado do Procurador da República, presidente da Cruz Vermelha e do Clube de Macau e vice-presidente da comissão administrativa da Câmara Municipal de Macau. Foi também vogal do Leal Senado da Câmara de Macau.

Pouco se sabe sobre a vida deste macaense que foi advogado em Macau e que, em Lisboa, vivia uma vida mais solitária, dividida entre o parlamento e a casa de familiares em Campo de Ourique. A primeira vez que Alberto Pacheco Jorge interveio na qualidade de deputado foi a 15 de Março de 1954, apresentando-se como um representante “da mais pequena das nossas províncias ultramarinas, a segunda mais distante da Mãe-Pátria e, porventura, a mais ignorada de todas: Macau, a cidade do Santo Nome de Deus, a que D. João IV outorgou o honroso título de não haver outra mais leal”.

O deputado descrevia a Macau de então, com cerca de 188 mil habitantes e apenas 16 quilómetros quadrados, como sendo “bem portuguesa no seu sentir e na sua maneira de ser”, e em que “a nenhuma outra província se inferioriza no seu acrisolado amor por Portugal, no seu patriotismo, jamais desmentido”.

Dinheiro para novo liceu

Na mesma intervenção Pacheco Jorge falou das celebrações do IV Centenário da Fundação de Macau, que serviu de mote para referir os problemas do Liceu de Macau. “Macau, que não conta na sua população com um único analfabeto, está, no entanto, inferiorizada no que diz respeito às instalações de alguns dos seus estabelecimentos de ensino, de entre os quais devo destacar o liceu, que, leccionando o mais alto grau ministrado em português naquela província, se encontra pessimamente instalado e apetrechado”, apontou.

Alberto Pacheco Jorge lamentava que o Plano de Fomento “não tivesse considerado este aflitivo problema da instrução em Macau, atribuindo-se as necessárias verbas para a construção de edifícios próprios onde seriam instalados condignamente alguns dos diversos ramos de ensino daquela província”.

O território vivia, à época, uma “grave crise económica” e tinha como Governador o Almirante Marques Esparteiro. Eram necessários cinco mil contos para a construção de um novo edifício. “É por isso que, tendo em consideração as próximas festas centenárias da fundação de Macau, eu ouso sugerir que o Governo Central, num gesto de solidariedade para com a província, e como que constituindo uma prenda de anos, contribua para obra tão urgente”, defendeu o deputado.

Alberto Pacheco Jorge voltaria a abordar os problemas registados no Liceu de Macau quando, na primeira sessão legislativa da VII Legislatura, entre os anos de 1957 e 1958, chamava a atenção da metrópole para a falta de professores liceais em todos os territórios do Ultramar e também em Macau.

Necessidade de novas indústrias

A 18 de Janeiro de 1956, Alberto Pacheco Jorge parabenizou o então ministro do Ultramar, Raul Ventura, pela entrada em vigor de um novo decreto-lei, em Novembro de 1955, que “que deu a Macau um regime de excepção quanto ao fomento industrial, dadas as condições internacionais do Extremo Oriente e os seus reflexos na situação económica desta província”.

Foi o deputado macaense que chamou a atenção, em Abril de 1955, para o “caso especial de Macau”, uma vez que, na sua visão, seria urgente “proceder a uma revisão da legislação sobre o condicionamento comercial e industrial desta província ultramarina, em ordem a atrair novos capitais e novas indústrias que possam, a pouco e pouco, dar lugar à criação de receitas estáveis e regulares”.

Alberto Pacheco Jorge abordou também, na mesma sessão, a necessidade de ajustar os preços das tarifas de electricidade. “É quase proibitivo o preço da energia eléctrica em Macau (…) Compete ao Governo da província, e em especial ao seu Município, o reajustamento do preço da energia eléctrica, pois com o desenvolvimento da técnica o fornecimento a preços acessíveis e em quantidade bastante é um dos factores básicos para o desenvolvimento industrial.”

Nos últimos anos como deputado, Alberto Pacheco Jorge abordará ainda os problemas da emissão e circulação de moeda em Macau, além de participar no debate proposto pelo deputado Henriques Nazaré “sobre o problema habitacional das classes economicamente débeis do Ultramar”.

Defender interesses de Macau

São poucas as memórias que Ana Maria Jorge guarda do seu pai como deputado, porque em casa Alberto Pacheco Jorge pouco falava da sua actividade profissional com os três filhos. “Ele foi uma pessoa bastante importante para a comunidade macaense e para a comunidade chinesa, onde também era muito bem aceite”, contou ao HM.

Como deputado, “fez tudo o que pôde fazer por Macau e fez muitas coisas”, lembrou Ana Maria Jorge. Da carreira do pai recorda-se apenas de algumas histórias dos tempos em que este exerceu advocacia. “Lembro-me de ele falar de alguns casos. Num julgamento, o réu passou em casa dele para o subornar, e ele meteu-o dali para fora quase a pontapé.”

Ana Maria Jorge assegura que o pai “sentia-se mais ligado a Macau, a cem por cento”. Sobre o regime de Salazar, não era um apoiante acérrimo, mas também “não queria confusões”.

“O meu pai não era propriamente admirador de Salazar. Estava ali única e exclusivamente para defender os interesses de Macau, mas também não queria confusões. O meu irmão meteu-se na revolta dos estudantes [nos anos 60, em Portugal] e o meu pai tirou-o de lá, temeu consequências por ser deputado. O meu irmão foi estudar para fora, primeiro para França e depois para Inglaterra”, recordou.

Museu “com coisas chinesas”

Quem também privou muito com Alberto Pacheco Jorge na casa de Campo de Ourique foi Pedro Barreiros, seu sobrinho. “Éramos muito amigos”, recorda Pedro Barreiros, que destaca a vontade de Alberto Pacheco Jorge de prosseguir com a colecção de peças chinesas iniciada pelo seu pai.

“Ele comprou uma moradia grande em Carcavelos onde iria fazer uma espécie de museu. Ele tinha muitas coisas que tinha herdado do pai, como todos os irmãos, mas ele ia também muito à China, onde comprava coisas e sabia o que estava a comprar.”

Na época em que o tio passava temporadas em sua casa, Pedro Barreiros era um adolescente. Mas recorda-se de ver o tio, sempre tão calmo, exaltado ao telefone por causa do motim 1,2,3, ocorrido em 1966. “Recordo-me mais de o ver irritado, porque era uma pessoa extremamente calma. Não percebia muito bem porquê, só sei que eram coisas relacionadas com Macau”, disse.

Em Macau, Alberto Pacheco Jorge teve “amigos chineses importantes”, como Ho Yin, um dos líderes da comunidade na altura. “Ele falava muito bem chinês e tinha muitos clientes chineses. Tinha muito respeito pela China e pela arte chinesa. Penso que uma das coisas que ele gostava em mim, quando era miúdo, era o facto de eu ter aprendido pintura chinesa”, recorda Pedro Barreiros.

Prova da ligação de Alberto Pacheco Jorge à China foi a viagem que este realizou, na companhia da sua esposa, em 1958, e que teve destaque no jornal Ou Mun. O jornal de língua chinesa noticiou “O primeiro português que visitou a China”, na sua edição de 22 de Maio de 1978. “Como recordou o Ou Mun Yat Pou [澳门日报, Aomen ribao /Diário de Notícias de Macau], embora Garcia Leandro fosse o primeiro governador de Macau a visitar a China, não era o primeiro português. O deputado por Macau à Assembleia Nacional portuguesa, Alberto Pacheco Jorge, e a sua esposa, visitaram a China em 1958, enquanto outro grupo de portugueses e macaenses realizaram um périplo idêntico no ano seguinte”, apontou o investigador Moisés da Silva Fernandes na sua intervenção “Contextualização das negociações de Paris sobre a normalização das relações luso‐chinesas, 1974‐1979”, publicada pela revista do Instituto Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros em Fevereiro de 2010.

“Ele foi a convite do Governo chinês. Deram-lhe um passaporte para ele lá ir na condição de que, quando voltasse a Macau, o devolvesse, e foi o que ele fez. Ele respeitava a comunidade chinesa”, recorda a filha.

Cartas queimadas

Terminada a carreira de deputado, Alberto Pacheco Jorge, que também era notário, pensou em reformar-se, mas Salazar tinha outros planos para ele. “O Governo de Salazar convidou-o para fazer o resto em Lourenço Marques [Moçambique] ou Angola, porque ele já tinha sido promovido a notário de primeira e não podia exercer em Macau, porque era comarca de segunda”, recorda Ana Maria Jorge.

Em Moçambique Alberto Pacheco Jorge viveu com a sua esposa até à sua morte, tendo recebido apenas a visita das netas, filhas de Ana Maria, numas férias de verão. Os estudos superiores há muito que tinham levado os três filhos para fora do lar. Alberto Pacheco Jorge partiu um mês depois do 25 de Abril de 1974. “Como ele estava já não ligava nenhuma. O interesse dele era saber se ia sobreviver, mais nada. O meu pai só dizia que Portugal não tinha vocação para ser comunista, porque na altura falava-se muito no Álvaro Cunhal. E tinha razão.”

Anos depois, Ana Maria Jorge deparou-se, na casa da sua mãe, com memórias escritas do pai, mas não guardou nem uma. “Encontrei cartas de Salazar para o meu pai, coisas da Assembleia. A minha mãe tinha isso tudo guardado mas queimei tudo, nem li. Dei muitos livros dele.”

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