EntrevistaGlenn Mccartney, professor da UM, sobre reabertura dos casinos: “Precisávamos de um sinal positivo” Andreia Sofia Silva - 4 Mar 202016 Mar 2020 Apesar de defender que, no combate ao surto do Covid-19, a saúde está em primeiro lugar, Glenn Mccartney, professor da Universidade de Macau, defende que a reabertura dos casinos depois de um encerramento de 15 dias era importante para mostrar à população que é necessário seguir em frente. O docente defende que os sectores turístico, hoteleiro e do jogo vão recuperar ao mesmo tempo e de forma interligada, mas só a partir de meados deste ano [dropcap]H[/dropcap]elena de Senna Fernandes [directora dos Serviços de Turismo], disse a semana passada que a crise gerada pelo Covid-19 é pior do que no tempo da SARS. Acredita que, além dos casinos, a recuperação dos sectores hoteleiro e do turismo vai ser lenta? Sim, sem dúvida. Há uma clara ligação entre a recuperação do sector do jogo e outros sectores. Isto porque, nos últimos anos, o alojamento turístico ligado à parte do entretenimento e não às apostas nos casinos tem estado muito dependente do jogo. Então, quando os casinos fecham, há este efeito triplo no alojamento, porque a grande maioria dos quartos são um complemento às apostas nas salas VIP para os clientes premium. Quando se perde esse grande segmento também se registam grandes quebras na taxa de ocupação deste tipo de alojamento. Estão completamente interligados, um sector não recupera sem o outro. Também não temos outros segmentos turísticos além dos casinos, o mercado de convenções e exposições não funciona nesta fase, porque não há conferências. Não existe um verdadeiro mercado fora da indústria do jogo. Assim que o sector do jogo começar a recuperar veremos também uma recuperação dos restantes sectores económicos como é o caso do retalho, da hotelaria e do entretenimento. Não é surpreendente que os casinos tenham aberto portas depois do encerramento de duas semanas, porque é fundamental para a recuperação económica de Macau no seu todo. Poderemos esperar uma recuperação no início de 2021 apenas, ou ainda este ano? Por altura do Verão veremos alguns sinais de procura no sector do jogo e isso vai ser um factor regulador no sector hoteleiro. Faço a minha análise com base em dados históricos de crises anteriores. Entre o período da Páscoa e do Verão começaremos a ver esta tendência de recuperação do sector do jogo e aí todos os restantes sectores, sobretudo o hoteleiro, começarão a recuperar. O preço dos quartos de hotel por noite poderá ser ainda baixo, e poderemos também verificar uma baixa taxa de ocupação. Isto se não surgirem mais casos de infecção em Macau e se as autoridades chinesas abrirem alguns dos ‘corredores’ aéreos e marítimos. Aí poderemos ter uma recuperação em termos do número de visitantes. Está tudo dependente disso, porque não temos nenhum mercado significativo fora da China, não podemos ir aos tradicionais mercados turísticos a nível global, não temos um novo mercado, as coisas não funcionam assim. Vai demorar muito tempo e dependemos da China e de Hong Kong para a recuperação do mercado. Desde a SARS que a génese do sector turístico de Macau é a mesma. Estamos perante uma problemática semelhante em termos da fonte de turistas, se compararmos com o ano de 2003? Há uma série de factores que são diferentes. Em primeiro lugar, em 2003 não tínhamos redes sociais, não havia o WeChat. As redes sociais têm levado à difusão de muita informação [sobre o Covid-19] que não é correcta e que acaba por gerar uma série de reacções e ansiedades. Também não tínhamos o enorme número de visitantes da China em Macau e não tínhamos a Strip do Cotai. Toda a dinâmica se alterou um pouco. As pessoas vão buscar referências à SARS porque é uma espécie de ponto de referência. Em termos médicos as duas epidemias não são iguais, não sou nenhum especialista em medicina, mas vemos que há diferenças. Isso significa que o impacto é maior. Mesmo agora vemos que a abertura dos casinos representa um passo em frente positivo e isso deve-se à acção dos médicos e às políticas adoptadas. Uma associação de defesa dos direitos dos croupiers diz ser contra a reabertura dos casinos. Acredita que estão certos? A economia prevaleceu, neste aspecto? Não. A saúde foi absolutamente prioritária, a economia nunca deveria estar em primeiro lugar. Mas também temos de olhar para a forma como vamos iniciar a recuperação, e fazê-lo da forma mais segura possível. Temos de seguir em frente em prol da normalidade. Em duas semanas não aconteceu absolutamente nada, então quando seria a altura certa [para o regresso das actividades económicas]? Há sempre um estigma muito grande numa crise, e todos usavam máscara. Uma crise de saúde leva sempre muito tempo [a resolver] e é importante ter a mensagem na altura certa de que está tudo bem. Eu venho do mundo da investigação e dos números e é com base nisso que trabalho, e não com base em especulações. O Governo tomou então a decisão certa de decretar a reabertura dos casinos ao fim de duas semanas. Necessitávamos de um sinal positivo para seguir em frente em prol de uma recuperação. Defendi que os casinos iriam abrir mediante certas condições, e foi o que fizeram para garantir a segurança das operações. Em Macau, 85 por cento dos impostos são pagos pelas operadoras de jogo, por isso quanto mais tempo mantivermos os casinos fechados [pior]. Além disso, o sector tem de pagar salários aos funcionários e rendas. Chegamos a uma altura em que o argumento económico tem de surgir, garantindo que as regras de segurança e de saúde são cumpridas. É importante olhar para o lado económico porque há muito investimento em Macau. Não posso dizer que a saúde está em segundo lugar, mas temos sempre de olhar para o início de uma recuperação. Como é que as operadoras de jogo vão levar essa recuperação a cabo? Que tipo de políticas vão implementar? Vão criar pacotes especiais para turistas, por exemplo? O mercado do turismo funciona de uma maneira muito agressiva, portanto assim que surgir o primeiro sinal [de regresso à normalidade], vão mudar as suas mensagens e as suas campanhas, porque o marketing pensado para os meses de Fevereiro e Março já não funciona. Têm de ter os seus corredores abertos para a China, com as suas medidas, para mantermos o mercado [a funcionar] e para que os clientes possam vir. Não tenho dúvidas de que o sector do jogo vai fazer este tipo de aproximação ao mercado e todos os resorts integrados no Cotai vão ser assertivos nas mensagens que vão transmitir, mas as mensagens têm de ser diferentes. O marketing será, sem dúvida, uma parte importante. No que diz respeito às Pequenas e Médias Empresas (PME), os casinos deveriam cooperar com elas, em prol de uma recuperação conjunta, além do apoio que já é dado pelo Governo? Alguns resorts integrados podem de facto ajudar porque facilmente precisam de fornecedores. Nos últimos anos têm procurado fornecedores locais para as suas actividades e isso pode agora ser reforçado. Os pequenos negócios têm sofrido com o problema das rendas e é um grande desafio para estas empresas nesta fase. Todas as PME que não são proprietárias dos imóveis que ocupam vão passar por enormes desafios, por terem de pagar rendas e salários. O Governo já concedia empréstimos sem juros, mas, ainda assim, é mais uma dívida. Sem dúvida que é necessário ter uma estratégia. A SARS gerou um problema semelhante, mas agora temos de ir mais além na ajuda às PME. Alguns negócios vão fechar portas, por isso quanto mais rápido agirmos, agora… como cidade internacional de turismo e de lazer temos de manter as PME. Esse é o meu maior receio. O Lisboa Palace, no Cotai, está ainda em construção. A Sociedade de Jogos de Macau vai estar numa situação mais complicada do que as restantes operadoras de jogo? A competição vai lá estar quando abrir. Quando olhamos para a distribuição do mercado vemos quem tem maiores e menores percentagens ano após ano. Quando abrir [o Lisboa Palace] estará num mercado muito competitivo. Não vejo a dinâmica a mudar com tudo o que está a acontecer e penso que quando abrirem apenas vão ter de participar na competitiva Strip do Cotai. No Cotai é mais difícil porque muitos clientes tornaram-se frequentes, e como se vai buscar de novo essa lealdade? É preciso apostar em novos mercados. O desafio é como se entra na competição aquando da abertura do empreendimento, mas não vejo uma grande mudança em termos de dinâmica. Teremos novos concursos públicos para a concessão de novas licenças. O Governo vai fazer algum tipo de alteração para dar resposta a esta crise? Penso que é algo em que vão pensar. Eu pensaria. Considerando o que aconteceu nos últimos tempos seria um factor a ter em consideração.