Evocação

… Não te aconselhes com loucos porque não sabem guardar segredo
BEN-SIRA- versículo 17- capítulo 8

 

[dropcap]S[/dropcap]erá certamente um erro grosseiro o elo permanente com a narrativa alheia devido a tanto ditirambo, razões soltas (ao invés de um conjunto de factos que permita a justa visão) delírios interpretativos, e ainda a mordaça que desestabiliza a forma de olhar correctamente para as coisas, criando a dessacralização do que deve ficar entre pares. Ter direito aos segredos é um exercício de empatia que configura saúde e satisfação para as partes intervenientes que assim recriam uma brecha de paraíso inexpugnável.

Evoquemos as naturezas obreiras que se satisfazem nos labores e se dão bem no seu secreto sigilo sem que para tanto necessitem do que de fora vem como justificação para sê-lo, quando isso corre bem, o mundo anda melhor, e quando os grupos sigilosos são grandes perde-se tal eficácia: os loucos o que são, afinal? Os que escusam a interpretação, os devoradores das realidades alheias que no vazio de uma vida insana são arautos de todas as formas de comunicação desregulada e fazem assim realidade a partir de dispositivos falaciosos e surpreendentemente alterados.

A confiança é a base da Obra, onde ela não estiver pode haver retrocessos que são nocivos para todos, pois que muitos padecem do confiar como medida de eleição para fazer, e sempre que se deixa entrar essa cicatriz reducionista perdem os seres o vínculo de uma eleição. Não somos feitos de transparências, não nos inoculamos nas fímbrias de uma consciência maior, que é o ter deixado esta mesma consciência onde nada acontece de inovador a não ser a circunstância que a produz, que não sendo também ela inovadora, apenas nos parece nova pela diferença de contexto. Não somos ainda o rio de Heraclito, e destas águas se faz o hábito de se continuar louco.

Os seres intermediários nem sempre se encontram junto a nós, e as nossas virtudes não chegam para amparo nas ondulosas vagas da caminhada, por isso, o dom da evocação deve saber estar presente quando queremos dar livre curso a essa arbitrariedade de que somos possuidores; talvez um mantra, uma oração, uma chamada, aligeire a nociva tendência para o naufrágio em série. Que toda a palavra é feita para criar um campo vibratório que se transforma em realidade, por isso, ela deve ser, não só a factualidade encontrada, como o comando imperativo da nossa vontade. Se o mundo fosse telepático, a linguagem não sonora retrataria ainda assim uma outra, que se faria entender num glossário alfabético de maior fascinação, impedindo a cadeia do desastre e repondo níveis de desordem com mais celeridade. Mas as Vozes estão sempre presentes na ressonância das ondas cerebrais de cada um. Do Deus manifestado ao audível vai uma marcha tão grande que se suspeita até nem ser o mesmo, do criado ao não gerado vai um abismo…

A procura da energia da Criação não será a nossa barca de Caronte que só admitia nela quem lhe pagasse a passagem, nem se deseja ir ali com aqueles órfãos todos em modelo sombra – se na outra margem ainda os mandarem embora… – Por isso, evoquemos os mantras da libertação.

Parece não haver mesmo nada de novo nas águas… e debaixo do céu também não. Lá navegam os que fogem e se metem de Inferno para Inferno em condições que fazem as trevas chorar.

Levantam-se outras, que dizem: não passarão! As portas dos “paraísos” estão guardadas com seus anéis de fogo, e neste deambular as medidas tardam e nada se esclarece de muito mais a não ser o sabermos que os mitos têm razão e sabem falar de nós como se fôramos um programa tal, que nos abismamos.

O impulso ficcionista por vezes impede a objetividade, e se não for tudo isto ficcional, então como chamar a uma armadilha que anda à solta fazendo-se passar por dinâmica tentativa de criar soluções? – Repete uma palavra cem vezes-! Depois, espera pela resposta que escutarás como um chamamento em forma de código, segreda-o a quem amas e não a discutas mais. Os segredos são grandes fórmulas sagradas e sem eles ficamos frágeis, mas nada em ti te impeça de agir, dizendo aquilo que a falta de coragem dos que apenas falam não consegue pronunciar.

No meio disto saberemos que o sacrifício dos mais nobres é fonte a que sempre, em nossa incompletude, retornaremos.

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