Órgãos Municipais | Relatório da consulta pública sem números de opiniões

O relatório da consulta pública sobre a criação dos órgãos municipais sem poderes políticos omite o número de opiniões recolhidas. O Governo também não revela o número de opiniões a favor e contra a eleição dos membros do futuro IACM. No entanto, recusa ter havido medo de trazer os números a público

 

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Governo omitiu do relatório da consulta pública o número de opiniões a favor e contra o método de eleições para a escolha da constituição dos futuros órgão municipais. Além disso, e ao contrário do que é habitual, o relatório só foi apresentado na sexta-feira, às 15h00, numa altura em que já decorria a conferência de imprensa do Conselho Executivo sobre a apresentação da proposta de lei.

Em relação aos números, as únicas referências aparecem na página quatro do relatório da consulta pública, um documento com 35 páginas, na versão portuguesa. Através dos dados publicados, sabe-se que nas três sessões de consulta foram ouvidas 80 opiniões. Sobre o número de opiniões recebidas através da internet, correio, fax, ou semelhantes, nem uma palavra.

Por essa razão, o documento também não permite perceber a percentagem das opiniões a favor e contra a organização de eleições para escolher os membros dos órgãos municipais.

Presente na conferência de imprensa do Conselho Executivo, o director dos Serviços da Administração e Função Pública (SAFP), Kou Peng Kuan, não quis responder à questão e evitou avançar com uma percentagem do número contra e a favor de eleições.

“Recebemos mais de 1600 opiniões, metade são opiniões sobre a forma da constituição deste órgão. Também recebemos opiniões sobre as eleições, mas está muito claro. Este órgão municipal, segundo a nossa proposta, vai manter a nomeação pelo Chefe do Executivo”, disse Kou Peng Kuan, depois de ter sido questionado mais de três vezes sobre uma percentagem.

Depois de muita insistência dos jornalistas e de ter dito que tinha sido feita “uma análise profunda das opiniões”, Kou concedeu que talvez haja mais trabalho para fazer. “Quanto às eleições, ainda temos de fazer mais uma classificação, porque tivemos várias opiniões”, constatou.

Apesar da falta de números, o director dos SAFPM defendeu que o relatório dá uma visão correcta dos argumentos contra e a favor das eleições.

Sobre o facto do relatório ter sido revelado ao mesmo tempo que a conferência de imprensa, o representante do Governo afirmou que, legalmente, existe um prazo de 180 dias para o fazer, que foi cumprido. Por outro lado, Kou negou que tenha havido receio por parte das autoridades de revelar o número de opiniões pró-eleições: “Não, não, não. Não existiu essa situação. Quisemos conjugar os trabalhos com o Conselho Executivo”, justificou.

Imposição Central

Segundo as palavras de Kou, a adopção da realização de eleições nunca foi verdadeiramente considerada, mesmo durante a consulta pública. Em causa está o facto do Governo Central ter feito a interpretação que as eleições dotavam os órgãos municipais de poderes políticos.

“O relatório final inclui as opiniões da sociedade. Quer estejam de acordo, ou não. Este órgão municipal sem poder político tem de obedecer à Lei Básica e ao Desenvolvimento de Macau”, avisou o representante do Executivo.

“Nós recolhemos opiniões mas antes já tínhamos as interpretações do Governo Central. Considerámos que na questão da constituição dos órgãos municipais, temos de seguir a Lei Básica. Se for feita uma eleição dos membros, difere-se da Lei Básica”, explicou.

A versão da proibição pelo Governo Central face às eleições já tinha sido levada à Assembleia Legislativa, por Sónia Chan, a 5 de Janeiro deste ano. Antes da secretária para a Administração e Justiça ter falado, também o número dois do Gabinete Jurídico do Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional, Zhang Rongshun, tinha declarado, ao canal chinês da Rádio Macau, que as eleições eram vistas como uma violação da Lei Básica.

Lealdade ao Governo

De acordo com o relatório da consulta, os argumentos em prol da nomeação dos membros dos órgãos municipais pelo Chefe do Executivo sustentam-se em três pontos: 1) as eleições acarretam automaticamente poderes políticos; 2) as eleições comprometem a lealdade ao Governo;3) os órgãos distritais de Hong Kong têm eleições porque são meramente consultivos, enquanto em Macau vão ser administrativos.

No lado das opiniões a favor do sufrágio, defende-se que as eleições não acarretam poderes políticos, que o facto de um órgão ser eleito não coloca em causa a sua missão de agir em prol do Governo e, por último, a Lei Básica de Hong Kong permite eleições para órgãos sem poderes políticos.

Tendo em conta os argumentos, o documento conclui que como os órgãos municipais não são políticos não podem ser “representativos” nem ter “eleições”. O Governo defende ainda que caso houvesse eleições, a legitimidade dos “órgãos municipais para gerir os assuntos municipais” caberia aos residentes, em vez de pertencer ao Governo. O facto é visto como uma questão de representatividade, logo ilegal, diz o Executivo.

Por último, o Governo recusa comparar os órgãos distritais de Hong Kong com os órgãos municipais de Macau. O Executivo considera que os órgãos municipais devem ser comparados com o Urban Council e Regional Council, que o Governo da RAEHK quis extinguir, ainda antes transferência da soberania, em 1997, pelo facto dos membros serem eleitos por sufrágio directo.

Escolha do Chefe Executivo

Segundo a metodologia da escolha do Chefe do Executivo da RAEM, constante nos anexos da Lei Básicos, os órgãos municipais devem estar representados na Comissão Eleitoral, que é composta por dois membros. Na consulta pública foi sugerido ainda que os representantes na comissão eleitoral deviam ser dois e que fossem eleitos entre e pelos membros do conselho de administração e os membros do conselhos consultivo dos órgãos municipais. O Governo mostrou abertura à proposta e frisou que esta sugestão cumpre a Lei Básica.

 

 

Instituto para os Assuntos Municipais em 2019

Os órgãos municipais sem poderes políticos vão entrar em funcionamento a 1 de Janeiro de 2019, com o nome Instituto para Assuntos Municipais (IAM), que substitui o Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM). A proposta de lei foi ontem apresentada, em termos genéricos, numa conferência do Conselho Executivo, por Leong Heng Teng. O porta-voz do Conselho Executivo fez questão de sublinhar que os “direitos adquiridos” dos funcionários do IACM não vão ser afectados e que da transição não pode resultar “uma redução do seu vencimento e respectivos benefícios”.

 

Administração com oito membros

Segundo a proposta do Governo, a administração do Instituto para os Assuntos Municipais vai ter oito membros, um presidente, um vice-presidente e cinco administradores. Já o conselho consultivo vai ser constituído por 25 membros. Todas as pessoas vão ser nomeadas pelo Chefe do Executivo, um dos pontos que representa mais controvérsia. “Não faz mal que haja opiniões diferentes. A proposta de lei vai ser discutida na Assembleia Legislativa. Vai haver espaço para debater bem a questão”, afirmou Leong Heng Teng, sobre o assunto.

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