h | Artes, Letras e IdeiasDespesas e receitas da Misericórdia José Simões Morais - 4 Mai 2020 [dropcap]E[/dropcap]m Macau, uma Comissão Especial foi nomeada a 8 de Novembro de 1866 pelo Governador José Maria da Ponte e Horta para estudar as necessidades e problemas da Santa Casa da Misericórdia e arranjar soluções. A nível financeiro, só com a Casa dos Expostos nesse ano a S.C.M. estava a despender mais de um terço do rendimento, que rondava $6000. Mas havia ainda outras despesas, sendo o dinheiro preciso para o hospício dos lázaros, hospital, presos pobres, educação de um aluno no Colégio de S. José, foro do cemitério dos parsis, missas e esmolas. No ano de 1867, o hospício dos lázaros tem 37 desses infelizes, todos chineses, sendo 22 do sexo masculino e 15 do feminino. Dos 37, são 23 sustentados pela Santa Casa e 14 são particulares a quem a Misericórdia apenas dá domicílio. Estes últimos, porém, passam a ocupar os lugares que deixam os lázaros da casa que vão morrendo. É notável o abandono em que se vê esse determinado hospício. Os lázaros vivem como querem e não se sujeitam a tratamento algum. A Misericórdia dá a cada um dos seus certa quantia em dinheiro e uma porção de arroz para sustento. Se a despesa feita com os lázaros em 1857 fora de $472,30, em 1866 subiu para os $749,01 e nesses dez anos cifrou-se em $6733,11. Já a mesa da Misericórdia de 1833 era da opinião que não se admitissem expostos chineses e resolveu também, por motivo de falta de meios para fazer face às despesas da casa, não sustentar lázaros desta ordem. Em Fevereiro de 1864 a comissão administrativa deliberou não admitir lázaros chineses senão até ao número de 22, mas esse número fica sempre preenchido, e em 1867 existe ainda mais um. A Comissão Especial criada em 1866 fez sua a opinião da mesa de 1833, isto é, entende que a Misericórdia deve conservar os lázaros actuais, sem admitir mais nenhum, nem preencher os lugares dos que morrem com os lázaros sustentados pelos particulares. Dar abrigo, sustento e alívio a todos os lázaros chineses que aparecem na cidade era uma obra de caridade e o meio de evitar essa triste sina que por aí às vezes se apresenta. Mas isso seria impossível. Centenas deles viriam talvez de todas essas povoações quando soubessem que encontravam em Macau algum consolo ao seu infortúnio. A Misericórdia beneficia os que pode, não o faz se lhe falecem os meios para tanto. Tem ela outros encargos, para os quais são principalmente destinados os seus haveres, e a que por conseguinte não deve faltar. No Boletim do Governo de Macau de 11 de Fevereiro de 1867, na Portaria N.º 13, o Governador de Macau determina: Considerando que a Santa Casa da Misericórdia não é, nem pode ser um albergue de inválidos e leprosos, pois que a sê-lo mal poderia bastar para ocorrer aos males transitórios, com quanto incessantes, dessa porção da comunidade que ferida da desgraça vai ao seio de tão pio estabelecimento pedir abrigo e socorro: hei por conveniente, conformando-me com o parecer da Comissão, determinar que a Misericórdia não receba mais em seu seio nem lázaros nem inválidos, nem outros desgraçados, que pela natureza de suas doenças ou por virtude de suas idades ofereçam um carácter de permanência, que mal se pode compadecer com a índole e fins de tão generosa como activa instituição. Macau 8 de Fevereiro de 1867. Um dos deveres da Misericórdia é sustentar também os presos pobres. A comissão, porém, notou que a maioria desses presos não são verdadeiramente pobres, nem portugueses. Em 1866 foram alimentados 17 presos, dos quais 6 eram portugueses (1 europeu e 5 macaenses) e os outros 11 estrangeiros. Eram estes últimos marinheiros europeus que desembarcaram em Hong Kong e vieram a Macau dar motivos à sua prisão. Das receitas A Misericórdia cobra pelo tratamento de doentes particulares no Hospital de S. Rafael, para os quais há duas classes. Na primeira paga cada doente $1,25 e na segunda $0,99. Existem também no mesmo estabelecimento inválidos e particulares sem rendas, que são sustentados, vestidos e tratados por diferentes preços, assim, um deles paga $10 por mês, dois pagam $4, um $3 e outro $1,50. Os rendimentos dos dez últimos anos dão ao hospital uma receita anual média de $764 e a do ano de 1866 fora de $1250. A comissão entende ser urgente melhorar as circunstâncias actuais do hospital e propõe em lugar competente, poder ser aumentada esta receita, elevando os preços aos doentes particulares e regularizando convenientemente a importância que devem pagar os inválidos e outros desta ordem. Outra fonte provém de duas capelas que anualmente dá um pequeno rendimento proveniente de repiques, sinais de enterro, aluguer de objectos fúnebres, etc. Há um livro especial para esta receita e despesa, onde as verbas são bastante variáveis. A média tirada da importância líquida produzida nos dez últimos anos dá desta origem um rendimento anual de $56. Já a receita da lotaria anual da Misericórdia em 1866 fora de $800, havendo ainda a deduzir as respectivas despesas. É raro, porém, chegar-se a este resultado pelas dificuldades de se obter a venda dos bilhetes necessários, o que se pode atribuir a igual concessão feita a outros estabelecimentos como a Escola Macaense e o Teatro de D. Pedro V e sobretudo à concorrente Lotaria de Manila, preferida pelos prémios avultados que distribui. Assim, o rendimento da lotaria da Santa Casa é variável e às vezes falha, por não se conseguir vender o número suficiente de bilhetes. Essa a razão do plano da lotaria de 1867 passar a ser de $4000, com 2000 bilhetes a $2 por bilhete, enquanto em 1866 fora de $8000, logo uma redução para metade. Em 1867, o 1.º Prémio da lotaria é de $1000 patacas, havendo ainda, um prémio de $500, cinco de $100, dez de $50, vinte de $10, cento e oitenta de $4 e um prémio de $100 para último branco da última extracção. Serão 218 prémios num valor total de $3520 e os 1782 brancos, 12% a benefício das Obras pias, que dá $480, podendo a Misericórdia o dividir como julgar conveniente. A extracção fez-se a 3 de Junho de 1867 e no dia imediato começaram a ser pagos os prémios na Santa Casa. Já o produto das multas é ainda mais incerto. Em muitos anos seguidos não figuram elas na receita da Santa Casa e foi de 1863 a 1865 que produziram uma média anual de $95, tendo faltado em 1866. Em 1861, a Santa Casa começara a alugar cadeiras no passeio público nas tardes e ao sol-pôr dos domingos e quintas-feiras, quando no Jardim de S. Francisco tocava a banda de música militar, sendo a receita de $62 nesse ano, de $33 em 1865, e de $65 em 1866. Além de todos estes rendimentos, a Misericórdia ainda conta com o dinheiro a juros, propriedades de casas e terrenos. A Comissão refere ser a receita anual da Santa Casa da Misericórdia, nas circunstâncias em que presentemente está, de $6000. Recebidas, porém, as dívidas cobráveis, entre elas a da Fazenda Pública, estabelecido o pagamento dos foros dos seus terrenos, e tomadas as outras medidas que ficam indicadas, esta receita aumentará de uma maneira notável.