A multiplicação do ruído

[dropcap]A[/dropcap] forma como as redes sociais têm moldado a nossa compreensão e consequente intervenção no mundo tem sido tão profunda e tão rápida que não raramente parecemos adolescentes em confronto com um mundo para o qual não estamos ainda preparados. Ao revés do que ingenuamente pensávamos, o acesso generalizado à informação não aportou clareza ou definição. Pelo contrário; a multiplicação de perspectivas acrescentou, para além de ruído, desordem e uma crescente incapacidade de destrinçar verdade da mentira, factos de opiniões desinformadas.

Um estudo da universidade de Princeton e da universidade de Nova Iorque concluiu que os adultos com mais de sessenta e cinco anos – norte-americanos – têm uma tendência sete vezes superior de partilhar notícias que sabem ser falsas ou equívocas do que adultos com menos de trinta anos, por exemplo. Pondo de parte a avaliação da intencionalidade de quem faz esse tipo de partilhas, o que me parece bastante evidente é que a iliteracia digital – sobretudo nos mais velhos, habituados a confiar na informação porque adequam exposição pública e veracidade – é a grande responsável pela profusão de ruído nas redes sociais. E se muitas vezes as partilhas são perfeitamente inofensivas, nem sempre é esse o caso.

Partilhar uma notícia não é nunca um acto neutro. Quando alguém decide tomar uma posição relativamente a um determinado assunto, está implicitamente a revelar coisas sobre si próprio. Sobre as suas posições políticas, as suas crenças e sobre a consciência que tem do acto da partilha. Mesmo partindo do princípio auto-evidente segundo o qual um perfil numa rede social corresponde a um avatar, a uma persona, não é menos evidente que estes radicam num substrato de convicções e crenças que se alimenta de e alimenta a rede onde se exprime.

Há muitas coisas que as pessoas partilham de um modo absolutamente desinformado que são apenas tontas e cujo efeito na sociedade não chega nunca a ser o da bola de neve que eventualmente molda a opinião pública acerca de um determinado assunto. São por exemplo epifenómenos de pseudociência a quererem passar por ciência, como é o caso dos efeitos das novas redes 5G nos humanos ou o açúcar enquanto veneno e vício. As pessoas acreditam nessas coisas e partilham-nas porque já têm uma inclinação cognoscitiva relativamente a esses assuntos – e apenas lêem artigos que justificam as suas convicções e nunca o contrário – ou porque acabam por equivaler indevidamente a sensação de estranheza relativamente ao mundo que os rodeia a uma teoria da conspiração acerca desse mesmo mundo que resolve de uma vez só o problema – por exemplo, a “teoria” da terra plana, segundo a qual vivemos numa mentira orquestrada pela NASA, resolve automaticamente a sensação de inadequação e de pequenez, se um sujeito decidir embarcar nela. Há porém coisas mais graves, como os movimentos anti-vacinação ou anticientíficos em geral. Estes podem causar mossas permanentes que não se limitam ao sujeito que adere a eles.

Este período de medo colectivo que vivemos por via da pandemia em curso de COVID-19 deveria nos obrigar a uma reflexão sobre o nosso uso das redes sociais. A imediatez sem custos do acto de partilhar faz com que multipliquemos o ruído. Não paramos para pensar “mas isto é mesmo assim? mas isto é verdade?” porque não existem consequências para a partilha. Acrescentamos confusão à confusão. A maior parte das pessoas lê notícias via redes sociais. A maior parte das pessoas vai tomar decisões importantes para todos nós com base nos artigos partilhados pelas pessoas de quem são amigos. Deveríamos talvez pensar que a nossa grande contribuição para a clareza pudesse ser o silêncio. A responsabilidade de não ceder ao impulso afectivo – que não equivale de todo a qualquer certeza cognoscitiva – de partilhar aquilo que numa primeira leitura nos parece certo. Deveríamos hesitar. Deveríamos confiar nos especialistas e falar muito menos que eles. O silêncio pode ser o único meio pelo qual a mensagem certa chega onde devia chegar.

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