Ai Portugal VozesA pandemia tem de ir morrer longe Hoje Macau - 11 Jan 2021 Por André Namora Li muito do filósofo escocês David Hume, um homem excepcional que faleceu em 1776. A sua principal obra foi a “Investigação sobre os Princípios da Moral”. Cada vez que mais o lia mais discordava com ele, apercebendo-me que eu era uma formiga intelectual ao pé de um elefante. O genial David Hume teorizava sobre questões epistemológicas – aquelas que tratam da natureza do conhecimento. Seus pensamentos foram revolucionários o que o levou a ser acusado de heresia pela Igreja Católica por ter ideias associadas ao ateísmo e ao cepticismo. Compõs a famosa tríade do empirismo britânico, sendo considerado um dos mais importantes pensadores do chamado iluminismo escocês e da própria filosofia ocidental. Dizia que era impossível provar a existência de Deus. Opôs-se particularmente a Descartes e às filosofias que consideravam o espírito humano desde um ponto de vista teológico-metafísico. Assim David Hume abriu caminho à aplicação do método experimental aos fenómenos mentais. A sua importância no desenvolvimento do pensamento contemporâneo é considerável. Somente no fim do século XX os comentadores se empenharam em mostrar o carácter positive e construtivo do seu projecto filosófico. Mas, ó André, a que propósito vens com filosofias? Não seria empírico falares sobre o que nos desgosta em Portugal? Precisamente, apresentei-vos David Hume porque ele escreveu uma vez que nada se destruía ou tudo desapareceria. Discordei logo dele. Primeiramente, não concebo que muitas coisas não se destruam quando, por exemplo, entre milhares de factos, estamos desde Março a aturar e a sofrer com uma pandemia que já matou milhões de pessoas em todo o mundo. O confinamento foi terrível e levou um amigo meu ao suicídio, o que aconteceu com tantos humanos que não aguentaram o enjaulamento caseiro e a progressiva deterioração na relação com a companheira ou vice-versa, tendo, alguns, os filhos pelo meio a enlouquecer o cérebro dos pais. Uma pandemia que nos trouxe a covid-19, algo ainda hoje inexplicável. O Coronavírus pulula pelo mundo há anos e a ciência tem andado sempre no seu alcance e no seu controlo. De repente, foi denominado de covid-19 e começou a matar humanos por todo o mundo, particularmente nos EUA, Brasil, China e Índia. As especulações são imensas: guerra entre americanos e chineses com o objectivo da destruição económica, anulação de metade da população de velhos no mundo em especial porque os governos já não têm dinheiro para pagar as reformas e para sustentar os organismos de apoio à saúde, uma tentativa da China de colocar Donald Trump na ordem ou no jazigo, farmacêuticas e laboratórios que viram a porta aberta para a angariação de biliões de dólares, enfim, uma panóplia de teorias de conspiração que levou às mais variadas opiniões de especialistas, cientistas, simples clínicos, comentadores de televisão e até políticos, esses incompetentes que nem das suas tutelas entendem quanto mais de uma pandemia. Ainda bem que já estamos em 2021, um novo ano que nos leva a ter esperança que tudo poderá melhorar. É uma esperança, porque se um rochedo dos Himalaias ou da Serra da Estrela dá razão a David Hume em nunca se destruir e assistirem à vivência milenar de gerações atrás de gerações, também temos de pensar que o vírus tem de desaparecer para Júpiter ou Saturno, mas que não nos mate mais. Agora assistimos ao negócio das vacinas. Esperemos que a ciência ganhe a batalha e que o inacreditável da criação de uma vacina em tão pouco tempo possa dar o efeito desejado, mesmo que seja um dos maiores negócios lucrativos do globo. O ano que terminou nem queremos lembrá-lo. Mudou o mundo, as pessoas, as estruturas, os pensamentos, os investimentos. Mudou a estabilidade de milhares de empresas. Deixou milhares no desemprego. Obrigou patrões pela primeira vez a despedirem trabalhadores fiéis de dezenas de anos com as lágrimas nos olhos. Obrigou jornais e revistas a encerrar. Obrigou casais a divorciarem-se porque a maioria dos homens nunca esteve habituada a não sair à noite para tomar um copo com as amigas e amigos. Obrigou os políticos a mentir nos números de infectados e de óbitos no respeitante à covid-19. Obrigou os médicos e enfermeiros a trabalhar como nunca pensaram e a sofrer desmesuradamente por se sentirem impotentes quando os seus doentes lhe morriam nos braços devido a esse vírus maldito. Por aqui, em Portugal, ai, meus leitores de Macau. A situação é horrível. Não houve Natal, não se festejou a passagem de ano, os restaurantes têm ido à falência, os hotéis estão vazios, os táxis estão sem clientes, os cabeleireiros nem sabem se os seus clientes mais idosos morreram ou não saem de casa desde Março. Meus amigos, que conhecem Portugal, dizer-vos que aquelas tascas maravilhosas à beira das estradas que serviam bifanas e pregos de provocar a lambidela dos dedos também têm encerrado as portas. Estão a morrer quase 80 pessoas por dia. O recorde de infectados chegou quase aos oito mil em 24 horas. Que o novo ano venha cheio de sorte, fé, amor e saúde! Que encha os nossos dias de força, de coragem e de pessoas de luz nas nossas vidas! Que nos ajude a manter o foco e a fé no que realmente importa! Que alivie o peso das lutas e nos traga paz! Que nos faça acreditar que aconteça o que acontecer, há sempre um sol por detrás dos dias escuros e nublados… há sempre! E que todos nós, em 2021 possamos dizer: fuck… estou a viver o melhor ano da minha vida, Desculpa, meu admirado David Hume, algo tem de terminar para bem de todos nós. Não podemos continuar a sofrer como tem acontecido desde Março do ano passado. A pandemia tem de ir morrer muito longe… *Texto escrito com a antiga grafia – Artigo escrito em 3/01/2021