Grande Prémio | Pandemia, custos e ausência de estrelas estrangeiras dividem opiniões

O evento mais icónico de Macau é realizado desde 1954 sem interrupções. Este ano, opiniões dividem-se quanto à razoabilidade de organizar o Grande Prémio, devido a receios de um surto de covid-19 com infecções importadas. Crítica que se junta às habituais queixas devido ao barulho e condicionamento do trânsito

 

[dropcap]C[/dropcap]om início agendado para 19 de Novembro ainda são muitas as incertezas à volta da 67.ª edição do Grande Prémio de Macau. A situação da pandemia da covid-19 tem sido uma dor de cabeça para a organização, e ainda não há um programa oficial, com a lista de participantes inscritos e horários. Nem mesmo os regulamentos, ao contrário do que é habitual, estão disponíveis no portal online do evento.

Além da parte desportiva, há quem questione a segurança do evento, por recear que possa originar um surto comunitário. Por outro lado, o investimento de 250 milhões de patacas também levanta dúvidas, num ano em que a entrada de turistas é limitada e o interesse desportivo mais reduzido, devido à eventual escassez de pilotos estrangeiros.

Face ao ambiente de alguma desconfiança, a organização já veio a público, pelo menos duas vezes, garantir que todas as medidas de prevenção e controlo de segurança vão ser respeitadas.

Chan Tak Seng, antigo mandatário da candidatura de Chan Meng Kam e actual presidente da Associação de Promoção do Desenvolvimento de Distritos, explicou ao HM as razões pelas quais é contra a realização do evento este ano.

“Este período não favorece a organização do Grande Prémio. Quando estamos numa fase de pandemia, acho que o evento não devia ser organizado. E mais de 90 por cento dos amigos com quem convivo têm a mesma opinião”, afirmou Chan. “Quando a situação da pandemia não está completamente estável, tanto em Macau, como Hong Kong e no Interior, até porque ainda não há vacina para controlar a situação, penso que o Governo vai estar a criar uma oportunidade para que a covid-19 se espalhe”, justificou.

“Caso haja pilotos infectados e assintomáticos a entrar em Macau, como aconteceu na província de Xinjiang, onde houve mais de 100 infectados sem sintomas, como é que o Governo vai resolver a situação? Como vão assumir a responsabilidade?”, questionou. “A prioridade deve ser o interesse máximo dos residentes em vez do dinheiro ou da vaidade”, atirou.

Também a deputada Agnes Lam admite preocupações com a segurança do evento e diz que tem “sentimentos mistos” em relação a esta edição. Por esse motivo, há umas semanas era mesmo contra a realização das corridas. No entanto, como a organização garantiu que os pilotos vindos de fora e de Hong Kong têm de fazer 14 dias de quarentena, além de apresentar testes com resultados negativos, aceita que se faça o evento. Mesmo assim, não deixa de criticar a forma como as medidas de segurança só foram comunicadas muito tardiamente.

“No início achava que não se deveria avançar com o Grande Prémio porque a situação pandémica estava longe de estar controlada. No meu entender estava a criar-se um evento que poderia trazer mais infecções para Macau e que por isso devia ser cancelado”, reconheceu Agnes Lam, ao HM.

Foi a exigência do cumprimento da quarentena de 14 dias que levou a legisladora a ceder. “Há pessoas a vir para Macau todos os dias, que cumprem os 14 dias de quarentena e isso não tem levado a casos de infecções comunitárias. Se pedem que apresentem resultados de teste e que façam a quarentena, é uma boa forma de garantir a segurança. […] Só que estas medidas não foram muito bem esclarecidas e acho que até houve pilotos com dúvidas, que só depois de informados é que recusaram vir”, acrescentou.

Governo com crédito

Além da exigência de testes e quarentena, a organização indicou que aos espectadores será feita medição da temperatura corporal, preenchimento da declaração de saúde e ainda obrigação de respeitar distanciamento social. Já os equipamentos das equipas e os carros “serão rigorosamente desinfectados e testados”, além de haver postos médicos ao longo da pista.

Face a estas garantias, o arquitecto e confesso admirador da prova, André Ritchie considera que o Governo merece a confiança da população na realização do evento. “Eu não tenho competência técnica para questionar as medidas de saúde pública, o que faz com que não tenha opinião sobre esse aspecto. Mas, o Governo tem apresentado resultados de competência a nível da prevenção e do combate à covid-19. Acho que existem condições para confiar no trabalho do Executivo”, começou por realçar.

Por outro lado, André Ritchie recordou que a prova é realizada de forma ininterrupta desde 1954 e que como “um evento autêntico” de Macau merece apoio. “Não concordo que se deva cancelar as provas. O Grande Prémio teve sempre edições de forma continua, é um evento genuíno de Macau e a continuidade é muito importante. Não merece ser cancelado. O que precisamos é de adaptá-lo às condições da pandemia”, defendeu.

O arquitecto deu ainda o exemplo de várias provas por todo o mundo, como a Volta a Itália em bicicleta, que apesar de enfrentarem desafios mais complicados não deixaram de ser realizadas, mesmo que em condições de “um ano atípico”.

André Ritchie destacou igualmente que a existência de obstáculos no caminho da prova não é uma novidade e que nem a passagem de tufões levou ao cancelamento. Foi em Novembro de 1987 que o Tufão Nina atravessou o território num fim-de-semana que coincidiu com a prova. “O Grande Prémio nunca falhou, nem quando houve a passagem de um tufão. Nesse ano as corridas foram adiadas para segunda-feira. Até houve direito a um feriado”, recordou. “Antes de termos os casinos que temos hoje e de haver os concertos pop, o Grande Prémio era a montra internacional de Macau e é um evento que ainda tem essa força”, sublinhou
Mário Sin, ex-membro da organização do Grande Prémio, também considera que o evento deve ser feito, mesmo que a lista de concorrentes não seja tão atraente. “Na Europa, América e em outros lados da Ásia, os eventos desportivos estão a ser feitos. Mesmo sem a participação dos pilotos internacionais não se deve deixar de fazer o Grande Prémio. É uma prova para a organização mostrar a sua capacidade”, considerou Mário Sin, ao HM.

Interesse e custos

No comunicado emitido na sexta-feira, o Governo, através do Instituto do Desporto, sublinhou que o Grande Prémio de Macau é “uma marca desportiva e turística importante” e que se enquadra na “missão prioritária” que é a “promoção da recuperação económica”. O evento é ainda encarado como uma forma de mostrar no Interior e internacionalmente que a RAEM é um destino turístico seguro.

No entanto, o montante do investimento de 250 milhões de patacas, levanta dúvidas a Chan Tak Seng. “Não acho que as corridas este ano vão resultar num grande interesse para Macau. E também temos de considerar que já se gastou muito dinheiro como a instalação da pista. O Governo deveria ser mais prudente com os custos”, opinou.

Chan Tak Seng sugeriu mesmo que se fizesse, em vez do grande prémio, mais eventos para a população praticar desporto.

Também Agnes Lam mostrou dúvidas em relação a um orçamento que apesar de ter poucos pilotos estrangeiros apenas será 20 milhões de patacas inferior ao orçamentado para o evento realizado no ano passado. “Nesta altura já não se pode voltar atrás, mas sem pilotos estrangeiros, que são o principal chamariz, faz sentido este orçamento?”, questionou. “Se calhar esta edição, a nível do orçamento, não vai ser tão eficiente”, indicou.

Sobre a vertente económica, Mário Sin, ex-membro da organização, considera que economia local vai mexer. “A prova cria a oportunidade de negócio. Agora vai depender da forma como as pessoas se vão mexer. Mas há sempre oportunidades para pequenos negócios de venda de lembranças, comida, e artigos semelhantes.
Mesmo que o interesse seja reduzido, André Ritchie destaca que os pilotos locais também merecem oportunidades. “A ausência dos pilotos estrangeiros tira um pouco o colorido ao Grande Prémio. Mas, não havendo pilotos vindos de fora, também acho que é importante, como oportunidade, para os pilotos locais, do Interior e de Hong Kong, que assim podem participar e ter mais tempo de pista”, considerou. “Acho que não tem mal nenhum se houver menos corridas com pilotos internacionais e mais corridas com iniciados. No passado também chegou a ser assim”, completou.

O modelo do passado foi igualmente recordado por Mário Sin. “Não devemos ficar parados por não haver participação do exterior. Quando o Grande Prémio começou também era muito limitado na participação de pilotos e isso não impediu que se chegasse ao ponto a que chegou. Não vejo mesmo motivo para pararmos”, indicou. Nesse sentido, Sin considera que pode haver vários motivos de interesse dentro de pista, onde pilotos locais como Andy Chang ou Charles Leong, na Fórmula 4, ou Rodolfo Ávila, na Corrida da Guia, podem brilhar.

Agnes contra dualidade

Agnes Lam revelou sentir-se desapontada com a “dualidade de critérios” do Executivo, que permite a pilotos estrangeiros entrar em Macau, desde que cumpram quarentena, mas que não permite o mesmo tratamento para estrangeiros não-residentes que estão fora e têm família na RAEM. “Fico muito reticente quando há várias famílias com membros no estrangeiro que simplesmente não podem regressar a Macau. Mas, ao mesmo tempo, permite-se que os pilotos entrem”, realçou. “Acredito que devia haver uma abertura da fronteira gradual e que se devia deixar entrar estes estrangeiros que estão em lugares com o risco baixo, como o Interior”, defendeu.

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