A rapsódia da “Grande Baía”

[dropcap]U[/dropcap]m soldado que não quer ser general, não é um bom soldado. De igual modo, um povo que não tem aspirações, não pode ser pioneiro de reformas.

As “Linhas Gerais do Planeamento para o Desenvolvimento da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau” foram lançadas a 18 de Fevereiro de 2019. O novo papel de Macau nas Linhas Gerais do Planeamento é tornar-se “uma base de intercâmbio e cooperação que, tendo a cultura chinesa como predominante, promova a coexistência de diversas culturas”. Este papel deve coexistir com a sua condição de Centro Mundial de Turismo e Lazer e de Plataforma de Serviços para a Cooperação Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa.

Cada local tem o seu contexto histórico e as suas características ambientais. Macau é a mais pequena das nove cidades e das duas regiões adminstrativas especiais abrangidas pela Grande Baía. Macau também tem a maior densidade populacional e o maior número de carros em circulação. Para ser um verdadeiro Centro Mundial de Turismo e Lazer, Macau precisa, em primeiro lugar, de resolver o problema criado pelo afluxo de turistas, num número que excede largamente a sua capacidade de acolhimento. Quando uma cidade deixa de ser habitável, incapaz de proporcionar emprego e de acolher o turismo em boas condições, muito dificilmente pode ser considerada um centro de lazer. Para que isto volte a ser possível, a cidade terá de reencontrar o espaço necessário para a circulação de transportes e de tráfico rodoviário, e de reduzir o afluxo de turistas para um número comportável. Quanto à sua condição de Plataforma de Serviços para a Cooperação Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa, parece que o que está em jogo é mais a questão política do que propriamente a questão económica. Enquanto catalizador da cooperação comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa, se se limitar a organizar o Encontro de Empresários para a Cooperação Económica e Comercial da China e os Países de Língua Portuguesa, esse papel não se cumprirá. Se analisarmos a quantidade de pessoas que, actualmente, falam as duas línguas em Macau, verificaremos este número precisa de aumentar urgentemente. É também necessário melhorar o domínio do português junto daqueles que já o falam. Embora o português seja uma das línguas oficiais de Macau, o seu ensino não está tão disseminado como o do inglês, ao nível do ensino não superior. Uma das formas mais eficazes de popularizar o seu uso, será torná-lo objecto de estudo obrigatório ao nível ensino não superior.

 

No Planeamento para o Desenvolvimento da Grande Baía, propõe-se que o foco na inovação em ciência e tecnologia seja uma priopridade, que é precisamente uma área em que Macau tem estado a ficar para trás. A realidade actual de Macau passa pela existência de muitas associações e comités, que acarretam inúmeras despesas sem produzirem resultados palpáveis. Nos últimos 20 anos, após a transferência de soberania, além da singular prosperidade da indústria do jogo, a realidade é que existe muito pouco investimento na área da inovação em ciência e tecnologia. O projecto de transformar Macau numa cidade inteligente está ainda numa fase embrionária. Para que se venha a tornar num verdadeiro motor do Desenvolvimento da Grande Baía, Macau tem de apostar nos seus pontos fortes, manter-se afastado das áreas em que não apresenta competências e dedicar-se de forma empenhada e competente à área do turismo e do lazer. Terá de maximizar as suas vantagens únicas, criadas pela indústria do jogo, e melhorar a imagem e as capacidades da cidade, de forma a desenvolver a qualidade da sua oferta turística. Só desta forma poderá acompanhar o ritmo de desenvolvimento de Guangzhou, Shenzhen e de Hong Kong.

 

Para que o plano de desenvolvimento de uma cidade parta da sua própria iniciativa, e não de iniciativas alheias, é necessário que tenha vontade e poder de concretização. Se o plano não puder ser implementado com a força de trabalho local, mas implicar a contratação de especialistas estrangeiros, significa que não foi concebido pela própria cidade. Dos 660.000 habitantes de Macau, mais de 180.000 são estrangeiros não residentes. Esta população não residente criou problemas de acessibilidade, de habitação e de transportes. Estes problemas mostram que Macau está a passar por um processo de desenvolvimento que não é saudável. A prioridade deveria ser apostar no desenvolvimento do capital humano local e não na sua importação, para que Macau possa vir a ser “uma base de intercâmbio e cooperação que, tendo a cultura chinesa como a predominante, promova a coexistência de diversas culturas”.

 

Analisando a parte do Planeamento para o Desenvolvimento da Grande Baía, que se refere à colaboração entre Macau e Zhuhai, em relação a Hengqin, ficamos com a ideia que pode vir a constituir um motivo de preocupação para as gentes de Macau. Para Macau poder encontrar uma solução para o problema da sua elevada densidade populacional, tem de maximizar a oportunidade de colaboração com Zhuhai no desenvolvimento de Hengqin. Através do Planeamento para o Desenvolvimento da Grande Baía, Macau pode tornar Hengqin numa nova área residencial para os seus habitantes. A legislação para governar esta nova área deverá ser apresentada em conjunto pelos Executivos de Zhuhai e de Macau e posteriormente submetida à aprovação do Governo Central. A ideia é transformar a Nova Área de Hengqin numa região especial partilhada por Zhuhai e por Macau. Deng Xiaoping disse que devemos ser ousados e rápidos na acção, quando se trata de implementar reformas. Transformar a Nova Área de Hengqin num distrito satélite de Macau será, para a cidade, a principal mais valia do projecto contido no Planeamento para o Desenvolvimento da Grande Baía.

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