Fotografia | Artistas sul-coreanas registam a opção de viver só

Está a nascer na Coreia do Sul uma nova tribo juvenil, noticia a CNN. “Honjok” é o movimento que se caracteriza pela opção de viver em solidão ao mesmo tempo que se retratam esses momentos em fotografia

 

[dropcap style≠’circle’]U[/dropcap]ma jovem, sentada ao balcão de um bar. De olhar perdido, parece dar um beijo a um pequeno tomate. Numa outra imagem, desta feita a preto e branco, uma jovem é retratada com o olhar substituído pela luz de um túnel. Através de uma montagem, dirigem-se ao suposto olhar, três indivíduos. Estas são as descrições possíveis de duas das fotografias de Nina Ahn e Hasisi Park que retratam o movimento “honjok”.

“Honjok” é neologismo que combina as palavras “hon” (sozinho) e “jok” (tribo). O conceito aparece para descrever uma geração, que conta com cada vez mais elementos, que abraça a solidão e a independência como características identitárias. O fenómeno reflecte o crescente número de lares constituídos por uma só pessoa e “é também a expressão que retrata a mudança de atitudes em relação ao romance, ao amor, ao casamento e à família. É esta a subcultura que dá mote aos trabalhos das fotografas Nina Ahn e Hasisi Park, aponta uma reportagem da CNN.

“É a sensação de desistir”, disse Ahn em entrevista à mesma fonte. Para a fotógrafa a geração a que pertence já não se apoia no trabalho para a conquista da felicidade pelo que a aposta é no individuo, só, na sua existência. “Vivemos numa geração em que simplesmente trabalhar arduamente por um futuro brilhante não garante a felicidade, então por que não investir em ‘eu’, dando tempo a cada um de nós?”, questiona retoricamente.

As imagens não deixam de carregar um sentimento de tristeza, mas não podia ser de outra forma. “O facto das minhas fotografias terem associada a tristeza reflecte o que é actualmente a cara da minha geração”, diz.

Embora as imagens de Ahn retratem uma solidão palpável, a fotógrafa acredita que os seus contemporâneos estão mais dispostos a dar sentido à vida recorrendo a outras acções, como as viagens. A ideia parte também do princípio de que existe uma certa desesperança quanto às certezas do futuro. “A geração dos nossos pais sabia que depois de trabalhar afincadamente e de economizar durante alguns anos seria possível comprar uma casa para a família, mas nós não”, diz. “Chegámos à conclusão de que nunca seremos capazes de conseguir ter alguma coisa, mesmo trabalhando a vida toda”, aponta.

A efemeridade do mundo moderno é uma das maiores crenças desta geração. “Sabemos que a felicidade nunca dura sempre e queremos ter uma forma de viver consoante esta circunstância e de maneira mais sábia. As nossas prioridades mudaram”, sublinha.

Nina Ahn não está sozinha no registo fotográfico deste movimento social. A fotógrafa Hasisi Park também explora o isolamento entre os jovens sul-coreanos. No seu trabalho retrata uma juventude sem poder “no grande deserto que é a sociedade em geral”, revela à CNN.

Para a fotógrafa, a ascensão do movimento “honjok” deve-se às pressões sociais da vida moderna que limitam a inter-acção com os outros.

“A sociedade em que vivemos pode ser muito instável, e acho que, por isso, os jovens não se querem comprometer “, disse em entrevista.

Transformações radicais

Em 2016 foram registados, na Coreia do Sul, 5 milhões de lares em que reside uma só pessoa, o que corresponde a cerca de 28 por cento da população do país refere, Michael Breen, autor do livro “Os Novos Coreanos: A História de um Nação “, tendo como base os dados dos serviços estatísticos daquele país. De acordo com o mesmo autor, refere a CNN, este tipo de desenvolvimento social orientado para as famílias unipessoais vai contra as tradições históricas da sociedade coreana.

“Acho que é uma consequência natural da democracia e do desenvolvimento económico”, diz Michael Breen. “Em muitas sociedades asiáticas, os interesses e direitos individuais têm sido subordinados aos da organização familiar ou de grupos”, explicou. No entanto, e com o desenvolvimento da democracia, os valores têm-se modificado e ao invés do colectivismo, o individualismo começou a predominar.

“Quando cheguei pela primeira vez à Coreia, nos anos 70, todos os coreanos que conhecia tinham cinco ou seis irmãos, e todos vinham de famílias numerosas”, acrescentou Breen. “Costumava ver muitos parentes a viver na mesma aldeia”.

Com uma crescente classe média e os esforços por parte do Governo na promoção do planeamento familiar, a taxa de natalidade sofreu “uma queda dramática de 6,1 nascimentos por mulher em 1960, para 1,2 em 2015”.

Criar um filho começou a ser percepcionado como um peso e as noções de família tradicional mudaram, aponta.

O crescimento do individualismo pode ser uma fonte de satisfação, considera Jang Jae Young, gestor de um site dedicado ao estilo de vida solitário, o honjok.me.

“A geração de nossos pais estava ocupada com a preocupação de por o pão na mesa”, disse em entrevista à CNN. “Tiveram de se sacrificar para alimentar as famílias e contribuir para a economia”, explica. Hoje em dia o objectivo de cada um é outro: a realização pessoal. “Há um desejo de auto-realização e de felicidade, mesmo que isso signifique estar sozinho”, considera.

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