PR/China | Visita “curta” de Marcelo traduz prioridade diplomática com Pequim

Analistas ouvidos pela Lusa defenderam que a duração da visita do Presidente português a Macau, uma etapa de 24 horas num programa de seis dias na China, traduz a prioridade que a diplomacia nacional dá a Pequim

 

[dropcap]A[/dropcap] China é demasiado grande e rica para se insistir em Macau como porta de entrada na China, procuraram resumir dois analistas em declarações à agência Lusa. “Há uma grande expectativa, (…) mas a estadia é tão curta…”, concluiu a presidente do Conselho Regional do Conselho das Comunidades Portuguesas da Ásia e Oceânia, Rita Santos.

“Nos dez anos após a transição houve uma aposta dos vários governos, dos vários ministros dos Negócios Estrangeiros na relação com Macau. Agora percebeu-se, finalmente, que as relações têm que ser Estado a Estado, que Pequim é a capital da China, que é por lá que passam as principais decisões, que é por lá que tem que haver um maior ‘interface’ dos países que querem ter uma relação próxima com a China”, sustentou o presidente do Fórum Luso-Asiático, Arnaldo Gonçalves, em declarações à agência Lusa. “Macau é simbólico, tem esse papel de portal, de intermediação, entre Portugal e a China, mas é um país demasiado grande e demasiado importante para continuarmos a insistir que Macau é a única porta aberta para a China”, acrescentou Arnaldo Gonçalves, doutorado em Ciência Política.

“Considera-se que as relações de Portugal com a China são uma prioridade, são mais vastas, têm outra perspectiva, outro envolvimento das empresas e empresários portugueses no país que não tem existido em Macau”, pelo que “o Presidente [Marcelo Rebelo de Sousa] faz uma aposta correta” na divisão do tempo da visita que começa a 26 de Abril e termina a 1 de Maio, opinou o antigo assessor dos ex-governadores de Macau Carlos Melancia e Rocha Vieira.

Questões consulares

Já o presidente do Instituto de Estudos Europeus de Macau valorizou o papel de Macau, mas também expressou a sua convicção de que cada vez mais as relações diplomáticas entre Lisboa e Pequim exigem um outro foco. “Claro que Macau é um elemento importante, historicamente relevante nessas relações, mas hoje em dia, é bom sublinhar isso, as relações de Portugal com a China não se limitam a Macau, são muito mais ricas e complexas”, explicou José Sales Marques.

Daí que “a visita de Estado seja feita, obviamente, tendo em conta as relações bilaterais entre Lisboa e Pequim” e que, “devido a limitações de tempo, à duração da própria visita, se compreenda que a passagem [pelo território] seja relativamente curta”, justificou aquele que é também professor de Ciência Política e Relações Internacionais do Instituto Politécnico de Macau.

A presidente do Conselho Regional do Conselho das Comunidades Portuguesas da Ásia e Oceania lamentou que a duração da visita de Marcelo Rebelo de Sousa em Macau seja “tão curta”.

“Infelizmente a visita é de apenas um dia que talvez nem tenha oportunidade para se encontrar com as associações de matriz portuguesa, ouvir as suas opiniões e problemas”, afirmou Rita Santos à Lusa.

A conselheira, responsável pelo Círculo China, Macau e Hong Kong, sustentou que Macau é essencial no desenvolvimento das relações entre China e Portugal. “A China está a incentivar a importação de géneros alimentícios do exterior e Portugal possui vastos produtos que ainda não entraram no mercado chinês”, exemplificou, destacando entraves como a taxação sobre o vinho e as inspecções fitossanitárias que têm impacto na exportação de produtos como o presunto e a fruta.

Para Rita Santos, o período de passagem por Macau é reduzido para abordar temas como a necessidade “urgente de aumentar o número de pessoal do Consulado-Geral de Portugal [em Macau e Hong Kong]”, bem como os seus salários, e de alterar a sua situação fiscal.

A conselheira criticou ainda os atrasos na renovação de documentos como o passaporte e o cartão de cidadão, sublinhando que “todos os portugueses devem ser tratados com os mesmos direitos e igualdade, independentemente do seu país de acolhimento”.

Na Muralha

A visita do Presidente da República portuguesa começa simbolicamente na Grande Muralha, durante a qual será recebido por Xi Jinping.

Segundo uma nota divulgada pela Presidência da República, Marcelo Rebelo de Sousa será recebido em Pequim pelo primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, e pelo Presidente da República Popular da China, Xi Jinping. Da capital chinesa, seguirá para Xangai e para a Região Administrativa Especial de Macau, onde se reunirá com as máximas autoridades locais. “Terá ainda a oportunidade de contactar com os responsáveis pelo actual dinamismo do relacionamento bilateral, nomeadamente agentes culturais, desportistas, empresários e investidores, bem como de visitar vários dos locais que ilustram a riqueza da cultura chinesa e a longa relação com Portugal”, refere a Presidência da República, na mesma nota.

A Grande Muralha da China, ao norte de Pequim, visitada por inúmeros líderes mundiais, será o primeiro lugar a que Marcelo Rebelo de Sousa se deslocará, no dia da chegada, sexta-feira, antes de participar no fórum “Faixa e Rota”, e a sua visita de Estado terá início no domingo, adiantou à Lusa fonte de Belém.

Da parte do Governo, deverá ser acompanhado pelos ministros dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, e pelo secretário de Estado da Internacionalização, Eurico Brilhante Dias.

Aquando da visita de Xi Jinping a Portugal, o Presidente português considerou que a sua deslocação à China, “correspondendo a convite acabado de formular” por Xi Jinping, e “a assinatura de um memorando de entendimento” sobre a iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota” simbolizam a parceria entre os dois Estados.

“Simbolizam bem a parceria que desejamos continuar a construir, com diálogo político regular e contínuo, a pensar no muito que nos une”, afirmou Marcelo Rebelo de Sousa, em declarações conjuntas com o Presidente chinês aos jornalistas, sem direito a perguntas.

Sobre a cooperação económica e financeira entre a China e Portugal, o chefe de Estado português descreveu-a como “forte”, acrescentando: “E queremos que seja sustentável e duradoura no futuro”.

Seguir a faixa

Portugal é, até à data, um dos poucos países da União Europeia a apoiar formalmente o projecto “Uma Faixa, Uma Rota”. As autoridades portuguesas querem incluir uma rota atlântica no projecto, o que permitiria ao porto de Sines ligar as rotas do Extremo Oriente ao Oceano Atlântico, beneficiando do alargamento do canal do Panamá.

Num comunicado enviado à agência Lusa esta semana, o Governo chinês reconhece a posição “muito relevante” de Portugal no extremo oeste da Eurásia, e agradece a adesão de Lisboa. “Portugal é um dos primeiros países da Europa ocidental a assinarem um documento de cooperação neste âmbito”, realça.

Contudo, a nova vocação internacionalista de Pequim suscitou já divergências com as potências ocidentais, que veem uma nova ordem mundial ser moldada por um rival estratégico, com um sistema político e de valores profundamente diferente. No mês passado, Bruxelas produziu um documento que classifica Pequim como um “adversário sistémico”, que “promove modelos alternativos de governação”, e apelou a acções conjuntas para lidar com os desafios tecnológicos e económicos colocados pela China.

Washington alerta que os planos chineses subverterão a actual ordem internacional e alargarão a esfera de influência de Pequim – os países aderentes tornar-se-ão Estados vassalos, reféns do crédito chinês, permitindo à China exportar o seu excesso de capacidade industrial ou poluição.

Mas, no espaço de uma década, enquanto as economias desenvolvidas estagnaram, o país asiático construiu a maior rede ferroviária de alta velocidade do mundo, mais de oitenta aeroportos e dezenas de cidades de raiz, alargando a classe média chinesa em centenas de milhões de pessoas.

Para o embaixador português em Pequim, José Augusto Duarte, é “natural” que, a acompanhar este desenvolvimento, Pequim assuma o desejo de estar no centro da governação dos assuntos globais e competir nos sectores de alto valor agregado. “É normal”, diz. “Anormal seria que a segunda maior economia do mundo não reclamasse um maior papel na cena internacional”, afirma.

Rota presidencial

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, chega a Macau a 30 de Abril, depois de fazer também uma passagem por Xangai. Em Macau, a 1 de Maio, Marcelo Rebelo de Sousa irá encontrar-se com o Chefe do Executivo, Chui Sai On, informaram no sábado as autoridades do território.

Antes, entre 26 e 27 de Abril, em Pequim, o Presidente da República irá participar no segundo Fórum “Uma Faixa, Uma Rota”. O fórum irá contar com a participação de 37 chefes de Estado ou de Governo, incluindo Chui Sai On, anunciou na sexta-feira o ministro dos Negócios Estrangeiros chinês, Wang Yi.

Mais tarde, entre 11 e 19 de Maio, será Chui Sai On a realizar uma visita oficial a Portugal, que prevê reuniões com o Presidente da República e o primeiro-ministro, António Costa.

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