Arquitectos expressam apoio a hotéis em edifícios classificados

Carlos Marreiros e Francisco Vizeu Pinheiro defendem que Macau sairia a ganhar com a conversão de mais edifícios classificados em hotéis. Uma “prática corrente” em todo o mundo que, para os dois arquitectos, permitiria dar “nova vida” ao património

 

[dropcap]A[/dropcap]possibilidade de edifícios classificados como património acolherem hotéis já existia, como atesta, por exemplo, a Pousada de S. Tiago, mas ganhou novo fôlego com a apresentação da proposta de lei da actividade dos estabelecimentos hoteleiros que, entre os pontos principais, destacou o facto de o diploma o permitir, desde que reunidos requisitos, como o parecer vinculativo do Instituto Cultural (IC).

Em declarações ao HM, Carlos Marreiros e Francisco Vizeu Pinheiro não têm dúvidas de que Macau sairia a ganhar, como prova a experiência um pouco por todo o mundo. “É uma prática mundial e foi, de resto, fortemente recomendada pela PATA [Associação de Turismo da Ásia-Pacífico]”, apontou Carlos Marreiros.

“Quem me dera que edifícios classificados fossem reabilitados tendo em vista a integrar hotéis de qualidade, respeitando naturalmente a pré-existência patrimonial, bem como a legislação sobre o património”, complementou. “Teria muito gosto em fazer” um projecto, afirmou.

“Esta é uma possibilidade feita em muitos outros países. Pode ser até uma oportunidade para revitalizar [esses edifícios], dar-lhes vida”, subscreveu Francisco Vizeu Pinheiro, dando o exemplo da Blue Mansion, em Penang, na Malásia, antiga casa de um mandarim transformada num hotel boutique. “Há, de facto, em Macau, edifícios classificados que podem abarcar esse tipo de instalações”, salientou.

Dado que “a tendência em Macau é fazer hotéis de grande envergadura, o que “torna mais complicado integrá-los em edifícios classificados”, Carlos Marreiros propõe, por exemplo, “a utilização de edifícios patrimoniais para as zonas sociais do hotel, como recepção, restaurantes, biblioteca ou zonas de estar” e “a construção de um edifício integrado, sempre respeitando o espírito e a letra da lei [sobre o património]”. “Que bom seria se assim fosse”, afirmou.

“Se for monumento não se podem alterar os interiores, mas os edifícios de interesse patrimonial e, mesmo nos classificados, pode preservar-se integralmente a peça patrimonial e desenvolver nas suas adjacências”, observou Carlos Marreiros.

Sem receios

A possibilidade de haver uma vaga de projectos para o efeito, dado que os terrenos escasseiam não preocupa Carlos Marreiros: “Ficaria cheio de alegria se o património fosse bem utilizado para instalações hoteleiras. Não só não receio, como apoio e até exalto”. Para o arquitecto, seria uma oportunidade não só para vitalizar o património e torná-lo vistoso, como podia ser uma “alternativa interessante” para os turistas. “Quem não vem para os hotéis de luxo e vai para [unidades] economicamente aceitáveis, portanto, mais modestas, fica sempre muito desiludido porque a oferta é de péssima qualidade” e deixa “más recordações”, apontou. “Não faz sentido que Macau tenha edifícios patrimoniais de cinco estrelas. Podem albergar hotéis com qualidade apenas ligeiramente inferior”, concretizou Carlos Marreiros.

A possibilidade de existirem mais edifícios classificados a acolherem hotéis também não traz preocupações de maior relativamente à preservação, dado que, para ambos os arquitectos, o princípio ‘número um’ assenta no respeito pelo património. No entanto, como sustentou Francisco Vizeu Pinheiro, “cada caso é um caso e depende do tipo de projecto”. “O projecto tem de respeitar o máximo possível o ‘layout’, a planta, a forma e função do edifício”, complementou.

Ideias à solta

Dado que os imóveis classificados que acolhem ou acolheram hotéis (como a Pousada de S. Tiago e o Bela Vista) têm traça portuguesa, Carlos Marreiros não esconde que “ficaria muito feliz em ver uma unidade hoteleira integrada numa arquitectura patrimonial de traça estritamente chinesa”, avançando mesmo com ideias. “Um sítio que dava um hotel de grande qualidade era o Templo de Kun Iam Tong – onde estão a construir coisas ilegais – preservando todo o arvoredo, porque há terrenos ali”, exemplificou o arquitecto que, no passado, a par com Francisco Figueira, chegou a imaginar um hotel pousada na Fortaleza do Monte.

O próprio Governo aventou, em 2007, a possibilidade de construir um hotel-boutique nas imediações da Casa do Mandarim, à semelhança de outro projecto do género (Pousada de Mong-Há), mas o plano nunca avançou. “Essa era uma hipótese que teria melhor correspondência com a versão original do edifício e que, por outro lado, permitia manter vivas zonas com funções anteriores, como salas de jantar ou quartos”, realçou.

Para o arquitecto, uma hipótese interessante seria, por exemplo, a casa amarela no Largo do Lilau que figura como “uma das poucas de arquitectura higienista”: “É um edifício com características únicas em Macau, que tem as zonas da cozinha e serventes separadas da casa principal por ponte e que podia ser utilizado como hotel”. Francisco Vizeu Pinheiro referiu ainda duas mansões, do princípio do século XX, localizadas perto do Albergue, que estão a ser utilizadas para escritórios do IC, e até o próprio edifício do Conservatório de Música, igualmente no bairro de S. Lázaro, entre outros bens imóveis, nem todos classificados como património.

Aliás, para o arquitecto, quartéis como o de S. Francisco podiam também ser adaptados, a par com outros edifícios que acolhem serviços governamentais, para fins culturais e turísticos. “Macau ganhava bastante em abrir mais edifícios ao público. Não necessariamente para hotéis, mas para várias funções, porque são edifícios grandes, com capacidade para o efeito”, argumentou.

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