Competição Internacional | Quando o cinema local abre as portas do mundo

No primeiro dia do Festival Internacional de Cinema de Macau (IFFAM na sigla inglesa) Mike Goodridge fez as honras da apresentação formal do júri da competição internacional do Festival, presidido pelo aclamado realizador de Hong Kong, Peter Chan. Diversos nas suas opiniões, o júri destacou a “primavera” do cinema asiático, a importância da genuinidade local e da forma como o cinema pode vir a encarar um futuro destinado aos “pequenos ecrãs”

 

[dropcap]P[/dropcap]ara conseguirmos fazer um filme excepcional, mais importante do que ouvir a nossa própria voz, é ouvir uma voz especial, uma voz que seja diferente das outras nesta indústria e estar atento às gerações mais novas”, as palavras são de Peter Chan, Presidente do júri dedicado à competição internacional do IFFAM e que terá a árdua tarefa de eleger aquele que será o vencedor, de entre os 10 filmes em concurso.

Tendo a sua obra sido rotulada inúmeras vezes de “ocidentalizada”, Peter Chan diz ter tido a sorte de ter vivido de perto a fase mais desafiante e interessante do cinema feito em Hollywood, que o inspirou irremediavelmente durante a década de 70. O realizador diz continuar a transportar essa mesma sensação, mas agora relativamente ao cinema feito na China, para o qual se encontra a trabalhar, mas também um pouco por toda a Ásia, onde cada vez mais obras começam a ganhar um lugar de destaque.

“A China é um novo horizonte e uma nova indústria onde tudo é possível. Vivemos tempos muito interessantes na Ásia e em diferentes partes da Ásia. Existem realizadores coreanos, tailandeses, indonésios. Achei o filme indonésio que vi esta manhã muito interessante, o que é uma coisa completamente nova para mim. Sinceramente, acho que o mundo se está a tornar cada vez mais interessante”, partilhou Peter Chan.

Relativamente a “Better Days”, filme realizado por  Kwok Cheung Tsang, a concurso no IFFAM, mas na competição dedicada ao Novo Cinema Chinês, o presidente do painel do júri considerou que “apesar de ser comercial, é um daqueles filmes que nos têm de dar esperança acerca da China e da censura no cinema.”

“Este filme para mim foi um processo muito difícil. No interior da China é preciso passar muito tempo para ultrapassar a censura, e isto demorou mais de um ano. Mas depois, apesar de não termos grandes expectativas quando lançámos este filme, os números da venda de bilhetes ascenderam aos 250 milhões de dólares no final, o que é bom em qualquer parte do mundo”, explicou Peter Chan.

Também Midi Z, actor e realizador nascido no Myanmar, mostrou optimismo acerca do processo e deixou um conselho para os realizadores em início de carreira.

“Acho que os jovens realizadores não devem impor limites a si próprios em termos do que é um filme e o que é o cinema. Eu faço documentários, ficção e curtas metragens e para mim não há qualquer diferença. Devemos deixar a imaginação entrar nos nossos filmes”.

Eco global

“Gosto muito da ideia de fazer um filme a partir da vontade de contar algo muito genuíno, que se relaciona com o contexto e com as vivências de uma forma directa com o público local, mas que, ao mesmo tempo, é algo tão universal que pode ser partilhado em qualquer lugar do mundo”, disse Dian Sastrowardoyo, actriz e produtora originária da Indonésia que diz estar orgulhosa do filme da Competição Internacional, “Homecoming”, realizado pelo seu conterrâneo Adriyanto Dewo.

Sobre “Homecoming”, Dian Sastrowardoyo mostrou um “orgulho enorme” por ver um filme 100 por cento feito na Indonésia, no IFFAM e destacou a capacidade que a obra tem de abordar “temas locais e histórias com um background claramente indonésio”, como o papel das mulheres na sociedade e em casa ou as diferenças existentes entre classes sociais, já que a obra coloca frente a frente duas realidades muito diferentes neste aspecto. “Acho que passa uma mensagem comum, não só na Indonésia, mas também a uma escala mundial”, explicou. “Acho que o grande desafio para todos agora, é como é que podemos realizar filmes que tenham simultâneamente características locais e globais”, rematou Dian Sastrowardoyo.

Já no seu breve papel como realizadora, Dian Sastrowardoyo, apontou a importância de utilizar o cinema para promover uma mensagem social importante, ao mesmo tempo que consegue cativar o público e levá-lo a identificar-se com as personagens.

“Fizemos um filme histórico que fala sobre o sistema de ensino na Indonésia, mas que contém também vários elementos de comédia e isto acontece porque se tivéssemos realizado o filme de forma demasiado séria, o mais certo era não chegarmos à audiência relativamente às questões políticas que queríamos abordar”, explicou.

Reiterando que “não é possível dizer se um filme está certo ou se está errado, pois todos os têm diferentes características”, Peter Chan lembrou a propósito do tema, que um filme que pode parecer uma comédia, pode perfeitamente apresentar um tema social ao público.

“Temos de ter filmes de hollywood mas também outro tipo de filmes para que o público possa ter acesso a diferentes conteúdos. Filmes que façam o público rir ou chorar, mas que permitam perceber o que está a acontecer na sociedade e estabelecer pontes com os acontecimentos que estão na ordem do dia”, explicou.

Cinema de bolso?

Outro dos temas em debate entre o júri da competição internacional foi o futuro esperado para o cinema enquanto meio, que enfrenta hoje o desafio de se adaptar a uma era digital cada vez mais dominada por pequenos e poderosos ecrãs, capazes de alojar plataformas de streaming como a Netflix.

Pegando no exemplo de “O Irlandês”, filme de Martin Scorsece que estreou em exclusivo naquela plataforma, o actor e produtor Tom Cullen vincou que o benefício da passagem para o pequeno ecrã é que “permite que os conteúdos cheguem a audiências que de outra forma ficariam excluídas. Por exemplo, onde eu cresci, existia apenas uma sala de cinema e ficava a uma hora de distância de carro”, argumentou.

O actor, conhecido pelo papel de Anthony Gillingham em Downtown Abbey, frisou ainda que os produtores e realizadores “têm sabido adaptar-se às mudanças produzidas pelas novas tecnologias”, procurando ser mais específicos dado que agora a audiência pode ser o próprio mundo.

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