Rota das Letras | Duncan Clark apresentou biografia de Jack Ma, fundador do Alibaba

“A Casa que Jack Ma construiu” é o livro que conta a história do menino pobre que falhou duas vezes até construir o gigante do comércio electrónico Alibaba. Duncan Clark, consultor a viver em Pequim desde os anos 90, escreveu a história do visionário com quem trabalhou. O livro foi ontem apresentado no festival literário Rota das Letras

 

[dropcap style≠’circle’]Q[/dropcap]uando ainda ninguém percebia o impacto da Internet nas nossas vidas, Jack Ma percebeu que ali estava uma oportunidade de negócio. Falhou duas vezes até investir, juntamente com 18 pessoas, no grupo Alibaba, hoje um gigante do comércio electrónico que tem vindo a investir no sudeste asiático, Europa, África, sem esquecer Macau e Hong Kong.

A história do menino que nasceu pobre e se tornou milionário, o protagonista do “sonho americano na China” foi contada no livro de Duncan Clark, intitulado “A Casa que Jack Ma construiu” e que foi ontem apresentada no edifício do Antigo Tribunal, no âmbito do Festival Literário Rota das Letras.

À margem do evento, o HM conversou com o autor que, em 1994, estava a viver em Pequim e que teve a oportunidade de trabalhar com aquele que, décadas mais tarde, se tornou um dos milionários chineses mais conhecidos em todo o mundo.

“Há muito tempo que queria escrever um livro sobre a Internet na China, onde vivo desde 1994, que foi o ano em que a Internet chegou à China. A tecnologia pode ser muito aborrecida se só falarmos de tecnologia, e ultimamente as pessoas têm vindo a gostar muito de ler sobre outras pessoas. Depois da Oferta Pública de Aquisição (OPA) [do Alibaba] nos Estados Unidos em 2014, houve muita discussão sobre a empresa e sobre ele próprio, e ouvi muita coisa errada nesse período.” De frisar que a OPA levada a cabo pelo grupo Alibaba, no valor de 25 mil milhões de dólares, foi considerada a maior alguma vez feita a nível mundial.

Foi aí que Duncan Clark resolveu sair do mundo da economia empresarial para se tornar escritor. Sem grandes orientações de como escrever um livro, Clark fez muita pesquisa online para uma obra que não teve qualquer interferência de Jack Ma ao nível dos conteúdos.

“Tive acesso ao grupo Alibaba, mas felizmente não controlaram nada do que escrevi, o que foi óptimo. Isso não é habitual, porque normalmente os empresários tentam controlar a sua própria imagem. Gostei da experiência.”

O livro já está traduzido para 20 línguas, incluindo o português, e tem feito sucesso pelo mundo fora. “A verdade é que esta área dos negócios também está muito ligada à comunicação, é como a escrita. No meu caso tinha 12 meses para escrever o livro, então dividi-o em 12 capítulos. Foi escrito de forma rápida, mas já tinha metade da história na minha cabeça, e depois tive de fazer muita pesquisa.”

O carisma e a loucura

Quem é Jack Ma, o homem que é dono de uma fortuna avaliada em 41,3 mil milhões de dólares? Apesar de ter trabalhado como um mero consultor no grupo, Duncan Clark privou de perto com ele.

“Já era consultor em Pequim desde 1994 e conheci-o no verão de 1999, em Guangzhou, quando ele estava a começar a empresa com a sua mulher e mais 18 pessoas. Na verdade, 16 dessas pessoas eram mulheres, o que é um ponto interessante. Havia um espírito muito familiar e havia a loucura da Internet, mas naquela altura pareceu-me um projecto diferente. Escrevia uma coluna de opinião para o jornal South China Morning Post, entrevistei-o, ficamos amigos e ele convidou-me para trabalhar com ele”, recordou Clark. Ironicamente, Jack Ma é hoje dono do diário de Hong Kong.

O autor fala do milionário como tendo “uma enorme ambição” e que dizia coisas diferentes de todos os outros empresários. “As pessoas achavam que ele era louco, mas tinha um grande sentido de humor e charme, tinha a capacidade de atrair as pessoas e o capital para o seu lado. Não esperava que tudo atingisse esta dimensão, mas sabia que era algo interessante.”

Na visão de Duncan Clark, o sucesso do grupo Alibaba deve-se ao facto de Jack Ma ter falhado muitas vezes e nunca ter desistido. “Ele falhou duas vezes e sabia que a Internet era importante. Porque se tornou tão bem sucedido? Penso que foi o primeiro a apostar nesta área, também falhou e conseguiu regressar, devido ao seu carisma e determinação. Teve a capacidade de aumentar o capital, a equipa. A maior parte das pessoas que trabalham com ele no Alibaba trabalharam com ele antes, então seguiram-no, confiaram nele.”

“Ele tem uma maneira muito própria de te convencer a fazeres algo, e teve um foco muito próprio no futuro e nos clientes, nessa altura ele foi um visionário”, acrescentou o autor da biografia.

A relação com o poder

Questionado sobre a relação que Jack Ma tem com o Governo Central, Duncan Clark assume que nenhum grande grupo empresarial chinês, daquele que consegue fazer fortunas, é totalmente independente face ao Partido Comunista Chinês.

“Não é possível, nos dias de hoje, afirmar que nenhuma grande empresa chinesa é totalmente independente do Governo. Nos primeiros tempos Jack Ma trabalhou para o Governo, antes de fundar a Alibaba trabalhou como administrativo. Hoje o grupo tem tido um enorme impacto em muitas áreas da sociedade e também na política ultimamente.”

Contudo, o autor lembrou que Jack Ma não marcou presença nas reuniões da Assembleia Popular Nacional (APN), ao contrário do milionário Robin Li, fundador do grupo Baidu. “Muitos dizem que Jack Ma é demasiado grande para ser apanhado”, frisou Duncan Clark.

“Neste momento, com Xi Jinping a tornar-se presidente sem que haja uma limitação de mandatos, e com uma perspectiva ambiciosa em relação aos empresários, há um grande debate sobre o papel do sector privado na China.”

No último capitulo de “A Casa que Jack Ma construiu”, Duncan Clark lança perguntas para o futuro, ao atribuir o título “Ícone ou Ícaro?”.

“Isto no sentido em que se ficar [Jack Ma] muito próximo do sol pode ser perigoso. Essa onda de elevada confiança pode gerar problemas. Por outro lado, há muitas áreas com as quais têm de lidar diariamente com imensos representantes do Governo chinês. No meu livro eu falo que num ano houve encontros com 45 mil representantes”, explicou.

No fundo, os milionários têm, em relação ao Governo chinês, a ideia de “não te cases, mas não vivas longe”. “Os empresários sabem que se derem tudo ao Governo vão perder inovação e uma certa independência, e o Governo também sabe disso.”

Na visão do consultor, o Governo Central quer que haja iniciativa privada, para aproveitar o know-how em prol do país. “Há uma grande tradição na China de falhas na área tecnológica por empresas estatais, então eles encorajam os empresários a fazer o seu negócio, dando-lhes algum espaço. É melhor do que fazerem por eles próprios, mas claro que há limites, especialmente no que diz respeito às redes sociais”, concluiu.

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