China / ÁsiaChina | ONG defende mudanças estruturais no principal sindicato do país Andreia Sofia Silva - 4 Dez 2018 O mais recente relatório da organização não governamental China Labour Bulletin defende mudanças estruturais na Federação dos Sindicatos da China, para que haja uma defesa efectiva dos direitos dos trabalhadores. O documento destaca o surgimento de acções colectivas independentes entre 2015 e 2017, com um papel mais bem sucedido junto do patronato [dropcap]D[/dropcap]efendem os interesses dos dirigentes e não conseguiram responder às expectativas de mudança exigidas pelo Partido Comunista Chinês (PCC). É assim o cenário traçado pela organização não governamental China Labour Bulletin (CLB) relativamente à acção do único sindicato da China, a Federação dos Sindicatos da China (ACFTU, na sigla inglesa), o maior sindicato do mundo. A conclusão consta do mais recente relatório da ONG de Hong Kong, que analisou as acções colectivas ocorridas na China entre 2015 e 2017. O documento fala de uma mudança de panorama em termos de organização dos trabalhadores como consequência da evolução económica, que trouxe consigo a falência de muitas fábricas ligadas a ramos mais tradicionais da economia. Na sequência das falhas de representatividade da ACFTU, os trabalhadores começaram a organizar-se de forma independente, a recorrer à internet e a serem bem sucedidos nas negociações colectivas com o patronato, escreve a ONG. “Os dados revelam que há falta de um mecanismo de negociação colectiva, verificando-se a ausência de um sindicato efectivo de ligação às empresas. Tal significa que os trabalhadores não tiveram outra opção se não organizar greves e protestos quando os seus direitos fundamentais foram violados, tal como o não pagamento a tempo e horas, o acesso a segurança social e o pagamento de indemnizações em caso de despedimento, entre outros.” O relatório faz uma análise aos 6694 casos ocorridos no triénio em análise, e que demonstraram, aos olhos dos dirigentes do CLB, que foi criado um novo modelo sindical que pode servir de base ao funcionamento que o ACFTU deveria ter. “As organizações laborais da sociedade civil demonstraram em inúmeras ocasiões ter capacidade para formar trabalhadores para eleger e proteger representantes nas acções de negociação colectiva, bem como iniciar essas acções a nível empresarial. Apesar de não terem a capacidade organizacional de um sindicato, estas organizações conseguiram resolver de forma bem sucedida disputas e mostraram a um nível básico como um sindicato deve funcionar.” Nesse sentido, lê-se no relatório, “eles providenciaram ao ACFTU um modelo que mostra como deve ser criado um sistema de negociação colectiva e elevaram esse modelo para um nível empresarial”. Da fábrica aos serviços Na década de 1980, influenciado pelo processo de reforma e abertura económica levado a cabo por Deng Xiaoping, o grosso das indústrias fixou-se no sul da China, tendo a província de Guangdong um grande historial de acções de trabalhadores. Contudo, o CLB nota que o crescente progresso económico no país trouxe também mudança, uma vez que há cada vez mais trabalhadores na área dos bens e serviços. Além disso, os movimentos laborais chegaram a todas as províncias chinesas. “Os protestos dos trabalhadores, que antes se concentravam na zona do Delta do Rio das Pérolas, diversificaram-se e espalharam-se por todo o país. A província de Henan, por exemplo, registou o maior número de protestos na região nas áreas da construção, transportes e retalho no período de três anos.” Além dessa expansão dos movimentos colectivos, houve também uma “normalização” de acções. “Com o contínuo ajustamento estrutural da economia chinesa, as indústrias tradicionais da extracção mineira, ferro, aço e manufacturas entraram em declínio enquanto que as novas indústrias de serviços se expandiram rapidamente”, aponta o CLB. Nesse sentido, registou-se “declínio das acções colectivas dos trabalhadores fabris e um aumento proporcional de greves e protestos por trabalhadores ligados a um maior leque de novas indústrias como os correios, entrega de comida e outros serviços online”. Reforma não bastou Perante esta alteração do tecido económico, o próprio Partido Comunista Chinês (PCC) percebeu que tinha de incutir mudanças no ACFTU, que conta com 302 milhões de membros por todo o país e que possui mais de mil organizações sindicais primárias. Essas mudanças começaram a fazer-se sentir em 2015. “O PCC iniciou uma nova fase de reforma sindical no país caracterizada pela coerção de cima para baixo do partido e a pressão, de baixo para cima, do movimento dos trabalhadores.” Tal aconteceu porque o partido “compreendeu que, para manter a sua legitimidade política, não podia continuar a negligenciar a diferença obscena de riqueza criada por 40 anos de reforma económica e uma deliberada falta de supervisão governamental”. Em termos práticos, o ACFTU procurou “criar novas uniões, recrutar novos membros e proteger os direitos e interesses dos seus membros”, mas isso não terá bastado, de acordo com a posição do CLB. “O sindicato não mudou realmente a sua identidade de base, e as medidas de reforma introduzidas até ao momento revelaram uma atitude paternalista, pois olha-se para os trabalhadores como vítimas com necessidade de ajuda ao invés de pessoas com valor que necessitam de ser representadas.” Por essa razão, “os trabalhadores continuam a não se identificar com o sindicato ou a terem um sentimento de pertença em relação a ele”. O CLB pede, portanto, que o ACFTU “não leve a cabo reformas estruturais superficiais que, na verdade, protegem mais os seus próprios interesses [dos dirigentes] do que os interesses do trabalhadores chineses”. “As reformas levadas a cabo até ao momento não mostraram mais do que a necessidade de uma genuína reforma sindical. O sindicato necessita ser liderado por quem acredita nos valores chave do socialismo, como a igualdade, justiça e democracia.” Para o CLB, o ACFTU está “há muito divorciado do movimento de trabalhadores”, pelo que só com a reforma “pode tornar-se um membro genuíno da família de trabalhadores chineses”. O CLB defende mesmo que o ACFTU tem “praticamente recursos ilimitados”, pelo que “se adoptar o modelo criado por ONG laborais, pode fazer uma enorme diferença no desenvolvimento de um mecanismo de negociação colectiva na China”. Com sede em Hong Kong, o CLB foi fundado em 1994 pelo activista dos direitos laborais Han Dongfeng. Esta ONG trabalha com “dezenas de activistas laborais, advogados e organizações civis em toda a China que têm uma experiência sem paralelo nesta área”, pode ler-se no seu website. Razões da luta – Processo de transição económica que levou ao desaparecimento gradual de indústrias tradicionais ligadas ao cimento, têxteis e electrónica, e surgimento de indústrias na área dos serviços online, o que teve impacto nos interesses e direitos dos trabalhadores. – Empresas, na sua maioria, estatais e ligadas a sectores tradicionais, registaram excesso de capacidade, o que levou a cortes de produção, falências e despedimentos. Cerca de 1,5 milhões de mineiros foram deslocados para outras funções ou “internamente reformados”. – O CLB lembra que “numa economia de mercado, é claro que o Governo Central não pode exigir às empresas que garantam os direitos e interesses dos trabalhadores, e não pode compelir os governos municipais a garantir boas condições de vida aos trabalhadores atingidos pelo encerramento temporário de empresas”. – Só em 2015, um total de 268 empresas com lucros anuais de 20 milhões de yuan fecharam, faliram ou mudaram de registo. Um total de 362 empresas com investimentos estrangeiros fecharam ou mudaram para actividade offshore. A maior parte eram pequenas e médias empresas com actividade intensa. – As leis laborais e mecanismos regulatórios são vagos ao nível das responsabilidades do patronato no que diz respeito às indústrias emergentes. Há falta de regras claras nas relações laborais o que teve um impacto negativo nos direitos e interesses dos trabalhadores. Os seus direitos sofreram uma erosão perante uma enorme competição de empresas à procura de presença no mercado. Áreas de protesto Construção civil Em três anos registaram-se um total de 2595 protestos sobretudo nas províncias de Henan, Guangdong, Shandong, Hebei e Sichuan, relacionados com atrasos nos pagamentos, a não compensação de feriados e falta de contribuições para a segurança social. A polícia interveio em 25 por cento dos protestos e fez detenções em quatro por cento dos casos. Manufacturas Houve um total de 1770 protestos levados a cabo por trabalhadores das províncias de Guangdong, Jiangsu, Shandong e Zhejiang. Os operários das indústrias de roupa e calçado representaram 20 por cento dos casos, seguindo-se 14,8 por cento dos trabalhadores do sector electrónicao Um dos principais motivos de protesto voltou a ser a existência de salários em atraso. Como tal, organizaram-se greves e protestos colectivos, tendo a polícia intervindo em um terço dos casos. Serviços e retalho O CLB fala de um “claro declínio” na percentagem de acções colectivas ao nível das indústrias mais tradicionais, tendo diminuído 21,3 por cento o ano passado. Houve um aumento gradual dos casos na área dos serviços e sector de retalho, na ordem dos 20,7 por cento em 2017. “À medida que os trabalhadores foram absorvidos pelo sector dos serviços, as relações laborais dos sectores tradicionais, marcadas pela ausência de contratos de trabalho formais e baixos salários, foram também transferidas”, aponta o relatório.