Parques infantis | Associação das Mulheres de Macau denuncia fracas condições

O que há não chega para a procura e é, em termos gerais, de fraca qualidade. As crianças do território não têm parques infantis suficientes. Com as férias escolares, o problema agrava-se. As Mulheres de Macau querem que o Governo pense em soluções

 

[dropcap style≠’circle’]M[/dropcap]ais de 90 instalações dedicadas a crianças e adolescentes foram passadas a pente fino pela Associação da Construção Conjunta de Um Bom Lar, um movimento ligado à Associação Geral das Mulheres de Macau. Uma equipa decidiu investigar o estado em que se encontram os parques infantis do território e chegou a conclusões preocupantes. As crianças não têm espaço suficiente para brincar e aquele que existe é, por norma, mau e pouco limpo.

Ontem, a associação divulgou as conclusões do estudo que fez, com vários dirigentes a lamentarem a falta de investimento nas estruturas destinadas às brincadeiras da população mais nova.

Wong Kit Cheng, deputada e directora da Associação da Construção Conjunta de Um Bom Lar, começou por frisar que, de acordo com estatísticas oficiais, o número de habitantes de Macau com idade inferior a 14 anos passou de 65.870 em 2011 para 77.847 no ano passado. O aumento da população nesta faixa etária não foi acompanhado por uma expansão nos parques e estruturas dedicados à infância.

“Hoje em dia, as crianças confrontam-se com restrições em relação aos locais para se divertirem”, sublinhou Wong Kit Cheng, dando conta das queixas dos pais, que dizem que os parques estão sempre cheios durante as férias, feriados e fins-de-semana.

A visita a 96 equipamentos públicos permitiu chegar à conclusão de há locais onde existe uma clara desproporção entre o número de crianças e os parques disponíveis. Loi Yi Weng, subdirectora da associação, deu como exemplo a freguesia de São Lourenço: uma criança até aos 14 anos de idade tem apenas 32 centímetros quadrados disponíveis para brincar na rua.

Além da falta de espaço, Loi Yi Weng mostrou-se preocupada com o estado em que encontram os parques: as estruturas estão envelhecidas e danificadas, e falta manutenção. Há locais com avisos de que as instalações estão em manutenção, mas a subdirectora recorda que a sinalética não basta, atendendo à idade dos utentes. Por isso, pede que sejam colocadas vedações para garantir a segurança das crianças.

Ratos mortos e outros pormenores

Há outras questões na lista de preocupações da associação. Wong Leong Kuan, secretária-geral adjunta, apontou a falta de diversificação dos equipamentos dos parques. As estruturas são pobres, o que tem influência no desenvolvimento motor das crianças.

Outro facto que deixou a equipa apreensiva é a falta de condições higiénicas. Do universo de parques analisados, cerca de 60 por cento são “normais” ou “muito maus” em relação à limpeza. Os investigadores encontram ratos mortos, detectaram maus cheiros, e água e lixo acumulados.

Wong Kit Cheng sugere que o Governo olhe para as regiões vizinhas e siga o exemplo de Taiwan e de Hong Kong, para definir parâmetros de segurança e de gestão dos parques infantis. A deputada pede ainda melhorias na fiscalização periódica das instalações.

Além disso, Wong Kit Cheng deixou outras sugestões. Uma vez que em Macau chove com muita regularidade, devem ser criados pavilhões onde as crianças possam brincar. Há ainda locais ao ar livre que podem ser aproveitados para a instalação de zonas de lazer para os mais novos e deve ser repensada a oferta que existe nas diferentes áreas da cidade.

 

Notários privados | Aberto concurso para atribuição de 40 licenças

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Governo de Macau autorizou ontem, em Boletim Oficial, a abertura de concurso para admissão ao curso de formação de notários privados, fixando em 40 o número de licenças a atribuir.

Desde a criação dos notários privados, na década de 1990, apenas foram realizados cinco cursos, de onde foram aprovados 99 notários, 55 dos quais ainda exercem, a maioria portugueses, de acordo com a página da Direção dos Serviços de Assuntos de Justiça.

No ano passado, o Governo apresentou a revisão do Estatuto dos Notários Privados que apertou os critérios para o acesso à profissão, estipulando que só se podiam candidatar ao curso de formação para notário privado os advogados com mais de cinco anos consecutivos de exercício de advocacia em Macau.

Já os profissionais que tenham anteriormente exercido funções de conservador ou de notário público por um período mínimo e consecutivo de cinco anos e que tenham sido dispensados do estágio de advocacia por causa de tais funções, apenas necessitam de apresentar um requerimento.

Até aqui, para ser notário em Macau bastava que os advogados já não fossem estagiários, tivessem escritório e exercessem funções no território, além de terem frequentado o respetivo curso.

No ano passado, havia 203 advogados a exercer há mais de cinco anos.

20 Jul 2017

Renovação Urbana | Percentagens ficam definidas no próximo mês

 

O Governo e os membros do Conselho de Renovação Urbana, apesar do aparente acordo quanto à percentagem ideal de condóminos para recuperar um edifício antigo, não elaboraram ainda uma proposta final. Raimundo do Rosário espera que isso aconteça no próximo mês

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] proposta final era para ser apresentada ontem em reunião plenária, já com números definidos, mas isso não aconteceu. Trata-se do documento que vai definir a percentagem de condóminos concordante necessária para que sejam feitas obras nos edifícios antigos. Apesar de não estar ainda concluída, a proposta será, provavelmente, finalizada no encontro do Conselho de Renovação Urbanística (CRU), no próximo mês, disse o secretário para os Transportes e Obras Públicas, Raimundo do Rosário, ontem, no final de mais uma reunião plenária.

Em causa está a elaboração do documento que vai alterar as percentagens do número de condóminos necessárias para que se possa fazer obras integradas no plano de renovação urbana do território, sem que seja necessária a aprovação das mesmas pela totalidade dos proprietários.

No mês passado, o CRU admitiu ter chegado a um acordo. “O consenso alcançado é de que todos os edifícios com menos de 30 anos, se tiverem de ser submetidos a um processo de demolição ou renovação, vão precisar da aprovação de 100 por cento dos condóminos”, afirmou, na altura o secretário. Já para os prédios que têm entre 30 e 40 anos, terá de ser reunido o voto favorável de 90 por cento dos condóminos, enquanto aqueles que tiveram mais de 40 anos precisam de 85 por cento de aprovações.

Para já Raimundo do Rosário prefere não avançar com os números que estão a ser, neste momento discutidos, para “não cair em erro”.

Edifícios industriais no mesmo impasse

De acordo com Raimundo do Rosário, a questão do uso dos edifícios industriais voltou a ser discutida ontem; no entanto trata-se de outro assunto que “não é fácil”.

“A única coisa que foi decidida para aprofundar esta matéria é que irá existir uma reunião com membros de vários serviços públicos antes da próxima plenária do CRU”, disse. O objectivo é discutir “algumas questões mais técnicas acerca destas estruturas”.

As dificuldades com a matéria foram explicadas por Raimundo do Rosário. Têm também que ver com a questão das percentagens de condóminos necessárias para que estes prédios possam ser sujeitos a obras de renovação, e “com o uso dado a estes edifícios que pode implicar com regulamentos técnicos, designadamente das Obras Públicas e dos Bombeiros”, explicou o secretário.

Relativamente a este assunto, Raimundo do Rosário já adiantou, em Junho, que os edifícios industriais não terão obrigatoriamente de servir para futuras habitações. “Os edifícios já não têm a utilização que tiveram no passado e pretende-se que sejam adaptados para outras finalidades, e não tem de ser necessariamente para habitação. A ideia é revitalizar.”

Macau | ETAR fechada para substituição de condutas

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] funcionamento da Estação de Tratamento de Águas Residuais (ETAR) da Península de Macau vai ser suspenso para que seja feita a substituição das condutas subterrâneas de descarga de efluentes. De acordo com um comunicado da Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental (DSPA), está danificada uma parte das condutas subterrâneas que ligam a ETAR e a estação de bombagem de efluentes. As obras deverão demorar três dias, entre 24 e 26 deste mês. As águas residuais da península serão, temporariamente, canalizadas para as zonas costeiras através das redes da estação de bombagem. A DSPA promete que vão ser fiscalizadas “constantemente” a qualidade da água nas zonas costeiras e as variações ambientais circundantes.

 

Cerimónia | Corpo de Bombeiros com mais 56 homens

[dropcap style≠’circle’]T[/dropcap]omaram ontem posse os 56 instruendos do curso de formação das Forças de Segurança de Macau, que via já na 24.a edição. O Corpo de Bombeiros foi deste modo reforçado com mais de meia centena de elementos. O curso, com a duração de mais de oito meses, é dividido em três fases, incluindo o estágio. Os novos bombeiros estudaram técnicas de salvamento, de combate a incêndios e de gestão de substâncias químicas perigosas. O curso aborda ainda conteúdos relacionados com o Regulamento de Segurança contra Incêndios, o Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau e o Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau.

Contas | Cavalos continuam no vermelho

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Companhia de Corridas de Cavalos de Macau, que explora o Macau Jockey Club, fechou 2016 com prejuízos superiores a quatro milhões de patacas. O relatório das contas do exercício do ano passado foi ontem publicado em Boletim Oficial. A empresa detém o monopólio das corridas desde 1978, sendo que o contrato termina no próximo dia 31 de Agosto. No relatório, a empresa que tem Angela Leong como vice-presidente informa que a companhia está em processo de aplicação da renovação do contrato de concessão de corridas pelo Governo da RAEM.

20 Jul 2017

Nomeados membros do Conselho e Assembleia da UM

[dropcap style≠’circle’]F[/dropcap]oram ontem nomeados em Boletim Oficial os membros do Conselho e da Assembleia da Universidade de Macau. No primeiro órgão, não há alterações, sendo que são poucas as mudanças na Assembleia. As nomeações dizem respeito ao período entre 1 de Agosto deste ano e 31 de Julho de 2020.

Assim, o Conselho da Universidade continua a ter como presidente Peter Lam. Nascido em Macau em 1949, o empresário é membro do Conselho Executivo, ocupou vários cargos na Fundação Macau e é vice-presidente do Conselho de Ciência e Tecnologia de Macau. Foi membro da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês.

Na vice-presidência permanecem Lei Pui Lam, antigo deputado à Assembleia Legislativa (AL), e Wong Chong Fat. Lau Veng Lin é o tesoureiro. Os restantes membros são Anabela Ritchie, antiga presidente da AL; o ex-deputado e antigo porta-voz do Conselho Executivo Tong Chi Kin; Frederico Ma, presidente do conselho de administração do Fundo para o Desenvolvimento das Ciências e da Tecnologia; o engenheiro e deputado Chui Sai Peng; Stanley Au, empresário e antigo deputado; Leong Heng Teng, ex-deputado e porta-voz do Conselho Executivo; Ho Iat Seng, presidente da AL; Vong Hin Fai, deputado e advogado; o empresário Eric Yeung; Patrick Huen Wing Ming, presidente do Banco Seng Heng; e o empresário Choi Koon Shum.

Quanto à Assembleia da Universidade, são feitas algumas alterações. Daniel Tse passa a integrar o órgão. O Bispo Stephen Lee foi nomeado para a vaga que era até agora ocupada por José Lai. Com a morte de Lei Pang Chu, vice-presidente do jornal Ou Mun, ficou uma cadeira vazia. Outra mudança tem que ver com a saída de Lionel Leong, secretário para a Economia e Finanças.

De resto, mantêm-se os membros que já lá estão: o empresário Ng Fok; Vítor Ng, ex-presidente da Fundação Macau; o magnata Stanley Ho; o engenheiro Siu Yin Wai; Zhou Li Gao; António Ferreira; Maria Edith da Silva, ex-presidente da direcção da Escola Portuguesa de Macau; Ma Iao Lai, empresário e membro do Conselho Executivo; Susana Chou, antiga presidente da AL; o arquitecto José Pereira Chan; Ho Iat Seng; Jorge Neto Valente, presidente da Associação dos Advogados de Macau; o empresário Wong Chi Seng; o engenheiro e empresário Wong King Keung; Liu Chung Laung, académico; Lao Ngai Leong, empresário e delegado à Assembleia Popular Nacional; Cheng Kar Shing, empresário; Fok Chun-wan, empresário e filho de Henry Fok; e o empresário Kong Tat Choi.

20 Jul 2017

APG | Licenciamento de junkets e concessões é “robusto”

 

Macau recebe nota positiva no Relatório de Avaliação Mútua aprovado pelo Grupo Ásia-Pacífico contra o Branqueamento de Capitais. O licenciamento de concessões, subconcessões e junkets é considerado “robusto”. Governo diz que percepção dos riscos pode ainda ser maior

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Relatório de Avaliação Mútua de Macau relativo ao branqueamento de capitais tem estado a ser avaliado numa reunião anual do Grupo Ásia-Pacífico contra o Branqueamento de Capitais (APG) a ter lugar em Colombo, capital do Sri Lanka, onde o Governo da RAEM está representado.

Segundo um comunicado do Gabinete de Informação Financeira (GIF), o território recebeu uma nota positiva sobre esta matéria, tendo obtido a notação de “Eficácia Substancial” no domínio da supervisão. Na visão do GIF, esta atribuição “não é muito frequente entre as jurisdições avaliadas a nível mundial”.

O relatório, que obteve aprovação do APG, aponta que “os requisitos de licenciamento no sector do jogo para as concessionárias, subconcessionárias e promotores de jogo é robusto”.

Além disso, o relatório aponta que Macau tem vindo a aplicar medidas respeitantes ao “licenciamento e avaliação de idoneidade” que incluem “os promotores de jogo e os seus colaboradores”.

O mesmo documento dá ainda uma nota positiva ao trabalho da Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos (DICJ), por esta possuir “uma equipa de auditoria experiente e adequadamente qualificada” para a supervisão das medidas adoptadas.

“A qualidade dos relatórios de auditoria analisados durante o processo de avaliação foi considerada bastante satisfatória”, acrescenta o comunicado do GIF.

É bom mas não chega

Apesar das boas notas, o Governo considera que é necessário fazer mais para garantir o bom funcionamento das operações associadas às concessões e subconcessões de jogo.

“As obrigações contidas nas novas instruções e os riscos associados à indústria são, regra geral, do conhecimento das concessionárias e subconcessionárias. Todavia, o Governo reconhece que o nível de conhecimento e compreensão das obrigações e dos riscos associados pode ainda ser fortalecido”, lê-se no comunicado.

O Executivo lembrou que as novas medidas de fiscalização das operações junket, uma vez que actualmente existe um “sistema de duplo escrutínio no que respeita à admissão de promotores de jogo”.

Esse processo de verificação da idoneidade e licenciamento é feito junto das concessionárias e também das subconcessionárias “antes de estas estabelecerem relações formais de negócio com os promotores de jogo”.

“No futuro, o Governo vai continuar a melhorar e a reforçar a supervisão do sector do jogo, exigindo um contínuo cumprimento dos padrões internacionais vigentes no domínio do combate ao branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo”, conclui o comunicado do GIF.

20 Jul 2017

Entrevista | Cláudia Varejão, realizadora

O filme “Ama-San”, da realizadora portuguesa Cláudia Varejão, integra o ciclo que está a decorrer na Cinemateca Paixão, dedicado ao cinema documental. O interesse pelo Oriente vem de longe. A produção dedicada às “amas”, mulheres mergulhadoras japonesas, já foi galardoada em vários festivais e é um momento de encontro entre a cineasta e este lado do mundo

[dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]omo é que apareceu a ideia de fazer “Ama-San”?
Tive conhecimento destas comunidades de mulheres mergulhadoras em 2012, ao ler um livro de poesia de uma amiga, onde encontrei uma referência aos seus corpos que partiam à procura de pérolas, nas zonas costeiras do Japão. Na altura, não sabendo se era uma imagem ficcionada pela autora, comecei a pesquisar. Impressionou-me muito o que fui encontrando, desde a existência desta prática, que tem cerca de dois mil anos de existência, à bravura destas mulheres que arriscavam as vidas num trabalho tão duro. Estamos a falar de um contexto patriarcal, absolutamente dominado pelo poder dos homens e onde estas mulheres, muitas vezes, são o elemento estrutural na economia da família. Preocupou-me também que estivesse diante de uma tradição em vias de extinção. Ao longo do processo, tive a sorte de me fazer acompanhar de pessoas que acreditaram na minha vontade e capacidade de fazer este filme. Recebi uma bolsa da Fundação Oriente de Lisboa para fazer uma primeira viagem ao Japão, onde fiz um levantamento fotográfico de algumas vilas piscatórias onde as “amas” mergulham. Foi nesse período que conheci Wagu, a vila onde mais tarde viria a filmar. Na segunda viagem, em 2014, trabalhei exclusivamente no filme. Contei com a produção da Terratreme Filmes em Portugal, a Pillow Films no Japão e o apoio financeiro do Instituto do Cinema. Para finalizar o filme, contámos com a co-produção com a suíça Mira Film e apoio financeiro da televisão suíça. O Oriente em geral e o Japão em concreto sempre fizeram parte dos meus interesses culturais e até de vivência quotidiana. Não é inocente portanto o meu interesse pelas “amas”.

Além da experiência cinematográfica, foi uma experiência pessoal? 
Sim. Procuro um cinema com fortes laços na realidade, na vida que se move diante dos meus olhos. Geralmente, quando filmo, crio fortes laços de afecto com as pessoas. Desde as pessoas que estão diante da câmara, passando por todas as que estão em redor e as que me acompanham depois, na fase mais isolada de pós-produção. Neste filme criei um laço que me é muito querido com uma das “amas”, a que corresponde à geração do meio, a Mayumi. Foi ela que me ajudou a concretizar muitas das cenas que desejei filmar. Houve um entendimento muito bonito, muito maternal da parte dela para comigo, que se transformou dentro de mim num agradecimento profundo. Ainda hoje, à distância, trocamos mensagens por telefone. Não são escritas por causa da língua, trocamos fotografias semanalmente uma com a outra. Para o público, o que fica, são os filmes. Para nós, que os fazemos, o que nos fica são as memórias, mas sobretudo as relações que criamos para o resto da vida.

Existiram algumas dificuldades específicas na produção deste filme?
Não tenho propriamente um método para encontrar o meu cinema. Há muitas ferramentas de trabalho que ainda estou a descobrir e a explorar. Em nada muda a minha aproximação à realidade ou à ficção. Eventualmente, apenas a constituição da equipa com quem trabalho. Mas o meu olhar e a forma como o dirijo a quem está diante de mim são sempre os mesmos. Nesse sentido, é possível que se confundam os géneros nos meus filmes. Em verdade, parece-me que a catalogação do género é um conceito criado para o mercado de distribuição e de exibição em festivais e salas. Nós, realizadores, somos mais livres internamente se pensarmos menos isso. Não preparei absolutamente nada com as “amas”, em termos de cenas e narrativas, antes de filmar. O que foi acontecendo foi sendo filmado com a cadência da realidade, do quotidiano, da relação que íamos estabelecendo entre nós e moldado pelo meu olhar com a câmara. Muito pontualmente, repetiu-se alguma cena. Mas pouco. Depois, houve a incompreensão da língua, para ambos os lados. Filmar num contexto em que não se domina o nosso mais seguro cartão-de-visita, a palavra, exige a criação e recriação dos modelos em que estamos habituados a trabalhar e a comunicar. No caso deste filme, o facto de não dominar o japonês, acabou por resultar a favor do próprio filme: deu-lhe uma determinada intimidade. Falava sempre através da minha assistente de realização, a Aya Koretzky, que ia traduzindo aquilo que eu precisava. Por isso mesmo, quando filmava, as “amas” ignoravam a minha presença pois sabiam que não iriam falar directamente comigo. E talvez isso resulte no tal olhar íntimo que se atribui ao filme, na naturalidade dos gestos.

É um filme que tem sido destacado um pouco por todo o lado. Mais um trunfo para o cinema português?
O filme tem tido um percurso muito fluido no circuito de festivais, com alguns prémios que nos têm deixado a todos felizes. A força que atravessa a vida destas mulheres tem dado que falar. Motiva as pessoas a irem ver o filme e cria um discurso após as sessões. Quer dizer que qualquer coisa no mundo está a mudar. As consciências estão a criar raízes mais profundas, o olhar está mais livre, menos submisso às ideias que carregamos de um passado profundamente desequilibrado para as questões de género. Os estereótipos estão, lentamente, a cair. A curiosidade do público tem enchido as projecções nos festivais e a estreia comercial em Portugal foi um sucesso de bilheteira, tendo em conta o tipo de filme: é de baixo orçamento e é documental. Por todo esse retorno e reconhecimento pelo trabalho da equipa, mas sobretudo pelas “amas”, eu fico feliz. Gostava que a vida das “amas” ecoasse nas nossas próprias vidas, que nos fizesse sentir mais do que pensar. Estas mulheres viraram do avesso a própria sociedade japonesa. São um caso raro, não só no Japão mas em todo o mundo, em que as mulheres conseguiram anular uma série de estereótipos associados à feminilidade. As “amas” conquistaram a sua liberdade através do amor e força, pelo mar, pelas suas famílias, pela vida. São a poesia, mas é ainda mais, tudo verdade.

O que falta à indústria portuguesa para que se possa desenvolver e internacionalizar?
Portugal não tem uma indústria de cinema. Portugal é dos países europeus com maior dificuldade em produzir os seus próprios filmes. A única fonte de financiamento dentro do nosso país é o Estado português que, através da lei do cinema, cobra uma taxa às operadoras que depois reverte para os cofres do Instituto do Cinema e Audiovisual. Esta é a única verba disponível localmente. E, como é fácil de imaginar, o dinheiro não chega para alimentar nem um terço do potencial que temos no nosso país. Grande parte dos filmes produzidos actualmente recorre a co-produções internacionais, um pouco por todo o mundo. Vivemos com muita dificuldade. Há uma linha imensa de profissionais no cinema, desde produtores, realizadores, técnicos, distribuidores, festivais de cinema, que vivem permanentemente a fazer omeletas sem ovos. O trabalho é extremamente subvalorizado e precário. Somos um grupo de loucos alimentados quase só pela nossa fé e prazer. Para as novas gerações o estrangulamento é uma barreira bruta para darem início aos seus filmes. Ao cinema, e a toda a cultura que se produz em Portugal, falta investimento, estratégia, visão, e responsabilidade do Governo. Vivemos subfinanciados há muitos anos. É assustador que não se aprenda com os erros cometidos no passado. Os cortes no sector são permanentes. Cultura é produção de saber e, por sua vez, crescimento de uma sociedade. É a nossa mais preciosa herança. Sem memória não somos nada. Não posso naturalmente exigir o mesmo financiamento para a cultura e para a saúde. São necessidades de uma ordem muito distinta. As doenças culturais não são visíveis da mesma forma que o nosso corpo se expressa. São doenças que, por exemplo, se reconhecem na forma como as cidades crescem. Estão à nossa volta se as quisermos ver. E enquanto não existir esta consciência generalizada, continuaremos a viver, no sector da cultura, desamparados e a levar as nossas próprias energias ao limite. Para rematar este discurso triste, ainda que necessário, devo dizer que o cinema português está em grande forma. Aliás, sempre esteve. Temos autores com uma obra extraordinária, que são reconhecidos dentro e fora do nosso país e cujo os prémios que permanentemente lhes são atribuídos enchem de orgulho o público em geral. É, para mim, quase comovente que se consiga caminhar tanto e tão longe quando o corpo está permanentemente a ser impedido. Maior sinal de que o cinema que produzimos é dos mais ricos do mundo parece-me impossível. E a ideia de que o público português não vê o seu própria cinema é um boato mal contado. Por exemplo, os números de espectadores que o “Ama-San” tem feito em sala revelam um público muito curioso e participativo. Maior sinal de vitalidade é impossível. Só falta mesmo que olhar dos nossos políticos se encontre com a realidade. Entretanto, nós continuamos, individualmente mas unidos, a cuidar do cinema.

O que é que a impressionou deste lado do mundo? 
O Oriente é, de facto, um mundo específico dentro do nosso mundo. Muito se aprende na diferença. Mas o ser humano é sempre o mesmo. É aí que reside o meu fascínio e o meu olhar: na total diversidade humana que converge num só.

20 Jul 2017

Mãe do activista Huang Qi diz que ele poderá morrer na prisão

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] mãe do activista chinês Huang Qi, fundador do portal “64 Tianwang”, disse que o filho está gravemente doente e poderá morrer na prisão, informou ontem a organização não-governamental Human Rights China. Huang Qi, que dirige a plataforma distinguida no ano passado pela organização Repórteres Sem Fronteiras com o prémio de liberdade de imprensa, foi detido em várias ocasiões por denunciar abusos do poder político.

Desta vez, o activista está detido desde finais de 2016, acusado de “revelar segredos de Estado ao estrangeiro”, por ter partilhado um documento do governo municipal de Mianyang, na província de Sichuan, no referido portal. Ao todo, o ativista já esteve preso mais de oito anos.

“Em resultado dos espancamentos e outros abusos que sofreu durante períodos de detenção”, Huang sofre de acumulação de líquido no cérebro, uma doença cardíaca reumática e insuficiência renal crónica, que requerem medicação diária, de acordo com a Human Rights China.

Depois de, na semana passada, o dissidente chinês e Nobel da Paz Liu Xiaobo ter morrido enquanto cumpria uma pena de 11 anos, a mãe de Huang Qi, Pu Wenqing, está “especialmente preocupada” e receia que o filho também morra na prisão, acrescentou o mesmo comunicado.

A Human Rights China denunciou também que as autoridades de Sichuan ameaçaram em numerosas ocasiões Pu Wenqing, que pediu publicamente a libertação do filho por razões humanitárias.

O portal “64 Tianwang” ajuda pessoas a encontrar familiares desaparecidos e difunde informação relacionada com a defesa dos direitos humanos e assistência a grupos vulneráveis.

20 Jul 2017

Pequim volta a pedir à Índia retirada de tropas do Tibete

[dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]hina renovou o apelo à Índia para que retire imediatamente as tropas do extremo sul do Tibete, território disputado nos Himalaias, na sequência de informações de que forças chinesas realizaram exercícios com fogo na região.

O porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês Lu Kang afirmou que as tropas indianas têm de deixar a área, para evitar uma “escalada da situação”. “Nós afirmamos por várias vezes que esperamos que o lado indiano tenha um entendimento claro da situação e que tome medidas para retirar as tropas que ilegalmente cruzaram a fronteira”, afirmou Lu, em conferência de imprensa.

As relações entre Pequim e Nova Deli atravessam um momento de renovada tensão, com as autoridades dos dois lados a sugerir um conflito ainda mais sangrento do que a guerra de 1962, que deixou milhares de mortos.

Os comentários de Lu surgem depois de a televisão estatal CCTV ter informado na semana passada que uma brigada do exército chinês, equipada com lança-foguetes, metralhadoras e morteiros, simulou recentemente uma ofensiva no Tibete. O exercício envolveu também a localização e foco na aviação do inimigo, segundo a reportagem.

O extremo sul do Tibete é uma área também reclamada pelo Butão, aliado da Índia. A reportagem não indicava onde e quando decorreram os exercícios militares.

A crise deverá ser abordada durante a visita do Conselheiro de Segurança Nacional indiano, Ajit Doval, a Pequim, entre 27 e 28 de julho, para participar de um fórum do grupo de economias emergentes BRICS, dedicado à segurança. No entanto, devido aos sentimentos nacionalistas entre a opinião pública dos dois países, nenhum dos lados deverá ceder, até que o duro inverno nos Himalaias obrigue a uma retirada. China e Índia, ambas potências nucleares, partilham uma fronteira com 3.500 quilómetros de extensão, a maioria contestada.

A disputa mais recente aconteceu em junho, depois de a China ter começado a construir uma estrada para o planalto de Doklam, ou Donglang, em chinês, uma região reclamada pela China e pelo Butão, que mantém com a Índia uma cooperação próxima a nível de segurança.

Apesar de China e Butão terem vindo a negociar as fronteiras durante décadas, sem incidentes sérios, o pequeno reino dos Himalaias pediu desta vez ajuda a Nova Deli, que enviou tropas através da fronteira, desde o estado de Sikkim.

A China retaliou ao fechar o acesso a uma montanha próxima, usada por peregrinos indianos para chegarem ao monte Kailash, um local sagrado no Tibete para budistas e hindus.

China entra no mercado de drones de combate

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] drone chinês CH-5 ‘Rainbow’ está pronto para entrar no mercado de veículos aéreos não tripulados de combate. “O design do CH-5 foi finalizado e estamos prontos para produzi-lo em massa”, confirmou o gerente do projeto do CH-5 ao jornal China Daily.

O Rainbow provavelmente vai competir com o MQ-9 Reaper, que se tornou o único drone usado pelas Forças Armadas dos EUA a partir de 1 de julho deste ano, quando o Predator foi retirado.

Os produtores chineses não quiseram especificar qual é o mercado dos seus novos produtos. Entretanto, o Wall Street Journal publicou na segunda-feira que Emirados Árabes Unidos, Egipto e Arábia Saudita já compraram drones chineses depois de uma nega dos produtores americanos. “Para os EUA, este é um golpe estratégico e comercial”, observou o Wall Street Journal.

Os drones fabricados na China podem são consideravelmente mais baratos do que os Predadores e Reapers da General Atomics. “Estamos em sintonia com o que a China está fazendo”, disse um funcionário da Casa Branca ao Wall Street Journal.

O CH-5 tem uma autonomia de voo de até 60 horas e pode carregar 24 mísseis. Ele pode ser usado para combate, inteligência, reconhecimento e vigilância.

20 Jul 2017

Apple quer quebrar domínio de concorrentes na China

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] empresa norte-americana Apple lançou esta semana uma campanha na China para promover a sua plataforma de pagamentos móveis, visando contrariar o domínio exercido no país pelos gigantes Tencent e Alibaba, avançou ontem a imprensa local.

A Apple vai oferecer descontos de até 50%, quando os clientes optarem por pagar com o seu serviço Apple Pay, numa tentativa de aumentar a sua quota de mercado no maior mercado do mundo de pagamentos móveis. Os gigantes chineses da Internet Tencent e Alibaba, através do Wechat e Alipay, respectivamente, dominam 92% do mercado.

“O nosso objectivo é que todos os utentes da Apple utilizem Apple Pay” no país, afirmou a vice-presidente da Apple Pay, Jennifer Baily, citada pelo portal de informação financeira Caixin. A China é o segundo maior mercado do mundo da Apple, a seguir ao dos Estados Unidos da América.

A Apple só lançou o seu serviço de pagamentos móveis no país em Fevereiro de 2016. Na semana passada, a empresa anunciou um investimento de 1.000 milhões de dólares na província de Guizhou, para a criação de um centro de armazenamento de dados, de acordo com as novas regras aprovadas pelo Governo chinês de que as firmas estrangeiras armazenem na China dados recolhidos no país.

Além disso, a Apple anunciou ontem a nomeação de Isabel Ge Mahe, a vice-presidente de tecnologias móveis, como a sua mais nova vice-presidente e directora da região da Grande China, especificamente.

Ge Mahe, que assumirá o novo cargo em Xangai, gerirá os negócios da Apple na China continental e também em Hong Kong, Macau e Taiwan, respondendo diretamente ao CEO Tim Cook e ao COO Jeff Williams.

“A Apple está fortemente comprometida em investir e crescer na China, e estamos contentes que a Isabel trará sua experiência e liderança a para nossa equipa chinesa”, disse Cook. “Ela dedicou boa parte do seu tempo em anos recentes a entregar inovação em benefício dos consumidores Apple na China, e esperamos fazer contribuições ainda maiores sob a sua liderança.”

Suspensa importação de lixo estrangeiro

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] China informou à Organização Mundial do Comércio nesta terça-feira que deixará de receber carregamentos com detritos do exterior, como plástico e papel, numa nova campanha contra o “lixo estrangeiro”. A medida, que entrará em vigor no final de 2017, incluirá diversos tipos de resíduos provenientes da produção industrial, incluindo subprodutos da siderurgia, cinzas, tecidos e fios.

“Descobrimos que grande quantidade de resíduos sujos ou mesmo resíduos perigosos são misturados nos resíduos sólidos que podem ser utilizados como matéria-prima. Isto poluiu seriamente o meio-ambiente na China”, diz o documento enviado pela delegação chinesa e reproduzido pela Reuters. “Para proteger os interesses ambientais da China e a saúde de sua população, estamos ajustando em caráter de urgência a lista de resíduos sólidos importados, proibindo a importação de resíduos altamente poluídos”.

A China é a maior importadora de resíduos no mundo. No ano passado, o país recebeu 7,3 toneladas apenas de restos de plástico, o que corresponde a 56% do total mundial e a 3,7 mil milhões de dólares em valor de mercado. Além de Hong Kong, os maiores fornecedores foram o Japão e os Estados Unidos, que responderam por cerca de 10% desse volume cada um, de acordo com o Centro Internacional de Comércio. Esses dois países também são as maiores fontes do papel usado comprado pelos chineses, respondendo pela metade do total importado por Pequim.

Em Abril, o governo chinês lançou um plano para reformar a gestão de resíduos importados. No início deste mês, o Ministério de Proteção Ambiental realizou uma grande operação para inspecionar as empresas nacionais do sector, e identificou uma série de irregularidades cometidas pelas mesmas. Ao todo, 66% das companhias visitadas, ou 590, em números absolutos, apresentaram alguma violação.

Mulher presa com 102 iPhones e 15 relógios

[dropcap style≠’circle’]U[/dropcap]ma mulher foi detida pela alfândega de Shenzhen, na China, com 102 iPhones presos ao corpo, além de 15 relógios de luxo. Shenzhen faz fronteira com Hong Kong, sendo rota de contrabandistas que tentam chegar ao outro lado. Existe uma diferença de preço entre iPhones comprados em Hong Kong e os disponíveis na China continental. Em Hong Kong, o smartphone é mais barato, sendo uma óptima “oportunidade” contrabandear os produtos para ganhar algum dinheiro rápido. Claro, quanto mais unidades o criminoso tiver disponível, maior será o lucro. Porém, carregar centenas de aparelhos numa bagagem é um meio de ser apanhado facilmente. Então, o método preferido é amarrá-los ao corpo e tentar agir de forma natural. A mulher tentou isso com 102 iPhones e falhou. Não é para menos: o peso total ascendia a cerca de 20 quilos. Funcionários da alfândega em Shenzhen notaram algumas protuberâncias incomuns no seu corpo e isso chamou a atenção. Uma vez que sua roupa foi totalmente revistada e todos os smartphones e relógios removidos, ela acabou por ser presa.

20 Jul 2017

WhatsApp regista interrupções

 

A aplicação de mensagens instantâneas tem registado, desde terça-feira, interrupções no serviço na China, suscitando receios de que possa ser parcialmente bloqueado no país, à semelhança de várias outras ferramentas ‘online’ estrangeiras.

[dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]urante grande parte de terça-feira, o WhatsApp esteve inacessível na China, a menos que os utilizadores recorressem a uma VPN (Virtual Proxy Network), mecanismo que permite aceder à Internet através de um servidor localizado fora do país. Muitos dos utilizadores na China daquele serviço de mensagens instantâneas, que é detido pelo Facebook, são estrangeiros a residir no país, que têm assim uma alternativa ao WeChat, o serviço chinês mais utilizado no país, mas que está sujeito ao controlo e censura impostos pelas autoridades locais.

As interrupções no serviço do WhatsApp surgem num período politicamente sensível para a China. No outono, vai decorrer o congresso do Partido Comunista Chinês (PCC), o mais importante acontecimento da agenda política chinesa, que se realiza de cinco em cinco anos. Na semana passada, o activista chinês e prémio Nobel da Paz de 2010 Liu Xiaobo morreu enquanto cumpria uma pena de prisão de 11 anos por subversão contra o poder do Estado.

Um estudo divulgado esta semana pela Universidade de Toronto mostra como a censura chinesa conseguiu bloquear, em tempo real, imagens de homenagens a Liu, em conversas privadas no ‘Wechat’, ilustrando a sofisticação do sistema de reconhecimento de imagens do aparelho de censura do regime. Na noite de terça-feira, já era possível enviar mensagens através do ‘WhatsApp’ na China, mas não partilhar imagens.

Um pesquisador chinês, conhecido pelo pseudónimo Charlie Smith, considerou que as autoridades optaram por bloquear todas as mensagens não escritas, precisamente porque não conseguiam fazer uma censura selectiva, como no ‘WeChat’, que pertence ao gigante chinês da internet Tencent. Como o conteúdo do WhatsApp é encriptado, “eles optaram por fazer uma censura bruta de todas as mensagens não escritas”, afirmou Smith, citado pela agência Associated Press (AP).

“Não seria de surpreender que tudo no WhatsApp fosse bloqueado, forçando os utilizadores na China a usar serviços não encriptados, censurados e monitorados, como o WeChat”, acrescentou.

Um porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês disse na terça-feira não ter qualquer informação sobre o que se passou com o WhatsApp.

Com 1,2 mil milhões de utilizadores, o WhatsApp é um dos serviços de mensagens instantâneas mais usado no mundo. É detido pelo Facebook, que está bloqueado na China desde 2009. A plataforma digital de distribuição de vídeos Youtube, a rede de mensagens instantâneas Twitter ou o motor de busca Google também estão bloqueados na China, com Pequim a argumentar que redes sociais a operar fora do seu controlo constituem uma ameaça para a segurança nacional.

As autoridades têm também prestado crescente atenção a aplicações que utilizam mensagens encriptadas. Depois de Pequim ter lançado uma campanha contra ativistas e advogados dos Direitos Humanos no país, em 2015, o Diário do Povo, jornal oficial do PCC, apontou a aplicação ‘Telegram’ como a plataforma onde os advogados coordenavam as suas atividades. Em tribunal, os advogados foram também forçados a confessar como usavam aplicações de mensagem encriptadas para comunicar livremente com colaboradores estrangeiros. O Telegram foi, entretanto, bloqueado no país, e muitos dissidentes chineses optam agora por utilizar o WhatsApp.

20 Jul 2017

Molina e a escrita

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]m Beatus Ille, um estudante é seduzido a escrever uma tese de doutoramento sobre Jacinto Solana, pretensa figura mítica de poeta da resistência republicana e afinal apócrifa, mas supostamente condenado à morte no final da guerra, depois indultado e finalmente morto durante uma escaramuça com a Guarda Civil. O romance decorre a expensas da investigação e vai-se revelando através de uma lógica de mis em abîme. A dada altura a biografia de Jacinto Solana passa para segundo plano e ganha forma a morte de Mariana que foi mulher de Manuel e amante de Solana. Afinal o crime que a a propósito da investigação sobre Solana, Minaya descobre, está relacionado com uma mulher perturbadora e o investigador cai nas malhas do seu poder de sedução, uma vez que sem o saber, Minaya ao apaixonar-se por Inês, repete a história de há trinta anos de Jacinto Solana e Mariana, a mulher mandada matar pela mãe de Manuel. A grande personagem do livro é esta mulher, mãe de Manuel, reaccionária, preconceituosa, racista, odiosa mesmo, mas de uma fibra conservadora notável. Não temos como não a respeitar e até admirar, na sua fidelidade inquebrantável aos valores que a formaram e lhe deram a consistência moral e de carácter para segurar a Casa, já que desde o sogro, Dom Apolonio, passando pelo marido até ao filho se viu rodeada de um bando de falhados e pusilânimes, aristocratas decadentes, dissipadores por natureza, fracos em tudo, tanto nas convicções como nos princípios, incapazes, cobardes e incompetentes, mas com um aristocrático fair play, como qualquer aristocrata que se preze. Vale a pena, pois é o lugar oportuno, oferecer aqui uma página das melhores do romance, das mais divertidas e ao mesmo tempo das mais sérias e uma pérola da arte narrativa de Molina.

Minaya é chamado ao quarto de D. Elvira, a megera:

“Entre, ouviu primeiro a dura voz do outro lado da porta, e a seguir, quando entrava, o leve cheiro de Inês perdeu-se num perfume desconhecido e denso que ocupava tudo, como se também fizesse parte da presença não visível, da encerrada solidão das roupas e dos móveis de outro tempo que envol­viam D. Elvira. «Não é o cheiro de uma mulher», pensou, mas sim de um século: assim cheiravam as coisas e o ar há cinquenta anos. Sem levantar os olhos, Inês fez uma vaga reverência e pousou a bandeja numa mesa próxima da janela. «Vai-te embo­ra», disse D. Elvira, e não olhou para ela, porque tinha estado a observar Minaya desde que entrara e mesmo quando ele a ajudou a sentar-se perto da mesa do chá continuou a oihar pa­ra ele no espelho do guarda-fatos, desajeitado, solícito, inclina­do sobre ela, consciente do silêncio que não sabia como que­brar e dos olhos frios e sábios que já o tinham julgado.

— Pareces-te com a tua mãe — disse, contemplando-o de­vagar por trás do fumo e da chávena de chá. — Os mesmos olhos e a mesma boca, mas a maneira de sorrir é do teu pai. Era assim que sorria o meu marido e todos os homens da sua família, e até a tua avó Cristina, que era tão bonita como tu. Não viste o retrato dela que o meu filho tern no quarto? Sor­riem para que vos desculpem as vossas mentiras, nem sequer para as ocultar, porque sempre vos faltou o sentido moral necessário para distinguir o que é justo do que não o é, ou para que isso vos importe. Era por isso que o meu pobre marido se desculpava antes de cometer um erro ou de dizer uma mentira, nunca depois. Para ele não havia nada que não pudesse ser perdoado. Nunca o seu sorriso foi mais cândido nem mais en­cantador do que quando me informou que tinha vendido uma quinta de mil oliveiras para comprar urn desses automóveis italianos, Bugattis, creio que lhe chamavam. Foi com ele e com uma galdéria a Monte Carlo e voltou daí a urn mês sem automóvel nem galdéria, e sem um cêntimo, é claro, mas veio com urn smoking correctíssimo e um ramo de gladíolos e sorriu como se tivesse viajado até à Côte d’Azur exclusivamente para me comprar as flores. O meu filho, em compensação, nunca soube sequer sorrir como o pai, ou como o teu, que também era urn aldrabão da pior espécie. Equivocou-se tanto como qualquer deles, mas corn toda a seriedade do mundo, como se comungasse. Foi como voluntário para esse exército de esfo­meados que nos tinham tirado metade da nossa terra para a repartirem, e por pouco perde a vida lutando contra os que eram de facto os seus, e como se ainda fosse pouco casou com aque­la mulher que já era prato de segunda ou terceira mesa tu en­tendes-me, e até queria ir para França corn ela. Mas tenho a certeza que tu não és inteiramente como eles, como o meu ma­rido e o meu filho e o louco do teu pai, ou como o teu bisavô; D. Apolonio, que os contagiou a todos corn a sua vigarice e a sua loucura, mas não corn a sua capacidade de ganhar dinheiro. Todos uns aldrabões, bárbaros ou inúteis, ou as duas coisas ao mesmo tempo, como o meu marido, oxalá Deus o tenha na sua glória, mas que se tarda mais alguns anos a morrer nos deixa na miséria, corn aquela mania que the deu de coleccionar pri­meiro cavalos de puro sangue e depois mulheres e automóveis. Por isso fez tanta amizade com Afonso XIII quando era depu­tado. Tinham os mesmos hobbies, e nenhum dos dois se preo­cupava em ocultá-los. Se calhar o teu pai contou-te que quando o rei veio a Mágina em 24 esteve uma tarde a tomar chá con­nosco, nesta casa. Pálidos de inveja, ficaram os fidalgos, ao ve­rem a familiaridade corn que o rei tratava o meu marido, (…) Na última noite da sua visita a Mágina, Afonso XIII desapareceu, coisa que ao que parece tinha por costume, e nin­guém, nem a rainha nem D. Miguel Primo de Rivera, que ti­nha vindo com ele, nem os militares da escolta sabiam onde encontrá-lo. Às duas da manhã acordou-me o telefone. Era Primo, tão nervoso que nem parecia bêbedo. «Elvira, encon­tra-se Sua Majestade em sua casa?» «Mas D. Miguel», disse-lhe eu, «vossência acha que se o rei estivesse aqui eu me tinha dei­tado?.» E sabes onde estava? Na Ilha de Cuba, que já então era a única fazenda que nos restava, recebendo corn champanhe duas galdérias de luxo que the tinha arranjado o meu marido, que creio que gozava mais fazendo de terceiro para os amigos do que de galo de briga. Voltou ao amanhecer, despiu-se corn a mesma naturalidade que se viesse da ópera e disse-me, antes de adormecer: «Verdadeiramente, querida, Sua Majestade é um Sportsman».

 

Depois disto, eu não devia escrever mais nada, mas enfim… Beatus Ille é um óptimo exemplo de uma narrativa metadiegética, na medida em que procede de tal modo, trabalha tão bem a verosimilhança e o domínio simbólico que consegue iludir em nós os tempos narrativos e seduzir o leitor para um plano em que é tentado a não ser capaz de distinguir o diegético do metadiegético. Minaya tão depressa nos aparece como um elemento extradiegético como pela via da sua relação familiar com o irmão de Manuel, completamente envolvido pela dimensão diegética, uma vez que é seu filho e portanto sobrinho de Manuel, que o acolhe em sua casa nessa dupla condição de familiar e de simples investigador académico, reparando uma injustiça,. Ele, de resto veste as duas personagens alternadamente, e torna ambígua a sua actividade que oscila entre esse investigador académico, desapaixonado e o investigador policial curioso e comprometido. A sobreposição destas duas narrativas principais sendo que uma parece programada enquanto a outra parasitariamente é estimulada por esta tendo os contornos de uma intriga que se atravessa e se impõe ao narrador através da curiosidade excêntrica de Minaya. A segunda narrativa acaba por fazer passar a primeira para segundo plano, a dada altura já não nos interessa tanto o plano inicial da investigação de Minaya, mas mais as sucessivas armadilhas que a casa lhe arma a toda a hora. A metadiegese absorve a diegese. Eu diria que é essa parasitose, absorção por simbiose inicial, até à completa deglutição e digestão que marca o ritmo do romance. É através de Minaya que se passa de um plano para outro, contudo Minaya não passa de um títere manipulado por um narrador perverso. Este narrador pretende que seja a metadiegese narrativa que a curiosidade ingénua de Minaya exercita sempre sob a forma de um engodo a contar e deslindar a trama da diegese inicial, que sob a capa de uma investigação positiva não passa de uma ficção que apenas serve (serviu) para lançar Minaya para o coração da intriga. Os personagens diegéticos, Minaya e Inês sobretudo são émulos dos enigmáticos Jacinto Solana, Mariana e Manuel. Estes são ao mesmo tempo reais e fictícios, mas quando se compreender as suas histórias passaremos a compreender melhor Inês e Minaya, ou afinal, vice versa.

Em síntese:

Há uma casa em Màgina, um palácio para ser mais rigoroso, onde numa certa época viviam Manuel, Mariana sua mulher, Jacinto Solana que Manuel albergou depois da estadia na prisão deste para o esconder e proteger da Guarda Civil, pois ele era o seu maior amigo o que não obstante isso não impediu que se viesse a tornar amante de Mariana; Dona Elvira, a mãe de Manuel, que a dada altura mandará matar Mariana para vingar a desonra do filho; o agente do crime é um artista de segunda categoria, Utrera, um escultor que vive também e por enquanto, na casa de Manuel desde 1939, numa parte excêntrica da casa. E há ainda Inês, que não sabemos quem é. Esta casa que o avô de Manuel, D. Apolonio, deixou como herdo ao pai de Manuel por inteiro, deserdando a sua outra filha, Cristina, tia de Manuel e avó de Minaya, porque ela se prendeu de amores com um reles amanuense que fazia versos. Os pais de Minaya olhavam muitas vezes para aquela casa como também podendo ter sido sua e quando abandonaram Màgina, era Minaya uma criança ainda, foram à casa despedir-se do primo, Manuel. Minaya recorda muitas vezes a visita a essa casa e quando já adulto volta a ela para investigar a obra literária de Jacinto Solana e a sua vida, supostamente ligada à geração de 27, não deixará de sobrepor as duas impressões da casa.

Relativamente a Solana, percorri por sua causa e por via de uma suspeita intuitiva e imediata, toda a geração de 27 exaustivamente e não encontrei lá nenhum Solana, como eu aliás supunha. Mas não posso deixar de, pelo que representam, referir alguns dos autores mais emblemáticos dessa geração, alguns deles várias vezes referidos no corpo do romance como é o caso de Alberti, por exemplo, como sendo alguém próximo de Solana, os outros de que faço questão foram: Pedro Salinas (18911951), Jorge Guillén (18931984), Dámaso Alonso (18981990), Federico García Lorca (18981936), Vicente Aleixandre (18981984), Luis Cernuda (19021963) e Miguel Hernández (19101942). Eram muitos mais, mas estes talvez sejam ou foram os mais importantes. Grande geração, sem dúvida.

Jacinto Solana não passa portanto de um autor apócrifo, tal como a sua pretensa obra. Muñoz Molina embora através de um tal José Manuel Luque, com ares de trapaceiro e paranóico, chega a referir-se à publicação de um poema de Jacinto Solana na revista Hora de España, órgão dos intelectuais republicanos, dirigida entre outros por Rafael Alberti e Maria Zambrano: isto em Julho de 1937, intitulado Invitatión, que obviamente não existe. Quando Muñoz Molina narra este regresso de Minaya à casa de Mágina, constrói a narrativa usando os dois tempos da presença de Minaya na casa, enquanto criança quando ainda havia Mariana e Solana e agora que existe Inês, por quem se irá apaixonar enquanto conduz a contragosto a investigação para o seu doutoramento sobre Solana. O pseudo Solana tinha sido condenado à morte depois do fim da Guerra Civil, (mas foi amnistiado à última da hora, provavelmente sob a influência de seu amigo Manuel) e terá afinal morrido, anos mais tarde, às mãos da Guarda Civil numa rixa em que por pura bravata revolucionária e romântica se envolveura. Ou não terá sido assim e continuou a viver escondido e na clandestinidade. Viverá ele no imenso palácio de Mágina? Será ele o narrador que de dentro da cama de onde se levanta Inês começa a narrar não só o seu abandono, mas em longa prolepse todos os mistérios da casa e daquele tempo? O abandono foi antes uma ordem, a ida de Inês em direcção a Minaya na estação de comboio é o resultado de uma exigência desta figura estranha que no início do romance veste simplesmente a pele de amante de Inês. De amante ou de pai? Claro que já sabíamos que as últimas páginas do romance seriam a narrativa deste episódio. O autor regressa ao quarto de onde sai agora Inês pelo corredor percorrido por Minaya algum tempo antes. Só ele fica no quarto depois de tomar uma quantidade excessiva de remédios. Daí que Minaya e sobretudo Inês lhe obedeçam. Respeita-se o último pedido de um condenado. Aquele que segundo as suas próprias palavras teima em não morrer. Só pode ser, só podia ser, Jacinto Solana.

Nunca lhe ocorreu, prezado leitor, que é um sacrilégio resumir e tentar explicar uma obra prima, uma obra genial e complexa da arte narrativa. É o que eu sinto agora, mas teimosamente continuo a fazê-lo.

Diria para recomeçar que o texto abre portanto com o anúncio de uma imensa prolepse, o presente em que um narrador abscôndito, anuncia um facto que só irá ocorrer na última parte do romance. Uma mulher abandona um quarto, uma cama, um provável leito conjugal, já que um homem, digo eu, porque por enquanto pode ser até uma mulher, mas não é, iremos saber mais à frente, embora apenas no entardecer do romance, quem é esta personagem, que logo no início do romance está a ser abandonada e trocada (?) por outro, concretamente Minaya que espera Inês na estação de comboios de Mágina, lugar onde fica a casa em que todo o drama irá decorrer. O narrador, o amante trocado ou afinal o pai, pensa até ao último momento que Inês se irá deter como tantas vezes aconteceu e regresse ao quarto, desfaça a mala e se volte a meter nesse leito partilhado. Mas desejando-o não é o que deseja. Ele é o narrador omnisciente que deveria ser aparentemente externo ao romance mas que trai o seu estatuto ao referir o local onde está, que é de onde muito intimamente toma consciência da decisão de Inês. O romance começa cedo a mostrar o seu carácter tenso e sofrido apesar de ser a espaços muito divertido. Mói-nos a nós já o enorme desejo de saber quem é esta pessoa que acaba de se suicidar, de ter dado pelo menos os primeiros passos e assiste ao abandono, a uma perda dolorosa e talvez irreparável e o faz não como quem sofre na pele, esse abandono, mas quase como um mero observador. Minaya, esse que por enquanto também não é nada, um puro nome, sabemos apenas que espera Inês na estação de comboio, a estação ao lado da estrada onde circulam os expressos que “avançam sob a lua pelo vale lívido do Guadalquivir e sobem as encostas de Mágina”. Minaya está esperando mas o narrador acrescenta logo “sem sequer se atrever a desejar que Inês, ma­gra e sozinha, com a sua breve saia cor-de-rosa e o seu cabelo apanhado num rabo de cavalo, vá surgir a uma esquina do cais. Está sozinho, sentado num banco, talvez fumando enquanto olha para as luzes vermelhas, para as linhas e para as carrua­gens paradas no limite da estação e da noite”. O narrador, esse, adensa o suspense e o enigma e vale a pena transcrever por inteiro o que ele, narrando, anuncia misteriosamente:

 

“Agora, depois de fechada a porta, posso, se quiser, imaginar tudo só para mim, quer dizer, para ninguém, posso meter a cabeça debaixo da dobra que Inês alisou com tão secreta ternura antes de se ir em­bora e assim, emboscado na sombra e no calor do meu corpo debaixo dos lençóis, posso imaginar ou contar o que aconteceu e até dirigir os seus passos, os de Inês e os dele, a caminho do encontro e do reconhecimento no cais vazio, como se neste instante os inventasse e desenhasse a sua presença, o seu desejo e a sua culpa.

Fechou a porta e não se voltou para olhar para mim, por­que eu lho tinha proibido, apenas vi pela última vez o seu deli­cado pescoço branco e o início do cabelo e a seguir ouvi os seus passos que se amorteciam ao afastarem-se em direcção ao fundo do corredor, onde pararam. Talvez tenha pousado a mala no chão e se tenha voltado para a porta que acabava de fechar, e nessa altura temi e provavelmente desejei que não continuasse a avançar, mas logo a seguir soaram outra vez os passos, mais longe, muito fundos já, nas escadas, e sei que quando chegou ao pátio parou de novo e ergueu os olhos para a janela, mas não quis ir ver, porque já não era necessário. Bastam a minha consciência e a solidão e as palavras que pronun­cio em voz baixa para a guiar a caminho da rua e da estação onde ele não consegue deixar de a esperar. Já não a preciso es­crever para adivinhar ou inventar as coisas. Ele, Minaya, igno­ra-o, e suponho que acabará por se render, inevitavelmente, à superstição da escrita, porque não conhece a coragem do silên­cio e das páginas em branco. Agora, enquanto espera o com­boio que, quando esta noite chegar ao fim, quando chegar a Madrid, o terá afastado para sempre de Mágina, olha para as li­nhas desertas e para as sombras das oliveiras mais além dos muros, mas entre os seus olhos e o mundo persiste Inês e a ca­sa onde a conheceu, o retrato nupcial de Mariana, o espelho em que se olhava Jacinto Solana enquanto escrevia um poema laconicamente intitulado Invitación. Como no primeiro dia, quando apareceu na casa com aquela aziaga melancolia de hós­pede recém-chegado dos piores comboios da noite, Minaya, (…)”

 

 

E chega! O que havia a perceber já está percebido. Seja lá quem for que na trama do romance é deixado só na casa de Mágina e mesmo se esse não é outro senão o autor, o que já percebemos é que todos não passam de títeres controlados no interior do processo da escrita por aquele que nos começa a segredar que construiu esta história do nada, apenas do vórtice da sua imaginação. É neste tipo de romance que nos rendemos aos méritos de prestidigitação do demiurgo, neste tipo de romance com claras semelhanças com a gloriosa tradição da ficção ibero americana e, neste caso concreto, com Juan Rulfo, Ernesto Sabato, o de Heróis e Túmulos e claro Garcia Marquez.

Alguém resumiu a natureza deste texto, a sua complexidade narrativa, ora aparentemente degética, ora inequivocamente metadiegética, e eu diria metadiegética a vários níveis num entrelaçado de narrativas mis en abîme, anunciado logo no extracto que cito, alguém, dizia, referindo-se a este texto de um modo certeiro que tudo sintetiza: “narrar para contar-lo”. No sentido em que é a narrativa metadiegética que fará que se manifeste a diegese ficcional e que de resto fará com que ela se forme, se constitua em texto mas também em história. Nós queremos saber o que aconteceu a Solana pela investigação de Minaya, de Mariana por Inês, mesmo se nenhum deles existiu e são apenas o pretexto para narrar outra história, ou talvez reescrevê-la porque ela foi até aqui mal contada. Nesse sentido são todos títeres, até o próprio narrador. Só há duas realidades tangíveis: Molina e a Escrita.

20 Jul 2017

Ter galo e ser galo

18/07/2016

[dropcap style≠’circle’]U[/dropcap]ma vez escrevi um sketch de teatro que contava o drama de um assaltante de bancos que amargou sete anos na cadeia sem ter dito onde havia escondido o bolo do assalto e que quando sai finalmente para a sua suprema recompensa dá conta de que houve na semana anterior uma alteração das células e que com a conversão perderá milhões.

Este tipo de situação – “ter galo”, chama-se na gíria – é-me comum. Vou dar um exemplo.

A semana passada fui a um congresso. Designava-se assim: “Cartógrafo de memórias: a Poética de João Paulo Borges Coelho”. Em Moçambique há um deserto no que toca a textos para teatro e à dramaturgia. Decidi então levar ao congresso não um trabalho de académico, mas de um prático, e intentar explicar como se poderia operacionalizar a tradução de um romance de Borges Coelho em peça de teatro. Enfim, só esquematicamente, porque não apresentei a peça mas uma sequencia sinóptica que inclusive só pode servir como ponto de partida pois o teatro é sempre um work in progresso.

Cheguei a Lisboa e estive três dias fechado a imaginar a coisa e a escrever a comunicação. No dia, fui até o primeiro a chegar ao Anfiteatro III, na Universidade de Letras, e enquanto esperávamos tive uma deliciosa conversa com a Ana Paula Tavares sobre o meu emérito bisavô, o explorador de África novecentista Henrique Dias de Carvalho, que lhe serviu como sujeito de tese.

E depois demos início aos trabalhos. Eu era o primeiro a falar, coloco o texto à frente dos meus olhos e espero que o moderador da mesa faça de lebre. Tiro da partida. E à primeira sílaba engancha-me, por causa do ar condicionado, uma irritação na garganta que me faz tossir, tossir sem remissão. Um verdadeiro nó de crude. Nos primeiros dez minutos (tinha direito a 20 m) tossi e fiquei áfono e só consegui ler a primeira página da comunicação. Cavalgo depois o texto, desenfreadamente, enquanto a moderadora da mesa me ia mostrando pequenos alertas, primeiro o cartão amarelo (FALTAM CINCO MINUTOS), depois o vermelho, vários (TERMINE A SUA COMUNICAÇÃO; POR FAVOR), que atrapalharam a menor hipótese de fluência e distraíram a recepção de algo que já estava a ser transmitido com ruído. Foi um verdadeiro acto não-comunicacional. Enfim, a moderadora fez o seu papel, eu tentei agonicamente fazer o meu, mas no ar condicionado havia um um diabo sentado.

Eis o que é ter galo! Veja o meu texto aqui: https://revistacaliban.net/teatralizar-as-m%C3%A1scaras-eab0401ef35b.

Mas desta vez o galo não é só meu. É uma vergonha haver um escritor do calibre de Borges Coelho (muito resolutamente um dos melhores no espaço da língua portuguesa) que é contemplado com um congresso internacional – com gente vinha de Moçambique, Brasil e Estados Unidos –, e não haver espaço nos jornais para uma notícia, não se ter deslocado um único jornalista para cobrir e divulgar o acontecimento.

Pelo contrário, temos páginas duplas dedicadas ao regresso de A Guerra dos Tronos e outras tantas que bordam sobre o falecimento de George Romero, o crânio que institucionalizou em sub-género os filmes sobre zombies.

Faz-me lembrar que uma vez no décimo segundo ano, na disciplina de Português duma filha minha, a professora pediu que eles escrevessem sobre um livro e autor à escolha e a minha filha escolheu um romance do Carlos de Oliveira, o que levou à perplexidade a professora porque não sabia quem era.

As prioridades mediáticas estão todas trocadas e assim de lixo em lixo vamos entristecendo.

Em Macau talvez não, que o escritor moçambicano vai deslocar-se até aí para a semana para, em companhia de Helder Macedo e de Carlos Morais José, oferecerem com certeza uma sessão magnífica a quem se atrever acompanhar tais ventanias mentais.

 

19/07/2017

Lisboa está mesmo transfigurada por causa do turismo. “Já houvera dizer”, como dizia o outro mas não há memória descritiva que assimile uma tal enxurrada. Filas intermináveis nas bilheteiras e um afã desfigurador nas tascas e restaurantes são sinais que exasperam.

Aconteceu-me duas vezes, esta semana, sentar-me com um amigo em restaurantes que frequento há vinte anos e ter de sair porque não reservara previamente uma mesa. Tudo muda, mas por que não poderá ser para melhor?

E há claramente um excesso de oferta cultural na cidade. É uma borbulhagem, um ziguezague que não pode obter qualquer inscrição, qualquer anelo para a memória – pois esta funciona como a arquitectura de jardins, só é despertada se a um nicho de árvores se suceder uma clareira. Se só houver uma mancha opaca de árvores estas tornam-se anónimas, anulam-se entre si. Como não entender isto?

Contra esta massa, densa como todos os equívocos, entrei na INCM e tive a inspiração de pedir o II volume da Obra Poética do Vitorino Nemésio (que me tinha sido surripiada por empréstimo). Há 15 anos que não lia o Limite de Idade e Sapateia Açoriana. Não têm uma ruga, o Nemésio continua a ser um dos grandes poetas do Século XX português, só precisa de leitores menos distraídos. Veja-se o início do poema O AFILHADO: « O meu afilhado epiléptico veio ver-me./ Veio verme. / Verme não é. E, se fosse, isso que tinha?/ Os anelídeos têm os seus anéis elásticos, / Num começo de élan superior, bem soldado,/

A blocos de controlo e direcção,/ Enquanto que ele a perde em centros altamente sinápticos/ E fica pobre e triste entre os apáticos.// O meu afilhado epiléptico/ Veio ver-me/ Veio verme, / Veio eclético (…)», e continua, numa liberdade que não acaba e que faria inveja ao Cesariny.

Sempre que adormeço a ler Nemésio, volto pela manhã a ouvir os galos.

Os que são, não aquele que se tem.

20 Jul 2017

Je suis (um bocado) cigano

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] grande polémica em Portugal esta semana prende-se com as declarações de um candidato às eleições autárquicas do próximo dia 1 de Outubro. O indivíduo, André Ventura de sua graça, é académico, comentador desportivo, e mais recentemente candidato da coligação PSD/CDS à Câmara Municipal de Loures. Ou melhor, era uma coligação, uma vez que o CDS retirou o apoio a Ventura após comentários da parte do mesmo em relação à etnia cigana, supostamente a do concelho a que concorria, e por extensão à restante comunidade residente no resto do país. Segundo o candidato que o PSD não quis deixar cair, “a etnia cigana vive quase toda de subsídios”, e “recusam integrar-se na sociedade”.

Ora claro que isto, e sabemos muito bem, não é de todo verdade. Claro que os ciganos que têm uma vida normal, como qualquer português, nunca são notícia, ao contrário daqueles que preenchem o imaginário criminal do povão: os ciganos vendem droga, assaltam, vivem em casas do estado, invadem as urgências e repartições de finanças, etc., etc..

A comparação em estilo com Donald Trump não é por acaso, e já numa entrada na sua página do Facebook no mês passado, André Ventura tinha escrito isto: “O tempo de dar subsídios a todos sem exigir qualquer responsabilidade vai acabar. O tempo de os nossos impostos servirem para subsidiar marginais tem de chegar ao fim”. De recordar que o candidato ao edil de Loures defende ainda a “prisão perpétua para os delinquentes”, o que a juntar à distribuição justa e equalitária do erário público, são competências que extravazam um mero cargo de autarca.

Há, contudo, como não podia deixar de ser, quem tenha achado que o (ainda) candidato a Loures teve “coragem” e disse “o que muita gente só pensa” ou ainda que tenha “falado as verdades”. Isto mais parece a descrição do bêbado residente da taberna da esquina do que a de um candidato a um cargo político. Aquele discurso não é “corajoso” e muito menos a verdade. É demagogo e populista. O senhor vai resolver os problemas do concelho correndo com residentes desse mesmo concelho, usando como critério a etnia? Meus amigos, aquelas pessoas diferentes de nós que vemos em Portugal, muitos deles já nascidos no nosso país e portugueses como nós, não estão ali por acaso. Somos o tal povo que deu novos mundos ao mundo ou isso só conta na hora de meter sardinhas no bucho a cada 10 de Junho?

Claro que isto me deixa apreensivo, quer como português, quer como pai de um filho mestiço, assim como o são também muitos dos estimados leitores. Investimos na educação dos nossos filhos para que eles consigam competir, singrar na vida e ser cidadãos do mundo, ter horizontes mais largos do que aqueles que Macau lhes proporciona. Tenho a certeza que nos ia doer quase tanto a nós como a eles se tivessem da ouvir boca de ingleses do Brexit ou de americanos trumpistas impropérios do tipo “volta para a tua terra”, ou “se és de Macau, vai para Macau”.

E não, não é uma comparação descabida. Este tipo de comentários não parte da sociedade no seu todo, mas de indivíduos normalmente frustrados ou de mal com a vida, e para estes pouco importa se aquela pessoa diferente dele que se encontra à sua frente está no seu país legalmente, em turismo, se foi convidada, ou até se faz ali falta. É um discurso retrógrado, tóxico e perigoso, de que nada vale contrapor com a boa educação que demos aos nossos filhos ou se lhes ensinámos o respeito pela diferença ou que todos os seres humanos são… humanos. Vão pensando nisso

 

20 Jul 2017

Luanda | Empresa chinesa substitui Odebrecht

[dropcap style≠’circle’]U[/dropcap]ma empresa chinesa começa este mês a construir a nova marginal sudoeste de Luanda, com oito quilómetros de extensão, após o Governo ter rescindido o contrato para a mesma obra com os brasileiros da Odebrecht. Segundo uma decisão governamental, o Governo angolano escolheu o grupo China Railway 20 (CR20) para realizar a segunda fase da marginal entre a praia do Bispo e a Corimba, por 142,3 milhões de dólares (123,5 milhões de euros), aprovando em simultâneo a rescisão do contrato para a execução da mesma empreitada pela Odebrecht.

Aquela construtora está envolvida no escândalo “Lava Jato”, investigado pela Justiça do Brasil, mas o despacho assinado pelo Presidente angolano, de 12 de julho, não adianta motivos para a rescisão com a Obebrecht.

A empreitada de edificação da nova via, que se insere no Plano Diretor Metropolitano de Luanda e que permitirá descongestionar a estrada da Samba, ponto principal de entrada e saída da capital, para sul, já foi consignada à CR20 pelo Ministério da Construção, na terça-feira, devendo estar concluída dentro de 18 meses.

A obra envolve, entre outros trabalhos, a requalificação de áreas atualmente ocupadas por habitações precárias, “de modo a garantir a melhoria da circulação viária da cidade de Luanda com destaque para o acesso à região sul, bem como para o desenvolvimento urbano da região costeira ocidental”, conforme se lê no despacho assinado por José Eduardo dos Santos, autorizando a contratação.

A construção vai envolver cerca de 2.000 trabalhadores e, além de duas faixas de rodagem em cada sentido, envolverá uma área para futura criação de corredores exclusivos para transportes públicos.

Palestina | Xi reafirma solução dois estados

O presidente da China, Xi Jinping, garantiu nesta terça-feira, num encontro com o líder da Palestina, Mahmoud Abbas, o apoio de Pequim a uma solução para o conflito entre palestinianos e israelitas baseada no princípio de dois Estados. Segundo Xi, a China defende a criação de um Estado palestino independente, soberano, com território delimitado pelas fronteiras de 1967 e tendo Jerusalém Oriental como sua capital.  Após uma reunião a portas fechadas entre os dois líderes, o vice-ministro das Relações Exteriores chinês, Zhang Ming, disse em conversa com jornalistas que a China criará um mecanismo de diálogo trilateral e realizará um simpósio com representantes de Israel e Palestina para ajudar a resolver a histórica disputa, conforme relatou a AFP. A data do evento ainda não foi definida, mas será neste ano.

Na presença de Abbas, que está em visita oficial à China até o próximo dia 20, Xi Jinping cobrou do governo israelita o cumprimento imediato da resolução 2334 do Conselho de Segurança da ONU, que determina que Tel Aviv suspenda o estabelecimento ilegal de assentamentos em territórios palestinos. De acordo com o presidente chinês, citado pela agência Xinhua, a China foi um dos primeiros países a apoiar a justa causa dos palestinos, reconhecendo nestes verdadeiros “amigos, parceiros e irmãos”.

 

Mau tempo atrasa voos

A aviação civil da China teve uma menor taxa de pontualidade em Junho devido ao mau tempo, declarou um funcionário na terça-feira. A taxa de pontualidade ficou em 57,23%, 11,2 pontos percentuais menor que no mesmo mês de 2016, disse Zhang Chunzhi, da Administração de Aviação Civil da China. O mau tempo causou a demora de 65,81% dos voos. Muitas regiões no país experimentaram tempestades que fecharam os aeroportos. O Aeroporto Internacional de Pequim foi afectado por fortes chuvas por oito dias, com mais de 240 voos desviados, 2,3 mil cancelados e mais de 3 mil atrasados. As tempestades também afetaram Shanghai, Guangzhou e Shenzhen. O número de voos aumentou 11,22% em termos anuais em Junho. A China não teve nenhum acidente de aviação civil no primeiro semestre.

 

Baleia Azul | Detido curador do jogo

O brasileiro Matheus Moura da Silva, de 23 anos, um dos organizadores do jogo Baleia Azul, foi detido esta terça-feira depois de ter confessado a sua influência com 30 vítimas do jogo, no Brasil. O jovem vai responder por crimes de associação criminosa, tentativa de homicídio e agressão à integridade física, de acordo com o jornal O Globo. A detenção foi feita na sequência da operação Aquarius, que pretende identificar os ‘curadores’ do jogo. As autoridades tinham mandados de buscas, que permitiram a apreensão de telemóveis e computadores do jovem, que confessou ser o responsável por fazer cumprir as tarefas do jogo. O caso continua a ser investigado para identificar outros ‘curadores’ noutros estados do Brasil.

 

Preso suspeito de atear cinco fogos

Um homem foi detido por suspeita de ter ateado cinco focos de incêndio florestal no concelho de Santa Comba Dão, distrito de Viseu, entre 08 e 11 de julho, foi hoje anunciado. A Polícia Judiciária (PJ) “procedeu à detenção de um homem, solteiro, padeiro, pela presumível prática de cinco crimes de incêndio florestal, em terrenos povoados com mato, acácias e lenha”, informa, num comunicado enviado hoje à agência Lusa, aquela força policial. O suspeito, de 51 anos de idade, “ateou os incêndios por gostar de ver os bombeiros a combater as chamas”, refere a mesma nota da Diretoria do Centro da PJ. Em 2017, a Judiciária já identificou e deteve 37 pessoas pela autoria do crime de incêndio florestal.

 

Ex-banqueiro morto com tiro no peito

O ex-banqueiro espanhol Miguel Blesa, condenado por fraude num dos casos mais mediáticos em Espanha, apareceu morto com um disparo no peito efectuado com uma espingarda de caça. A imprensa espanhola noticia que o cadáver do ex-presidente da Caja Madrid foi encontrado numa quinta na localidade de Villanueva del Rey, na província de Córdoba (sul de Espanha). O ex-banqueiro foi condenado em Março último a seis anos de prisão pelo seu envolvimento no caso dos “cartões black” que a Caja Madrid, que agora se chama Bankia, dava aos seus dirigentes e pessoas de confiança, para pagar despesas pessoais sem limite e sem declarar nada ao fisco. O tribunal considerou-o culpado de se apropriar indevidamente de património, ao gastar 436.688 euros através desse cartão de crédito especial.

20 Jul 2017

CPLP | Portugal diz que “há muito a fazer”

 

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s chefes da diplomacia da organização lusófona reúnem-se hoje, quinta-feira, em Brasília para a XXII reunião ordinária dos ministros da CPLP, que decorre sob presidência brasileira, sob o tema a “Agenda 2030: Avanços e Desafios”.

O ministro dos Negócios Estrangeiros português destacou que o encontro terá “uma agenda bastante rica”, aprovando o roteiro para aplicar a nova visão estratégica da organização, aprovada na cimeira de Brasília, em novembro passado, e que traça as linhas de atuação da CPLP para a próxima década.

Dos pontos que estarão em debate, Portugal destaca a “aproximação à sociedade civil, designadamente ao melhor uso da figura do observador consultivo” (organizações não governamentais), considerou Augusto Santos Silva.

Além disso, o ministro defendeu que “há muito trabalho a fazer para tornar a marca CPLP mais conhecida e a imagem da CPLP mais valorizada nas diferentes sociedades”.

Nesse âmbito, Santos Silva recordou duas das medidas previstas na visão estratégica defendidas por Portugal: o desenvolvimento de programas de intercâmbio académico, e a melhoria das condições de mobilidade e circulação interna à CPLP.

Portugal e Cabo Verde apresentaram aos restantes membros da organização “uma proposta concreta para a melhoria das condições de mobilidade”, lembrou.

Além disso, os governantes terão oportunidade para debater o cumprimento da Agenda 2030 – aprovada pelas Nações Unidas e que define os objetivos de desenvolvimento sustentável -, em particular “a importância que a CPLP pode ter na agenda do desenvolvimento sustentável”, destacou Santos Silva.

A presidência brasileira da CPLP, a decorrer até 2018, escolheu precisamente a Agenda 2030 como tema do seu mandato, “com rara felicidade”, comentou o ministro português.

Os nove membros da CPLP deverão ainda aprovar o Plano de Ação de Díli, para a promoção da língua portuguesa, que refere “a necessidade de apoiar a disseminação do português em contextos multilingues, com referência específica a Timor-Leste e Guiné Equatorial”, referiu ainda.

Santos Silva destacou outro “documento bastante importante”, que “estabelece o reforço da cooperação com os observadores associados”: Geórgia, Hungria, Japão, Ilhas Maurícias, Namíbia, Eslováquia, República Checa, Senegal, Turquia e Uruguai.

Destes 10 países, oito conquistaram este estatuto a partir de 2014, o que mostra que “o interesse por esta figura é crescente”, comentou.

Por fim, os governantes aprovarão também o Plano de Ação 2016-2026 para a promoção da cooperação económica e empresarial na CPLP.

A CPLP, que assinalou esta segunda-feira 21 anos de existência, é composta por Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste.

20 Jul 2017

Activismo político | Constrangimentos e silêncio na RAEM desde 2014

É hoje mais difícil ser activista político em Macau do que era há quatro anos, quando o novo Executivo de Chui Sai On assumiu funções. Há menos associações no activo e nem os protestos do 1.º de Maio tiveram a expressão de outros tempos. Académicos e activistas falam de uma sensação de medo, da existência de avisos directos e do esforço para controlar um contágio vindo de Hong Kong

 

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]m 2014 Macau teve o maior protesto de que há memória. Milhares de pessoas invadiram as ruas e o jardim perto da Assembleia Legislativa (AL) para lutar contra a proposta de lei do regime de garantias. Nesse mesmo ano, três associações do campo pró-democrata juntaram-se para organizar um referendo civil sobre a eleição do Chefe do Executivo.

Quatro anos depois, o activismo político, que nunca teve em Macau a mesma dimensão que tem em Hong Kong, registou uma quebra. Há muito que não se conhece qualquer iniciativa da associação Tri-Decade Action Union e é sabido que quase todos os membros da Juventude Dinâmica de Macau pertencem também à Associação Novo Macau (ANM), cuja liderança só ficará definida depois das eleições, quando Scott Chiang decidir, ou não, permanecer como presidente.

Bill Chou, antigo docente da Universidade de Macau (UM), envolvido num polémico caso de suspensão, chegou a ser activista ao lado da ANM. Hoje garante que é mais difícil defender causas políticas na RAEM.

“O activismo político em Macau não está tão activo como estava há quatro anos. As autoridades estão mais preparadas para recorrer ao litígio para capturar os activistas”, disse ao HM. “Alguns activistas podem ter medo, enquanto outros podem ser apenas mais tácticos”, acrescentou.

Questionado sobre as actividades das poucas associações de cariz político, Bill Chou afirma que a “Tri-Decade Action Union já não é considerada pelos seus apoiantes para ter um papel efectivo na mobilização ao voto”. Quanto à Juventude Dinâmica, “foi absorvida pela ANM”, defende. 

Eric Sautedé, académico na área da ciência política e ex-docente da Universidade de São José, considera que “os movimentos sociais e políticos independentes, oriundos das associações tradicionais, de alguma forma enfraqueceram ou falharam no recrutamento de sangue novo nos últimos dois anos”.

As mudanças que a ANM sofreu desde as eleições de 2013 – a separação face aos deputados Ng Kuok Cheong e Au Kam San e a liderança indefinida são alguns exemplos – explicam, para Eric Sautedé, as alterações nos restantes grupos. “As tensões com a ANM podem explicar, parcialmente, o estado das coisas, porque todos estes movimentos estão interligados.”

“Houve uma verdadeira renovação e as eleições legislativas de 2013 foram traumatizantes para a ANM, tendo gerado uma crise de orientação e de sucessão. A Tri-Decade Action Union sempre foi um truque e uma ferramenta útil para dividir o campo pró-democrata. A maioria dos membros da Juventude Dinâmica de Macau pertence à ANM”, adiantou Sautedé.

Além disso, o académico defende que “as associações mais tradicionais ou patrióticas, sobretudo as que têm camadas jovens, têm sido muito activas no recrutamento, e os subsídios que têm recebido do Governo ajudou-as a desenvolver esse trabalho de inscrição”.

Sou Ka Hou e pouco mais

Bill Chou dá outra razão para a diminuição das acções do campo pró-democrata: a maior atenção que o Governo tem dado às questões sociais depois da polémica com o regime de garantias.

Igual ideia tem Eric Sautedé. “Com a mudança de Governo em 2014, o crescimento do descontentamento da população, que culminou com o protesto de Maio de 2014, gerou alguma atenção e houve alguma estabilidade, sobretudo desde que tem sido dada maior atenção às questões sociais.” 

Ainda assim, o ex-docente da USJ não tem dúvidas: “Há cada vez menos espaço para movimentos autónomos e independentes em Macau”.

“Infelizmente, sem surpresa, Macau está a seguir uma tendência restritiva que se tem verificado na China nos últimos cinco anos. Há esperança em figuras como Sou Ka Hou (candidato às eleições ao lado de Paul Chan Wai Chi), mas há muita responsabilidade a recair nos ombros de poucas individualidades”, disse ainda.

A influência de Hong Kong

Numa altura em que quatro deputados do campo pró-democrata de Hong Kong acabam de ser suspensos do Conselho Legislativo (LegCo) por não terem respeitado o juramento no arranque da legislatura, o hemiciclo local discute a possibilidade de proibir os deputados de levarem cartazes para os plenários.

Há, de facto, uma ligação entre o que está a acontecer na região vizinha e o apaziguamento do activismo político em Macau? Bill Chou não soma directamente os dois factores.

“Há uma ligação muito limitada. Os movimentos políticos estão, na sua maioria, dependentes das iniciativas das pessoas. As pessoas de Macau têm medo de agir”, considerou o docente.

Eric Sautedé lembra o caso denunciado pelo professor Hao Zhidong, da UM, para afirmar que, além de Hong Kong, a situação de Taiwan representa um exemplo de influência ou tentativa de castração do contágio dos movimentos pró-democracia.

Ainda assim, o docente chama a atenção para o marasmo da sociedade civil.

“As bases destes movimentos são apenas uma parte da equação: onde estão os jornalistas, os professores universitários e os advogados a apoiar estes movimentos? Para onde foram? Dentro das fileiras dos profissionais dos sectores liberais, mesmo os ‘suspeitos habituais’, os mesmos de há 15 anos, têm-se tornado menos desafiantes e argumentativos.”

“Acredito que os activistas têm medo e têm sofrido pressões. Macau é uma comunidade pequena e todos se conhecem, e a confrontação, que era vista como algo ‘impróprio’, é agora vista como pressão política. As pessoas têm vindo a receber avisos directos com potenciais consequências”, conclui Eric Sautedé.

Do lado dos activistas, Jason Chao, ex-presidente da ANM, considera que as duas regiões “têm um destino semelhante”. “Além da diferença em termos de maturidade da sociedade civil, as populações dos dois territórios vivem com o mesmo sistema e ambiente político”, acrescentou.

Lei Kuok Keong, presidente da Juventude Dinâmica de Macau, considera que Macau pode retirar “mensagens importantes” dos movimentos ocorridos ali ao lado.

Já Isaac Tong, fundador da Tri-Decade Action Union, acredita que a relação é quase nula ou “fraca”. “A maior parte das pessoas de Macau não gosta dos activistas de Hong Kong e dos seus movimentos.”

Juventude Dinâmica | “Há um retrocesso no ambiente político”

Chegou a ser liderada pela jovem Winkie Kuan, mas esta decidiu sair da presidência da Juventude Dinâmica de Macau para dar mais atenção à família. Esse papel cabe a Lei Kuok Keong, também ligado à ANM.

Esta associação que, em 2014, participou na realização do referendo civil, mantém um papel activo nas redes sociais, mas o seu líder não ousa afirmar que há “um retrocesso no ambiente político de Macau”. “Não vemos futuro quanto à possibilidade de implementar um sistema mais democrático, com a eleição por sufrágio universal do Chefe do Executivo e dos deputados.”

Há pressões, constrangimentos, receios do que poderá advir de uma acção de rua. “Qualquer tipo de actividade é hoje mais difícil de se realizar, devido ao ambiente político que se vive. Há ainda a falta de atenção e consciência por parte dos jovens”, apontou Lei Kuok Keong.

A ausência da Juventude Dinâmica dos protestos do 1.º de Maio deveu-se não apenas à tentativa de não politizar a iniciativa, mas também pela falta de apoios. “A maioria dos nossos membros não estava em Macau e tivemos muitas dificuldades de mobilizar e organizar pessoas”, explicou.

Todos os activistas de Macau “sofrem diferentes pressões” neste momento. “Há uns que têm medo e noutros casos a própria família tem medo. Macau é muito pequeno e quem participa em acções políticas sofre consequências”, acrescentou.

O presidente da Juventude Dinâmica chama ainda a atenção para o facto de poucas associações do campo pró-democrata terem, de facto, capacidade para eleger deputados. “Muitos deputados mais velhos vão sair este ano, mas isso não significa que os mais jovens consigam ser eleitos, apenas quem pertence a um pequeno circulo”, remata.

 

Jason Chao | “Eleger um deputado será decisivo para a ANM”

Foi presidente da ANM e chegou a atirar aviões de papel dentro da Assembleia Legislativa como forma de protesto. Hoje, Jason Chao coordena o website “Project Just Macau” e não tem dúvidas de que tudo está mais difícil.

Jason Chao

“Na última década as pessoas começaram a falar. Mas é do conhecimento geral que as pessoas de Macau, no geral, são apáticas em relação à política”, começa por dizer. Jason Chao diz preocupar-se com uma “ausência de valores” face ao bom desempenho da economia. Nada mais parece interessar.

“A luta por uma democracia genuína está cada vez mais difícil, tanto em Hong Kong, como em Macau. No passado olhávamos para Hong Kong como um modelo de progresso do desenvolvimento político. O que está a acontecer é que Hong Kong está a seguir os passos de Macau no que diz respeito ao autoritarismo. À medida que a China vai diminuindo as liberdades em Hong Kong, vejo menos possibilidades de existir liberdade em Macau num curto espaço de tempo”, explicou.

Quatro anos depois há um maior “constrangimento do espaço individual e da liberdade política em Macau”. As diversas detenções de activistas e uma “baixa tolerância do Governo em relação ao discurso dissidente” contribuíram para que haja “um ambiente mais severo ao nível do desenvolvimento da sociedade civil”.

Jason Chao nota diferenças até na cobertura que os media locais têm dado às actividades do campo pró-democrata. “A cobertura dos media das actividades de associações como a ANM tem diminuído desde 2014.”

O ex-presidente da ANM considera que a Tri-Decade Union tinha apenas como objectivo eleger um deputado e terá perdido o rumo. Quanto ao futuro da ANM, as eleições legislativas de Setembro serão decisivas.

“Apesar de Ng Kuok Cheong afirmar que continua a ser membro da ANM, ele transferiu todas as suas responsabilidades políticas para a nova associação. Obter pelo menos um assento na AL será decisivo para a sobrevivência da ANM”, defendeu.

 

Tri-Decade Action Union “não está activa, mas ainda existe”

Isaac Tong ajudou a fundar a associação Tri-Decade Action Union, que “não está no activo, mas ainda existe”. Desde 2014 que não realiza qualquer actividade, uma vez que muitos dos seus membros saíram. Questionado sobre o actual panorama do activismo político, Isaac Tong considera-o “fragmentado e individualizado”.

Isaac Tong, da Tri-Decade Action Union

“Ainda temos liberdade de expressão, de apresentar petições, uma oportunidade para chamarmos a atenção. Mas a maioria dos activistas não consegue obter financiamento suficiente. É fácil ser-se activista mas é difícil movermo-nos e sermos bem-sucedidos.”

O fundador da associação acredita que os activistas “não têm medo e são corajosos”, mas são poucos. Isaac explica que muitos dos membros desta associação “estão focados nas suas carreiras”. “Ainda nos preocupamos com questões públicas e ainda temos como ideal transformar Macau num lugar melhor. Mas neste momento não temos tempo para organizar actividades.”

A realidade é dura e ser activista em Macau do campo pró-democrata não é fácil. “Para mantermos a nossa família temos de trabalhar. Se és um funcionário público, é melhor cortar a relação com uma associação política, a não ser que seja do campo pró-China. Se começares um negócio, tens de lidar com o Governo. Mesmo numa PME o teu patrão não vai gostar se tiveres uma actividade política. A realidade é cruel e se é difícil manter um equilíbrio entre a vida pessoal e o trabalho, é ainda mais difícil obter um equilíbrio disso tudo com a política, no campo pró-democrata”, considera Isaac Tong.

19 Jul 2017

Segurança | Wong Sio Chak não comenta pausa da Uber

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] secretário para a Segurança prefere não comentar a decisão da Uber, que esta semana anunciou uma suspensão das operações em Macau. Questionado sobre a posição adoptada pela empresa norte-americana, Wong Sio Chak não deu uma resposta directa. “A minha satisfação é quando toda a gente cumpre as leis. Essa é a minha atitude”, respondeu, citado pelo canal chinês da Rádio Macau.

O governante também não fez considerações sobre o eventual sucesso das forças policiais, que poderá ter estado na origem da marcha atrás feita pela Uber, atendendo ao elevado volume de multas que terão sido aplicadas aos condutores ao serviço da empresa. “Qualquer indivíduo que não cumpra a lei tem de sair”, limitou-se a dizer.

Nas declarações aos jornalistas, Wong Sio Chak anunciou que vai rever os mecanismos para a obtenção de vídeos captados pelos sistemas de vigilância dos edifícios privados. O objectivo é ajudar a polícia nas investigações, com benefícios para a população em geral, defendeu o secretário. O governante admite que existem problemas nesta matéria e promete que vai estudar medidas para evitar incómodos aos residentes.

O presidente da Associação de Administração de Propriedades de Macau, Paulo Tse, recordou que os vídeos em questão pertencem aos condomínios, pelo que a polícia só pode obter as gravações quando reunida a autorização dos proprietários das fracções em causa. Paulo Tse diz que os proprietários esperam que haja um mecanismo claro para a obtenção destes vídeos.

O secretário para a Segurança admite que já aconteceram situações em que foram detectadas dificuldades na recolha das gravações, garantindo então que vai analisar o problema. Wong Sio Chak não deixou, contudo, de pedir aos residentes que apoiem os trabalhos da polícia, uma vez que se pretende apenas resolver os casos em questão.

19 Jul 2017

Casinos | Ng Kuok Cheong defende fim das subconcessões

São três mas, em termos práticos, são seis. Ng Kuok Cheong defende que o Governo não deve, no futuro, autorizar a existência de subconcessões na principal indústria do território. O deputado quer que o Executivo comece já a explicar o que tem em mente. Não está sozinho no pedido que faz

[dropcap style≠’circle’]U[/dropcap]m planeamento rigoroso e atempado. É esta a exigência de Ng Kuok Cheong em relação aos concursos que aí vêm para o sector do jogo. As actuais concessões terminam em 2020 e em 2022. O deputado entende que se trata de uma excelente oportunidade para corrigir o que está mal e deixa algumas ideias numa interpelação escrita enviada ao Executivo.

Um dos aspectos que, para o pró-democrata, merece reflexão é o número de concessões. À semelhança do que tem vindo a ser defendido por vários especialistas na matéria, também Ng pensa que é necessário acabar com situações híbridas. Na missiva enviada ao Governo, o deputado recorda que o número de licenças de jogo é de apenas três, mas a figura das subconcessões deu origem a que outras tantas operadoras tivessem entrado no mercado.

Atendendo ao actual contexto, Ng Kuok Cheong defende o fim das subconcessões e pergunta se o Executivo equaciona alterar a legislação.

O pró-democrata gostaria também que a população pudesse ter um papel mais activo na definição do futuro do jogo. Assim sendo, sugere a participação dos residentes através de uma consulta pública sobre as contrapartidas que devem ser exigidas às futuras operadoras, para que o Governo possa reflectir e incluir ideias nos cadernos de encargos das concessionárias.

Para Ng, deve aproveitar-se todo este processo para garantir que vai ser dado um novo impulso à diversificação do tecido económico de Macau. É ainda defensor de que os residentes devem ser os primeiros nas listas de contratações, e mostra preocupações em relação à protecção ambiental e à responsabilidade social.

Os locais primeiro

Também a Associação de Estudos Sintético Social de Macau (AESSM) tem estado a pensar no futuro do motor económico do território. Os membros deste movimento consideram que os futuros concursos para a concessão de licenças de jogo são um momento que deve ser aproveitado para resolver problemas existentes no sector, sendo que é igualmente uma oportunidade para “não deixar, de novo, os cidadãos desiludidos”.

Kot Man Kam, presidente da AESSM, refere num texto publicado no Jornal do Cidadão que, aquando do processo de liberalização da indústria do jogo, em 2002, os residentes ficaram sem perceber por que razão foram atribuídas três concessões e se abriu a porta a outras três subconcessões.

Tendo em conta o que acontece na prática neste momento, Kot Man Lam é do entendimento de que devem ser criadas pelo menos seis concessões, mantendo-se assim o número de operadoras. O presidente da associação afasta uma diminuição do número de actores no sector, alertando para consequências ao nível económico e do mercado laboral, que poderiam ter repercussões em termos de estabilidade social.

A AESSM não repudia a possibilidade de se ir além das seis operadoras, mas aconselha prudência neste aspecto, propondo que se tome como referência as soluções adoptadas noutras jurisdições. O Governo deve analisar as propostas que receber a pensar no desenvolvimento de Macau a longo prazo, aconselha, e deve também ponderar a possibilidade de dar primazia às empresas locais.

Dar e receber

No processo de revisão das concessões do jogo, as operadoras do sector devem ter um papel mais activo na satisfação das necessidades decorrentes do desenvolvimento de Macau, observa também a associação de Kot Man Lam.

A AESSM propõe ainda que os casinos tenham funções sociais de maior relevo em relação ao seu universo de funcionários. Devem ser as empresas a garantir habitações, devem criar sistemas de formação e de ascensão profissional para os residentes, disponibilizar serviços de creches para os filhos dos trabalhadores e centros de serviços para idosos. O objectivo é ajudar a resolver as dificuldades com que se deparam os funcionários.

Kot Man Lam manifesta ainda algumas preocupações em relação à segurança, sugerindo ao Governo um reforço do sistema de vigilância nos casinos para que se evitem crimes e irregularidades. O Executivo deve reforçar a execução da legislação aplicável aos promotores do jogo, para evitar infracções nos casinos.

19 Jul 2017

Kwan Tsui Hang indignada com utilização do Centro de Sinistrados

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] deputada Kwan Tsui Hang escreveu ao Governo para mostrar o desagrado que sente em relação ao modo com tem estado a ser utilizado o Centro de Sinistrados da Ilha Verde, estrutura dependente do Instituto de Acção Social (IAS). Numa interpelação escrita ao Executivo, Kwan mostra ter dúvidas sobre as verdadeiras funções do espaço, admitindo, porém, que foi útil no passado em situações de emergência em que residentes de Macau tiveram de abandonar as suas casas, por causa de incêndios ou outras situações de risco.

Apesar da ressalva que faz, a deputada conta que vários cidadãos se queixaram das instalações do Centro de Sinistrados. “Não há cozinha, nem casas de banho independentes. Também não há ar condicionado”, relata. “Pessoas de várias nacionalidades acabam por residir no centro.”

A falta de condições do espaço e a proveniência dos utentes da estrutura fazem com que “os residentes não queiram entrar”, prossegue Kwan Tsui Hang. Esta recusa tem obrigado o IAS a ter de, nalguns casos, alugar quartos em hotéis para poder prestar apoio aos residentes afectados em acidentes e outras situações de emergência.

Para a deputada, além de o centro não desempenhar as funções que estiveram na sua criação, representa também um aumento das despesas públicas. “Além disso, gera dúvidas sobre a forma como o Governo trata os cidadãos.”

Kwan Tsui Hang salienta que é uma obrigação do Executivo proteger os residentes envolvidos em casos urgentes, de modo a que não fiquem sem um tecto. Por isso, sustenta, os centros de apoio e abrigos devem ter condições adequadas para que as pessoas possam viver lá temporariamente.

Recordando que o Governo chegou a colocar a possibilidade de fazer obras no Centro de Sinistrados da Ilha Verde, a deputada pergunta se foi tomada alguma decisão neste âmbito e se existe um calendário para que possam ser feitos trabalhos de renovação. Citando as queixas que ouviu, pretende ainda que a Administração indique se é possível melhorar as instalações básicas, criar cozinhas e quartos de banho independentes nas várias fracções, e garantir que há ar condicionado no local.

Por último, Kwan sugere que as pessoas sejam alojadas conforme a nacionalidade e origem. A deputada oriunda dos Operários, que está quase de saída da Assembleia Legislativa, alega que existem preocupações sobre conflitos causados por “diferentes costumes e crenças”, pelo que gostaria que o Governo estudasse a possibilidade de “separar residentes locais e estrangeiros”.

19 Jul 2017

Governo diz defender trabalhadores locais de meia-idade

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] deputada Ella Lei interpelou o Executivo no sentido suscitar maior protecção para os trabalhadores locais, em particular para as pessoas de meia-idade. A resposta da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL) refere que a Lei das Relações de Trabalho confere a igualdade no acesso ao emprego, “em condições não discriminatórias”. Aliás, a réplica assinada por Wong Chi Hong, responsável máximo pela DSAL, especifica as punições legais para os empregadores que incorrerem em tratamento discriminatório de forma injustificada. A legislação prevê a aplicação de multas entre as 20 mil e as 50 mil patacas por cada trabalhador vítima de discriminação laboral.

Outro dos cavalos de batalha de Ella Lei prende-se com o recurso dos empregadores a trabalhadores não residentes. Nesse aspecto, Wong Chi Hong refere que este tipo de mão-de-obra visa “somente suprir a falta, ou insuficiência, de recursos humanos locais”. O director assegura que dentro desta prioridade na contratação de recursos locais estão incluídos indivíduos de meia-idade. Os não residentes são contratados num contexto de necessidade específica, quando são observados requisitos como a oferta e procura de mão-de-obra no mercado.

Locais formados

No que diz respeito à formação profissional, a DSAL responde que esta acompanha o desenvolvimento económico e a situação real do mercado de trabalho em colaboração estreita com parceiros sociais e o tecido empresarial. Na resposta a Ella Lei, o Executivo refere a aposta que tem feito em cursos de formação destinados a residentes de diversas classes, idades e sectores, tendo a competitividade económica como objectivo.

O comunicado assinado por Wong Chi Hong refere que existem algumas profissões que estabelecem limite de idade, tais como o caso dos seguranças dos casinos. Ainda assim, o representante do Governo explica que “há uma grande variedade de cursos de formação ao dispor dos indivíduos de meia-idade”. Cuidador infantil, acompanhamento pós-parto, electricista, carpinteiro, soldador, motorista de pesados e cozinheiro são algumas das profissões para a qual a DSAL faculta formação e que podem ser saídas viáveis para formandos mais velhos.

Wong Chi Hong refere ainda que a DSAL oferece um serviço de colocação profissional que ajuda as pessoas de meia-idade a navegar pelo mercado de trabalho. Os interessados são aconselhados na área dos recursos humanos, nomeadamente através de simulação de entrevistas.

19 Jul 2017

Centro histórico não cumpre regras sobre instalação de aparelhos de ar condicionado

Estão regulamentados. Os aparelhos de ar condicionado, no centro histórico, não devem ser visíveis nas fachadas que dão acesso à via pública. A medida é para ser aplicada na zona sujeita ao Plano da Almeida Ribeiro, mas a realidade é outra

 

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]em todos os edifícios estão a cumprir o Plano da Almeida Ribeiro no que diz respeito à instalação de aparelhos de ar condicionado. As directivas, há muito implementadas, determinam que estes não devem ser visíveis nas fachadas, mas a prática tem sido bem diferente.

Numa das plantas existentes no website da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSOOPT), referentes a uma construção na zona do centro histórico, lê-se: “Deverá prever soluções para a instalação de aparelhos de ar condicionado, de forma a evitar a projecção directa na via pública de água resultante do seu funcionamento”.

O documento aponta ainda que os aparelhos “deverão, casos estejam instalados nas fachadas de edifício, ser cobertos com elementos decorativos”.

Ao cimo da página, o carimbo vermelho é claro: “Este terreno insere-se na zona sujeita ao Plano da Almeida Ribeiro”.

Para a arquitecta Maria José de Freitas, a instalação de aparelhos de ar condicionado nas fachadas de edifícios nesta zona não deveria sequer ser autorizada. Falar de elementos decorativos é o mesmo que dizer que “não há critério”, aponta ainda a arquitecta, que tem trabalho feito na área do património.

Na visão de Maria José de Freitas, bastava a DSSOPT dizer que “não se admite aparelhos de ar condicionado na fachada e mais nada”, sendo que o que existe actualmente é apenas uma forma de “tapar o sol com a peneira”.

Desculpas não valem

Para o arquitecto Mário Duque, estando em causa edifícios históricos, “estes equipamentos têm de estar dentro do regulamento que define a sua instalação e, de acordo com o Plano da Almeida Ribeiro, não se podem exibir ares condicionados nas fachadas a não ser que estas tenham dispositivos próprios para os acomodar”, sublinha.

O facto de se tratarem de edifícios antigos – que compõem, na sua maioria, a zona histórica – não pode ser usado como desculpa para que não sejam implementadas as medidas devidas.

Mário Duque aponta que não faz sentido a DSSOPT afirmar que esta é uma regra a ser implementada em construções novas, tratando-se de uma zona histórica. “Dizer que o Plano da Almeida Ribeiro só se aplica nos edifícios novos não serve ao lugar”, sublinha o arquitecto, a quem foi transmitida esta informação.

Dificuldades antigas

Quando se trata de velhos edifícios, as soluções têm de ser ponderadas e criativas. “No entanto, é necessário arranjar um espaço que não seja tão visível e que tenha condições para proteger estas unidades”, diz Maria José de Freitas, sendo que, a utilização dos terraços para este fim é uma solução a ter em conta.

“É necessário criar uma regra que defina onde devem ser colocados os ares condicionados”, refere Mário Duque. “A questão pode ser estética, mas é essencialmente construtiva, até porque não se estragam fachadas que duram várias décadas com aparelhos que só duram cinco anos.” O arquitecto sublinha ainda que os principais agentes de degradação das fachadas dos edifícios são as estruturas ilegais e estes equipamentos.

Para Maria José de Freitas, a ocultação destes aparelhos “pode dar mais ou menos trabalho, mas é sempre possível”, diz. “Se isso não acontece, penso que é uma falta de cuidado”, remata.

Solução pouco à vista

A fiscalização do cumprimento legal destas regras está a cargo do departamento de urbanização da DSSOPT. Para Mário Duque, o que está em causa é a incompetência dos próprios serviços. Também Maria José de Freitas aponta o dedo à fiscalização, sendo que considera que é a entidade que “deve ter um papel mais activo”.

A arquitecta coloca ainda a possibilidade desta fiscalização ser uma competência do Instituto Cultural e avança com uma sugestão: “A solução passaria pela criação de um grupo interdepartamental que tivesse a preocupação de cuidar da boa aparência e das boas condições de imagem e de habitabilidade daquilo que Macau quer mostrar”, frisa.

Dadas as características muitas vezes particulares de cada edifício, Maria José de Freitas considera também que cada caso deveria ser estudado individualmente. “As regras deveriam ser implementadas nos edifícios existentes no centro histórico e nos edifícios que incluem a zona classificada, onde se pretende que existam características visuais e de imagem que transmitam uma impressão de qualidade e que não venham disfarçadas com decorações”, diz a arquitecta.

Contactada com a questão, a DSOOPT não deu qualquer indicação no que respeita ao cumprimento das regras relativas à instalação de equipamentos de ar condicionado na zona do Plano da Almeida Ribeiro e do Centro Histórico.

19 Jul 2017

Trabalho | Exposição oferece 4700 vagas para jovens

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o próximo fim-de-semana, 22 e 23 de Julho, realiza-se no Centro de Convenções e Exposições da Doca dos Pescadores a “Exposição de empregos para jovens 2017”. Participam no evento cerca de 70 empresas que disponibilizam à juventude de Macau 4700 ofertas de emprego.

O evento também fornece informações relativas a formação profissional, planeamento de carreiras, serviço de avaliação de capacidade profissional e ajuda para compreender as leis que regulam as relações laborais.

As empresas participantes na exposição são de áreas tão diversas como a aviação, telecomunicações, jogo, hotelaria, tecnologia, restauração, comércio, seguros e imobiliário. Os recrutamentos incidem sobre mais de 30 tipos diferentes de trabalho para trabalhadores a tempo inteiro e a tempo parcial.

Os candidatos vão ter oportunidade de se encontrarem directamente com pessoal das secções de recursos humanos dos empregadores e submeterem o seu pedido de emprego.

No capítulo das palestras, a exposição deste ano tem seminários sobre técnicas para entrevistas e planeamento de carreira. Além disso, os candidatos podem contar com os conhecimentos de convidados que darão conselhos especializados em técnicas de comunicação em locais de trabalho, aumento de competitividade e gestão de pressão e tempo.

O evento pretende apetrechar os jovens de Macau de conhecimentos para melhor navegarem o mercado de trabalho e desenvolverem a sua carreira profissional.

19 Jul 2017

Universidade de Macau congratula-se com admissão de alunos locais

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]stá concluído o processo de admissão da Universidade de Macau (UM) para o próximo ano lectivo. Em 2017/2018, o estabelecimento de ensino superior da Ilha da Montanha deverá receber 1535 alunos locais, contabilizou a UM. Numa nota à imprensa, a instituição salienta que, enquanto universidade do território, pretende atrair e contribuir para a educação dos melhores estudantes de Macau.

Do total de alunos, 394 foram admitidos através do esquema de recomendação das escolas secundárias, sendo que 59 deles eram os melhores das turmas que integravam. Todos estes jovens vão receber bolsas de estudo.

Quase 1200 estudantes que participaram no teste de admissão conjunto levado a cabo por várias instituições de ensino superior confirmaram já que vão frequentar a UM, explica ainda o comunicado. Destes, 52 vão receber também bolsas da universidade.

“A Universidade de Macau está empenhada em atrair os melhores estudantes locais e não tem poupado esforços para comunicar com as escolas secundárias e reunir ideias de como formar profissionais, para que cada vez mais alunos possam fazer o ensino superior na UM”, explica a instituição.

A UM destaca ainda que os “significativos progressos feitos no ensino e na pesquisa nos últimos anos têm atraído a atenção dos melhores alunos”, o que faz com muitos deles tenham a universidade como primeira opção.

Os estudantes agora admitidos não só conseguiram bons resultados em termos académicos, como mostraram ter capacidades noutras áreas, como o desporto, a música e a ciência. “Alguns deles ganharam prémios em competições internacionais”, congratula-se a UM. “Alguns representaram Macau em competições desportivas”, acrescenta, dando também exemplos de eventos internacionais em áreas das ciências em que os futuros estudantes foram distinguidos. “Além disso, muitos deles estão activamente envolvidos em serviços comunitários.”

19 Jul 2017

Criminalidade | Segurança diz que burlas telefónicas diminuíram

O número de burlas feitas pelo telefone está em queda. A garantia é dada pelo Gabinete do Secretário para a Segurança, que destaca o sucesso da colaboração com as operadoras de telecomunicações e com as autoridades das regiões vizinhas

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]ão são fornecidos   números, mas fica a certeza: o número de burlas telefónicas desceu significativamente. É assim que o Gabinete do Secretário para a Segurança responde às dúvidas da deputada Kwan Tsui Hang, que interpelou o Governo sobre a matéria. Na réplica, explica-se que foram levadas a cabo várias actividades de promoção e de sensibilização como forma de prevenir este tipo de crime, pelo que o número de casos caiu.

Numa resposta assinada pela chefe do gabinete de Wong Sio Chak, Cheong Ioc Ieng, lê-se que, com vista a ajudar os cidadãos a distinguir os telefonemas que são feitos do exterior, a Polícia Judiciária (PJ), os departamentos responsáveis pela fiscalização de telecomunicações e as operadoras do sector decidiram passar a mostrar a informação completa do número do autor da chamada.

Kwan Tsui Hang pretendia saber se era possível evitar que as potenciais vítimas recebessem chamadas telefónicas feitas por burlões. Cheong Ioc Ieng não afasta completamente essa hipótese, mas diz que é necessário estudá-la, uma vez que pode ter consequências para os utentes dos serviços de telecomunicações.

Já no que diz respeito ao congelamento de dinheiro transferido durante as investigações policiais, o problema é mais complicado, com o Governo a explicar que, mal recebem os montantes enviados pelas vítimas, os autores das burlas retiram o dinheiro das contas e transferem-no para outro locais.

Não obstante, a PJ tem reforçado a comunicação com as autoridades das regiões vizinhas, indica a chefe de gabinete. “Foram criados, em parceria com a polícia da Província de Guangdong, mecanismos de denúncia rápida, de investigação e de paragem urgente de circulação de depósitos”, salienta Cheong Ioc Ieng. Além disso, a polícia de Zhuhai notificou os bancos locais acerca das transferências feitas por residentes de Macau, para que estejam alerta.

De acordo com os dados oficiais, no primeiro trimestre deste ano, houve um aumento de 28,8 por cento nos crimes de burla. Às autoridades chegaram queixas sobre 22 casos de burlas feitas pelo telefone.

Nalgumas destas ocorrências, os autores dos crimes telefonaram para residentes e fizeram-se passar por pessoal do Departamento de Migração da PSP ou de serviços do Governo da China Continental. Na resposta agora dada a Kwan Tsui Hang, o Gabinete do Secretário para a Segurança indica que, mal teve conhecimento destas situações, a PJ desencadeou trabalhos intensivos de sensibilização dos cidadãos.

19 Jul 2017

Tam Chi Chun, director do Teatro Experimental de Macau: “Precisamos de actores diversificados”

Fez a sua formação em Xangai. Regressou ao território para ter a sua companhia, e é o director e cenógrafo do Teatro Experimental de Macau. Tam Chi Chun dedica-se a trabalhar em projectos que dão relevo à interpretação pessoal e ao teatro musical

 

Estudou na Academia de Xangai, já trabalhou no Continente e mesmo em Berlim. Como é que se passou este regresso a Macau?

Vim para Macau por opção. Depois de dez anos fora do território, gostaria de me reencontrar aqui.

Como é que apareceu o Teatro Experimental de Macau?

A companhia existe desde 2008. O nosso nome inicial era “Teatro Horizonte”. Na altura resolvemos atribuir esse nome por se tratar também do título de uma peça de teatro clássica do dramaturgo americano Eugene O’Neill. Foi também a primeira peça que encenámos. Até 2011, o objectivo da companhia foi apresentar peças de teatro clássicas ao público de Macau. A ideia era trazer ao território os grandes nomes do teatro clássico, desde Shakespeare a Becket e Tchékhov. Em 2011 começámos a ter outros objectivos. Construímos um teatro blackbox com 60 lugares. Tínhamos um espaço para ensaiar e em que podíamos tentar implementar alguns projectos e mesmo conceitos. Foi quando começámos a ter peças originais e mais contemporâneas. Desde essa altura até agora, temos tentado fazer uma coisa diferente daquilo a que podemos chamar “o nosso período clássico”.

Foi quando mudaram de nome para Teatro Experimental de Macau?

Sim. Precisávamos agora de um nome que tivesse mais que ver com o tipo de trabalho que estávamos e estamos a fazer. Podemos dizer que, desde essa altura, temos desenvolvido trabalho em dois sentidos. Uma das vertentes diz respeito ao trabalho de interpretação individual. É um trabalho de actor. É um trabalho de equipa mas que se foca na interpretação contemporânea. Com a peça “Lungs”, de Duncan Macmillan, usámos técnicas muito ligadas ao teatro físico com uso do corpo em espaços vazios. A ideia era trabalhar o actor no seu isolamento em que só estão presentes o corpo e as emoções. A outra vertente tem que ver com o teatro musical em que começámos um trabalho sério a este respeito. No ano passado fizemos, nesta vertente, o “Sonho de um Aroma” de Wong Teng Chi. Esta foi também a primeira vez em que foi produzida uma ópera por uma companhia local. O facto de estarmos a integrar o teatro musical tem que ver ainda com a minha formação. Quando era pequeno estudei música e penso que trago esse gosto comigo até hoje.

Um companhia de teatro experimental depara-se com que tipo de dificuldades no território?

Enquanto grupo de teatro, e para subsistirmos, estabelecemo-nos como uma organização sem fins lucrativos, pelo que grande parte do nosso sustento provém de apoios do Governo. No entanto, o nosso conceito de desenvolvimento vai no sentido de nos tornarmos uma companhia de teatro independente, o que é muito difícil. Somos por agora uma organização não-governamental que se dedica ao teatro. A ideia é que, um dia, possamos ter uma equipa de direcção e mesmo de actores que possam trabalhar a tempo inteiro no Teatro Experimental de Macau e, neste momento, não temos ainda condições para isso. Trabalhamos com freelancers.

Não é complicado ter uma equipa tão volátil? 

Por vezes é. Seria melhor conseguir uma forma de conseguir colaborações a longo prazo com os nossos actores, cenógrafos, etc. Quando estamos a trabalhar numa peça nova, por vezes só conhecemos a nossa equipa uma ou duas semanas antes do início dos ensaios e não podemos trabalhar em profundidade. Cada encenador tem a sua metodologia de trabalho e é mais fácil trabalhar com pessoas que já a conhecem e em que a comunicação se torna toda mais simples.

Onde vai buscar os seus actores?

É difícil encontrar actores em Macau. Apesar de cada vez termos mais jovens a trabalhar na área, não temos actores com maturidade. Os jovens têm muito potencial mas por vezes precisamos de diversidade, mesmo física. Precisamos de actores diversificados, com idades diferentes e constituições físicas também diferentes, e aqui a escolha é praticamente nula. Dos 40 aos 50 anos não consigo encontrar ninguém. Se queremos um personagem que seja um pai ou um avô, não temos.

Como tem sido a evolução da resposta do público ao vosso trabalho?

Penso que, no período entre 2011 e 2015, altura em que tínhamos a blackbox, muito do trabalho que fazíamos era apresentado ali e foi um período em que tínhamos pouco público. Tratava-se de um prédio industrial e quem vinha ter connosco eram, essencialmente, pessoas que já conhecíamos. No entanto, foi um período em que pudemos experimentar muita coisa no que respeita ao trabalho que queríamos fazer. Depois de 2015 e da apresentação de “Lungs”, tivemos acesso ao espaço do edifício do antigo tribunal. Foi uma mudança importante porque nos permitiu entrar em contacto com uma audiência mais alargada. É um local central e muita gente que passava naquela zona acabava por ver os anúncios das nossas peças e por ir. Reparámos que muita gente, que normalmente trabalha em escritórios e que pertence à chamada classe média, começou a aparecer para ver os nossos espectáculos. Penso mesmo que, para muitos, era a primeira vez que iam ao teatro. É também um espaço que nos permite continuar a explorar o conceito de teatro em blackbox.

O edifício do antigo tribunal está destinado a ser a biblioteca central de Macau. Estamos a falar de um espaço que também está a ser “vosso”. O que acham da ideia?

Já sublinhámos várias vezes ao Governo a importância que este espaço tem na dinamização cultural e artística do território. Já é um lugar que as pessoas conhecem por ter espectáculos e eventos na área das artes, sendo importante no seu desenvolvimento local. Não é apenas um teatro, as pessoas já sabem que no edifício do antigo tribunal conseguem ver coisas de qualidade na área da cultura. Foi uma conquista muito valiosa e que vai acabar. Não entendo também o que é que o Governo que dizer por espaço multiusos quando diz que a biblioteca será um espaço desses. O antigo tribunal, na área do teatro, transformou-se naturalmente num espaço dedicado a este sector e as pessoas sabem disso. Acho que construímos alguma coisa nesse sentido, não só em termos de audiência, mas também de atmosfera e, uma vez fechado e transformado numa biblioteca, vamos ter de recomeçar outra vez. Com o encerramento do antigo tribunal, muita gente deixará de saber para onde ir.

Trabalha essencialmente no teatro. Numa sociedade multicultural como a de Macau, a linguagem pode ser um problema?

Temos cada vez mais informação disponibilizada em inglês e temos visto que há cada vez mais turistas a tentarem assistir a peças nossas que entram, por exemplo, no edifício do antigo tribunal e acabam por ficar. No festival BOK, em que participámos, optámos por levar peças em que a linguagem verbal era muito reduzida. Já anunciamos as nossas peças também em inglês e temos ainda o teatro musical. A música é uma linguagem universal. Mas quando utilizamos a nossa língua mãe, o cantonês, torna-se realmente difícil para o público que não a entenda perceber algumas das nossas peças. Vamos cada vez mais tentando ter legendas. Também nos tentamos associar, por exemplo, a associações portuguesas. Há dois anos, através do festival BOK, tivemos como parceira a Casa de Portugal em Macau. Queremos mostrar o nosso trabalho às diferentes comunidades do território. Talvez no ano que vem consigamos convidar artistas portugueses. Quando queremos fazer um espectáculo local, precisamos de artistas locais. Por que não portugueses? O problema é que ainda não nos conhecemos bem, mas tentamos abrir portas para que nos possamos encontrar. Para já, temos as legendas e o teatro musical para chegar a diferentes comunidades.

Vão agora entrar numa pausa de Verão. O que vamos ter no próximo ano?

Vou a Taiwan encenar mais uma peça de Wong Teng Chi. Gostaria de trazer actores de lá para fazermos um trabalho em Macau. Além das nossas produções, colaboramos ainda com um projecto comunitário que trabalha com a comunidade indonésia. É um projecto que já vai no terceiro ano e queremos que vá ao Festival das Artes. O primeiro ano foi focado na sua história antes de virem para Macau, este ano o foco foi no trabalho corporal em que exploramos as transformações que o corpo sofreu depois de virem para o território e, no próximo ano, queremos juntar estes dois aspectos num trabalho só.

19 Jul 2017