Manchete SociedadeAmbiente | Exemplos de quem reduz o consumo de plástico no dia-a-dia Andreia Sofia Silva - 11 Jul 2018 Julho é o mês livre de plástico. A iniciativa acontece um pouco por todo o mundo e em Macau tem sido promovida nas redes sociais por Hio Kam Pun na esperança de consciencializar mais pessoas. Numa altura em que o Governo pretende avançar para a restrição do uso de sacos de plástico, há cada vez mais pessoas a levar termos e lancheiras para o trabalho e há até estabelecimentos que recorrem a produtos biodegradáveis [dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]om o hashtag #freeplasticjuly Hio Kam Pun acredita que pode, lentamente, começar a mudar mentalidades relativamente ao excessivo uso de produtos de plástico no território. O evento, que tem o nome de “Macau Plastic Free July Challenge”, foi criado no Facebook e já conta com algumas dezenas de participantes que, diariamente, vão partilhando fotografias da sua experiência diária sem plástico. Numa altura em que são cada vez mais comuns a partilha de imagens de animais marinhos que morrem depois de engolir a imensidão de plástico que repousa nos oceanos, Hio Kam Pun, que abriu uma loja online de embalagens reutilizáveis, intitulada “Stuffbox Online Store”, decidiu apostar na criação do evento porque queria promover o conceito do não uso do plástico junto de mais pessoas. “Como vi o mesmo evento acontecer na Austrália, quis trazê-lo para Macau, para encorajar mais pessoas a partilharem a experiência ao usar menos plástico”, contou ao HM. O grupo onde este evento foi criado tem cerca de dois mil membros, o que revela que as questões ambientais são cada vez mais um problema de muitos. “Penso que esta iniciativa pode inspirar alguém que não pense na possibilidade de usar menos produtos feitos com plástico, ou pode ajudar alguém a começar. Mas como não tenho qualquer orçamento para fazer a promoção deste evento, só posso tentar o meu melhor para encorajar mais pessoas a terem consciência do problema dos plásticos nos oceanos”, adiantou. Flora Fong, funcionária pública, sempre esteve atenta à necessidade de proteger o meio ambiente com pequenas acções no dia-a-dia. Como membro deste grupo, também ela aderiu ao desafio “Macau Plastic Free July Challenge”. “Todas as manhãs, quando compro o meu pequeno-almoço, não peço saco plástico, pois normalmente compro um pão. Depois prefiro beber o café ou chá no escritório em vez de comprar nos restaurantes. Uso o meu próprio copo ou termo”, frisou. Apesar de tudo, Flora Fong ainda não conseguiu alterar a mentalidade da sua família. “É difícil mudar quando os familiares continuam a usar o plástico, e com eles só consigo mesmo reciclar as garrafas de plástico vazias. Quando faço compras no supermercado não levo os sacos, e é a única altura em que consigo convencer um pouco o meu marido. Ele não tem a mesma consciência [em relação à protecção do meio ambiente] que eu”, referiu. Apesar de ter uma empresa online de venda de embalagens, Hio Kam Pun acredita que há pessoas que usam ainda menos plástico do que ele. “Normalmente, uso dois grupos de utensílios, com uma garrafa, uma lancheira, um guardanapo e um saco reutilizável. Só isso previne o uso de cerca de 90 por cento de produtos de plástico da minha parte. Outro método que uso é jantar em casa para substituir a embalagem caso não tenha comigo nenhuma lancheira. Mas sei que há pessoas que estão a fazer o mesmo que eu e até melhor do que eu”, apontou. De referir que, em todo o mundo, se consomem dez milhões de sacos de plástico por minuto, e 60 mil por segundo. Café mais consciente A funcionar há dez anos no coração da Taipa, o estabelecimento Cuppa Coffee resolveu apostar agora em produtos biodegradáveis para servir café e comida aos clientes. Cristina Figueiredo, proprietária, explicou ao HM porque é que decidiu apostar nesta medida. “Não são só palhinhas biodegradáveis que o Cuppa Coffee está a usar mas também copos e contentores plásticos biodegradáveis e compostáveis. São compostos por PLA (Polylactic Acid), feitos a partir de milho ou cana de açúcar. Não é a solução perfeita (o perfeito seria não existir nada descartável) mas é a que de momento acreditamos ser a melhor possível”, frisou. Adquirir produtos biodegradáveis aumentou o orçamento do estabelecimento comercial em 28 por cento, mas nem isso fez Cristiana Figueiredo desistir. “A adopção de materiais que não beneficiam de produção em enorme escala tem custos associados, mas acreditamos que cabe a cada um de nós, enquanto habitantes deste planeta, [a responsabilidade] pelo impacto das suas acções, sejam elas individuais, sociais ou profissionais.” “Apesar de sermos uma pequena empresa faz parte desta nossa responsabilidade minimizar o impacto ambiental e contribuir para a consciencialização dos nossos clientes acerca deste grave problema e da necessidade de eles próprios reflectirem sobre as consequências dos seus hábitos de consumo”, acrescentou. O factor financeiro poderá explicar o facto do Cuppa Coffee ser um dos poucos estabelecimentos que aposta em produtos biodegradáveis, uma vez, que de acordo com Cristiana Figueiredo, “os estabelecimentos isolados não têm capacidade de fazer muito”. “Primeiro é preciso educar os donos destes estabelecimentos, porque ninguém nasce ensinado e muitos estão ocupados a gerir o dia-a-dia dos seus negócios. Há um dever de o Governo educar os seus cidadãos em questões que têm um impacto profundo no tipo de cidade que é Macau. Neste momento, é uma cidade onde o descartável reina. É necessário ensinar aos cidadãos os princípios da redução e reciclagem para que desenvolvam hábitos de consumo consciente e práticas de gestão dos seus lixos.” Quem usa produtos biodegradáveis deve também cumprir uma série de regras práticas aquando da recolha do lixo. “Os estabelecimentos licenciados, como é o caso do Cuppa Coffee, que são obrigados a contratar empresas de recolha de lixos, deveriam receber sacos com cores distintas para os diferentes tipos de lixos e este lixo deveria ser processado adequadamente.” Isto porque “incinerar lixo tem consequências na saúde humana e no ambiente e deve ser parte de um sistema de gestão de resíduos urbanos mais amplo, que inclua reciclagem e compostagem”, defendeu a proprietária. Saco que poucos querem Em 2016, Gilberto Camacho estava confiante de que podia contribuir para a redução de sacos de plástico. Acabava de criar a empresa Macau ECOnscious, que é também um grupo no Facebook, e a ideia era incentivar restaurantes e supermercados a comprarem sacos biodegradáveis que depois venderiam aos clientes pelo valor de uma pataca por saco. Dois anos depois, o balanço não é muito satisfatório. “O projecto não é só meu, é de várias pessoas. Vamos partindo pedra e avançando aos poucos, está a crescer, mas muito devagarinho.” Neste âmbito, a Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental (DSPA) anunciou que ainda este ano deverá avançar com a elaboração de um regime que restrinja o uso de sacos de plástico nas compras, depois de ter sido realizada uma consulta pública sobre esse assunto. A restrição deverá abranger supermercados, lojas de conveniência, farmácias, armazéns de venda ao público, lojas de prendas de produtos alimentares, padarias e pastelarias e lojas de produtos de maquilhagem, beleza e higiene. Estão também previstas multas de 600 a 1000 patacas para os estabelecimentos que não cumprirem as regras. Um estudo encomendado pela DSPA, referente a 2015, revelou que cada residente de Macau usa uma média de dois sacos de plástico por dia, atingindo, no total, os 450 milhões de sacos de plástico por ano. Mais de 70 por cento dos entrevistados consideraram que, quando vão às compras, são utilizados demasiados sacos de plástico. Na visão de Hio Kam Pun, a população deverá aceitar uma pataca por saco de plástico. “Acho que as pessoas estão dispostas a pagar por isso, porque é a responsabilidade do cidadão. Nas regiões vizinhas já implementaram esta política, então penso que em Macau as pessoas também vão querer proteger o ambiente.” David Gonçalves, director do Instituto de Ciências e Ambiente da Universidade de São José (USJ), defende que o Governo tem de ponderar uma série de factores até implementar medidas em prol da redução do plástico, e acredita que as pessoas vão, aos poucos, mudando a sua mentalidade. “Esta iniciativa do Facebook é uma das evidências de que as mentalidades estão a mudar e que as pessoas se começam a preocupar com este assunto, ainda que haja alguma distância em relação ao que se está a fazer noutros locais do mundo. Acho que Macau deveria acelerar não só a parte de desenvolvimento da consciência cívica sobre este assunto como ter práticas que levem à redução da produção e do consumo do plástico.” Os números que David Gonçalves referiu ao HM, sobre a produção do plástico no mundo, assustam qualquer um. “Em 1950, em todo o mundo, produziam-se 1.7 milhões de toneladas de plásticos, hoje em dia passamos para 350 milhões e estima-se que em 2050 passemos aos mil milhões de toneladas de produção de plástico. Se houver uma equivalência em termos de saída destes plásticos para o ambiente, que saem por várias vias, mas sobretudo através dos rios (que levam 80 a 90 por cento do plástico para os oceanos) vemos que é um problema agudo mundialmente e que tem tendência a agravar-se.”