Manchete PolíticaAnálise | Qual o vigor e a saúde do segundo sistema em passados 18 anos de RAEM? João Luz - 24 Jan 2018 A política “um país, dois sistemas” é um dos pilares dos 18 anos de vida da RAEM. Após sucessivas polémicas, e algumas manifestações de patriotismo exacerbado, até que ponto o segundo sistema consegue manter a sua viabilidade? [dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]esde a ideia original de Deng Xiaoping, a política “um país, dois sistemas” foi o garante institucional de suavidade política na transferência de soberania das regiões administrativas especiais. Porém, após uma série de polémicas, na sociedade de Macau levantou-se a discussão de quão vigoroso é o segundo sistema. Éric Sautedé questiona se “será que o segundo sistema é viável e sustentável por si só?” No entender do académico, é apenas se cumprir os desígnios de providenciar à comunidade os serviços que é suposto, assegurando a separação de poderes, independência da justiça e liberdade de expressão, entre outros princípios fundamentais previstos na Lei Básica. No entanto, como “as pessoas que são postas no poder são incapazes de resolver os problemas da população”. Com tal, o académico entende que “o maior perigo para o segundo sistema é a absoluta incompetência do Governo”. Pereira Coutinho considera que “o segundo sistema está debilitado, enfraquecido e com os pilares que o alicerçam numa situação extremamente frágeis”. Segundo a análise do deputado, desde o estabelecimento da RAEM que os riscos sobre o segundo sistema existem, mas “hoje em dia são mais visíveis”, porque nunca se chegou a colocar um travão aos sucessivos atropelos, ou seja, “a sociedade não reagiu”. “São como um vírus que se foi espalhando, que invadiu o corpo de uma tal maneira que já não há antibióticos suficientes para o tratar”, comenta. A própria proveniência da classe dirigente é algo que para Éric Sautedé tem uma ligação directa à forma como se governa a RAEM. “Macau é governado por pessoas de negócios, como agora os Estados Unidos com Donald Trump, prevalecendo a ideia de que tudo se resolve com um bom negócio”, explica o académico. Prevalece entre o poder instituído o conceito de que tudo se centra em torno de interesses privados e de que esses interesses coincidem com os da comunidade. Esta mentalidade, de acordo com o analista, leva a que “estas pessoas não estejam convencidas dos valores que estão pode detrás do segundo sistema”. Massa crítica “O segundo sistema está em causa porque se fazem leis com objectivos determinados. O caso do deputado que viu as suas funções suspensas é a cereja em cima de um bolo podre criado pelas sucessivas governações em Macau”, considera Pereira Coutinho. Ainda no caso Sulu Sou, Éric Saudeté entende que “as palavras ditas por alguns advogados, como Neto Valente, levantam assuntos que são muito importantes”. Apesar de serem poucos, de acordo com o académico, são activos e têm uma intervenção social fundamental. O exercício da cidadania é algo que o analista vê como demonstração de vitalidade do segundo sistema que, por vezes esbarra numa questão cultural. “A ideia de desafiar o poder ainda é muito nova, e claro que é preciso alguma coragem para argumentar com poderes instalados. É algo que também vai contra o conforto de parte da juventude local”, comenta o académico. Um dos factores de risco para a garantia das liberdades civis prende-se com o acesso à informação. Neste aspecto, Éric Saudeté lamenta a falta de liberdade na imprensa chinesa, que não é colmatada pela órgãos de língua portuguesa e inglesa devido ao pouco impacto que têm na população. O académico realça uma excepção neste contexto. “A Macau Concealers é seguida por mais de 100 mil pessoas no Facebook. Podem ter um impacto grande na sociedade, através das redes sociais, e mudar o panorama mas está a demorar imenso a ter efeito”, explica. Para Pereira Coutinho, a aprovação de legislação que viola o estipulado na Lei Básica é um dos factores de enfraquecimento do segundo sistema. O deputado realça a retroactividade da lei das aposentações, que “não é uma lei genérica e abstracta, mas destinada a um número de pessoas selectivamente escolhidas”, e a questão das diuturnidades dos trabalhadores da Função Pública. Como não existe em Macau um organismo que fiscalize a constitucionalidade das leis aprovadas na Assembleia Legislativa, Pereira Coutinho entende que “o sistema um país dois sistemas implica obrigações importantíssimas ao Governo Central, que tem de ver o que se passa na Assembleia Legislativa”. Para o deputado, “o segundo sistema está doente e são precisos antibióticos que só se compram em Pequim”.