Norberto Rosa, secretário-geral da Associação Portuguesa de Bancos: Grande Baía “é mais uma oportunidade” 

Os dois protocolos assinados entre a Autoridade Monetária e Cambial de Macau, a Associação de Bancos de Macau e a Associação Portuguesa de Bancos têm sido divulgados junto da banca portuguesa e de expressão lusófona no sentido de fomentar investimentos. Norberto Rosa, secretário-geral da APB, diz que é importante a banca portuguesa diversificar parceiros, pensando também no Oriente, e que tanto o BNU como a sucursal do BCP em Macau foram importantes durante a última crise económica em Portugal

 

[dropcap]A[/dropcap] Associação Portuguesa de Bancos assinou dois protocolos, um com a Associação de Bancos de Macau e outro virado para a cooperação entre a China e os países de língua portuguesa. Na prática, o que tem sido feito nesse sentido?

Em 2018 tivemos uma reunião com a Autoridade Monetária e Cambial de Macau (AMCM) numa perspectiva de colaboração entre as autoridades portuguesas, a Associação Portuguesa de Bancos (APB) e a Associação de Bancos de Macau (ABM). Posteriormente tivemos uma reunião com a ABM que nos convidou a participar nesta iniciativa, no sentido de estabelecer um protocolo não só com a ABM, mas também com associações de bancos de países de expressão portuguesa. Tudo com esse objectivo de promover a participação entre a China e esses países, onde Macau serviria como plataforma. A partir daí divulgámos esse protocolo pelos bancos portugueses, porque depois, com base nesse documento, serão os bancos a proceder a uma articulação com as autoridades de Macau no sentido de desenvolver esse processo de cooperação.

Cabe então a cada entidade estabelecer essa ligação.

Sim. O que entendi desse processo foi que havia uma intenção do Governo de Macau e da China de promover a RAEM como uma plataforma a fim de estabelecer mais facilmente essa relação entre Portugal, os países de expressão portuguesa e a China. Há aqui uma dupla função no sentido de os bancos, mesmo através dos países de expressão portuguesa, se poderem articular de forma mais adequada com a China quer em processos de financiamento ou desenvolvimento desses países, quer na actividade comercial.

Há então uma aposta no financiamento de grandes projectos.

Sim. Tem duas vertentes. Por um lado, temos esse financiamento [no sentido de] poder haver investimentos cá em Portugal e em outros países de expressão portuguesa. Por outro lado, essa plataforma também poderá ajudar a que empresas que queiram ter relações comerciais com a China sejam apoiadas pelos bancos através desta plataforma. Poderá haver a possibilidade não só de fazer investimentos em actividades já existentes, adquirindo instituições ou empresas, como também de fazer novos investimentos. [Os protocolos] poderão facilitar essa articulação e aí os bancos podem vir a ter um papel importante no apoio às empresas portuguesas e às empresas chinesas que se queiram estabelecer em Portugal, nomeadamente através dos bancos de capital chinês que poderão facilitar essa actuação. Aí Macau poderá também ter um papel preponderante como o interface nesse processo.

Os vinte anos da transferência de Administração de Macau celebraram-se o ano passado. Esta aproximação no sector financeiro com Portugal deveria ter acontecido de forma mais visível ao longo dos anos, e não apenas recentemente?

Isto tem um momento histórico para acontecer. Portugal viveu também uma crise financeira bastante grande e está ainda num processo de recuperação. Esta abertura da China e de Portugal à entrada de capitais chineses foi uma alteração estrutural que aconteceu recentemente. Antes não havia uma grande participação de capital chinês em Portugal e isso veio aprofundar o relacionamento entre os dois países. Tem-se assistido, por outro lado, a um aumento significativo da estrutura do comércio externo português, em que a China é um mercado importante. Neste momento penso que todas essas tendências poderão ser potenciais com este apoio dos bancos e o apoio da RAEM. Qual é a vantagem? É que há ali uma melhor percepção e compreensão do comportamento de Portugal e, por outro lado, também percebem melhor o comportamento da China. Há aqui uma facilidade de entendimento.

Numa intervenção que fez em Macau falou de uma maior estabilidade do sector bancário na zona Euro depois dessa crise. É importante ter alternativas por parte dos bancos face aos desafios que a zona Euro comporta? A China deve fazer parte da alternativa?

É sempre importante alguma diversificação. No caso concreto das instituições em Macau, como o BNU e a sucursal do BCP, o [seu] papel foi importante no período de crise em que os bancos passaram por dificuldades. Isto porque [esses dois bancos] continuaram a contribuir para resultados positivos e para a liquidez das instituições financeiras portuguesas quando elas passaram por dificuldades de liquidez. [Essa presença] amenizou, [os bancos] não tinham a dimensão suficiente para impedir que houvesse uma crise, mas amenizou de alguma forma. Ter uma maior diversidade geográfica é importante para mitigar os riscos. Ou seja, uma vez que estamos na Europa onde existem dificuldades estruturais, que se prendem com o facto de estarmos com taxas de juro de referência do BCE negativas, de termos um sistema bancário maduro, com pouca capacidade de crescimento, o facto de existir alguma diversidade mitiga os riscos do sistema bancário nacional, apesar da melhoria que se registou nos últimos anos. A situação dos bancos está hoje muito melhor do que estava há dois ou três anos, mas há ainda problemas estruturais.

O sector bancário português deve estar atento ao projecto da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau?

É mais uma oportunidade de negócios. Pelo que entendi da apresentação do projecto da Grande Baía estamos a falar de um projecto megalómano no sentido de ter uma grande dimensão, e poderão haver aqui outras oportunidades de negócios fundamentalmente em determinadas áreas industriais portuguesas, nomeadamente da construção, onde os bancos poderão apoiar essas empresas a participarem nesse grande projecto. Em Portugal é um assunto pouco conhecido. Havendo uma maior publicidade, penso que esse projecto teria vantagens e oportunidades para outros sectores que não apenas o financeiro. Mas os bancos que já têm presença em Macau poderão apoiar essas empresas que queiram participar na Grande Baía.

Como olha para a presença do BNU em Macau? Surpreende-o este desenvolvimento do banco ao longo dos anos?

O BNU tem de ser visto de uma perspectiva quase institucional, quase como o representante de Portugal e mais do que uma instituição em particular. O BNU foi criado como um banco emissor com actividade comercial e está em Macau desde 1902 e foi sempre banco emissor com maior autonomia a partir dos anos 80. O relacionamento com a AMCM e a China foi sempre bom. O banco continua a ter grande prestígio e o facto de ser banco emissor continua a ter essa importância. Esse reconhecimento foi feito pela China quando prorrogou o prazo para continuar a ser o banco emissor. A China tem reconhecido, e a RAEM tem continuado a reconhecer o BNU como uma entidade que contribui para o desenvolvimento da região, uma entidade com prestígio. Esta evolução do BNU não é surpresa.

Macau está a passar por uma fase de mudanças no seu sector financeiro, com o fim do regime offshore, por exemplo. Fala-se também na criação de uma bolsa de valores mais virada para o mercado dos países de língua portuguesa. É uma outra oportunidade para o sector bancário?

O projecto da bolsa de valores] está articulado com a possibilidade dos próprios países de expressão portuguesa usarem mais o renmimbi. Estive em Macau na altura em que houve a emissão dos panda bonds. A criação de uma bolsa de valores poderá estar mais associada a esse tipo de entidades que tenham uma maior ligação entre a China e os países de expressão portuguesa. No futuro, algumas empresas poderiam usar a bolsa de valores até para se financiarem se tiverem uma actividade importante na China. Há aqui uma questão importante. A China caracteriza-se por ter um excesso de poupança e de liquidez, e portanto, o facto de [Macau] ter uma bolsa de valores é outra alternativa para investimentos. De alguma maneira isso poderá ser a forma de algumas empresas terem uma ligação mais intíma com a China em termos comerciais. As empresas poderão também ter vantagens em ter algum capital ou financiamento através de uma bolsa de valores em Macau, mas isso só o futuro o dirá. Mas compreendo que haja essa intenção de tornar Macau numa perspectiva mais alargada em termos de actividade, ou seja, tornar o território num centro financeiro com várias vertentes.

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Jorge
3 Abr 2020 20:20

Mais um rapazinho a fazer o jogo da RPC para colonizar o mundo!