Entrevista MancheteXiaojiang Yu, professor de ciências geológicas da Universidade de Sidney: “O rio corria preto” João Luz - 18 Dez 2017 Xiaojiang Yu é um académico da Universidade de Sidney com um vasto currículo em ciências ambientais. Fez parte da Agência para a Protecção Ambiental da China no final dos anos 80 e estudou um afluente do Rio das Pérolas. Ao HM falou da forma como a deslocação da indústria de Hong Kong para o Interior da China prejudicou o ambiente de Macau. Xiaojiang Yu declara-se optimista que o mundo consegue abrandar os efeitos das alterações climáticas Estudou os níveis de poluição do Rio Beipan, na província de Guizhou, um afluente do Rio das Pérolas. Quais as conclusões a que chegou? Ao longo de 15 anos, e ao abrigo da estratégia nacional de desenvolvimento do oeste chinês, verificámos que as condições ambientais melhoraram bastante. Os principais problemas que a região enfrentou, e que ainda enfrenta porque é algo que demora o seu tempo, é o impacto humano em termos de geologia, solos, chuva e problemas como as alterações climáticas. Este impacto ainda precisa de ser endereçado, e o pior é não haver aplicação coerciva de leis de protecção ambiental em algumas regiões. Não se pune com eficiência. Quais são as principais fontes de contaminação no Rio Beipan? Hoje em dia diria que são, principalmente, resíduos urbanos e rurais originados pelo sector agrícola. Os resíduos industriais estão sob controlo porque o Governo actuou de forma muito séria nessa matéria, mas também esta fonte de poluição é mais fácil de ser controlada do que os resíduos urbanos e rurais. Esses dois focos de poluição ainda inspiram preocupação e há muito trabalho pela frente nessas áreas. Portanto, as condições ambientais melhoraram. Melhoraram bastante. Antes de visitar a região li um artigo de uma académica norte-americana sobre a gestão de resíduos na China que se focava, em particular, na poluição dos rios. O estudo dizia que o rio corria preto e que a China iria enfrentar desafios ambientais muito graves. Quando foi a Guizhou, foquei-me no Rio Beipan como meu case study, é um rio a montante do Rio das Pérolas, reparei que a água era bastante limpa. Então perguntei às pessoas se o rio havia sido sempre assim limpo e eles disseram que durante a década de 90 era muito sujo e que, de facto, corria preto e também com bastante lama, em especial quando chovia devido à desflorestação e desperdício de minas que era depositado no leito do rio. Os resíduos das minas de carvão eram, sobretudo, cinzas resultantes da lavagem do carvão. Sofia Margarida Mota Daí o rio preto. Durante a década de 90 não havia ali sistemas de gestão eficazes, estamos a falar, sobretudo, de minas pequenas que se limitavam a deixar os resíduos ao ar. Então quando chovia e se davam cheias, as águas empurravam estes detritos para o rio. Este rio, assim como outros, vão desaguar no Rio das Pérolas. Em Macau fala-se muito da importação de poluição, seja através do rio, seja transportada pelo vento do Interior da China. Há alguma validade neste argumento? Com base no que sei, a poluição atmosférica tem origem, em grande parte, localmente, é um tipo de poluição que flui e que também pode subir para as regiões interiores, dependendo da direcção do vento. Esta discussão foi tida há uns anos em Hong Kong, dizia-se que a maioria da poluição vinha através do Rio das Pérolas mas, mais tarde, um académico de uma universidade técnica de Hong Kong descobriu que 40 por cento da poluição atmosférica era gerada localmente. Outro aspecto importante é que muita da indústria que está localizada perto do Rio das Pérolas tem origem em Hong Kong. Mudaram as fábricas para montante do rio para o Interior da China e não controlaram bem a produção de poluição atmosférica, mas também poluição fluvial. Estamos a falar de 80 mil fábricas de Hong Kong que foram deslocadas para norte. Passados uns anos começaram a queixar-se da poluição no Interior da China, mas não fizeram nada. Acabaram por perceber que para resolver o problema da poluição é necessário cooperação entre Hong Kong, Interior da China e Macau. Esta deslocação de fábricas de Hong Kong para o Interior da China acabou por afectar mais Macau? Sim, Macau e Hong Kong. Acho que agora melhorou bastante. O meu estudo foi realizado a dois mil quilómetros de distância de Macau, mas posso dizer que só com base no que vinha com o Rio Beipan a qualidade da água melhorou muito. Estão sempre de acordo com os standards de qualidade nacionais. Depois de 2003, a qualidade cumpriu sempre os standards e, por vezes, era mesmo muito melhor. Foi algo que o Governo chinês conseguiu através de políticas rígidas. Mas acho que também o Rio das Pérolas melhorou bastante porque desde 2006 o Governo da província de Guangdong exigiu parâmetros de gestão ambiental ao sector industrial. Ou as fábricas modificavam as operações de forma a cumprir os parâmetros, ou fechavam, ou mudavam as instalações para outro sítio. As fábricas que permaneceram tiveram de fazer uma modernização de equipamento e implementar métodos de gestão ambiental mais exigentes. Neste aspecto, o Governo deu apoios financeiros para procederem a estas renovações. Aconteceu com algumas indústrias receber o financiamento e não fizeram as devidas alterações até haver uma fiscalização por parte das autoridades. No final dos anos 80 trabalhou na Agência de Protecção Ambiental da China. Nessa altura não se falava tanto de alterações climáticas, mas mais do buraco do ozono. Como analisa esta evolução? Estamos a falar de altas esferas do Governo chinês. Creio que nessa altura começou-se a olhar mais seriamente para estes assuntos, algo que começou à volta de 1973, quando se começou a falar de desenvolvimento sustentável. Nessa altura, a China ainda estava na Revolução Cultural, o Primeiro-Ministro Zhou mandou 25 especialistas para uma conferência internacional, quando regressaram trouxeram avisos de que este assunto precisava ser endereçado com urgência. Nessa altura, as preocupações estavam mais viradas para a poluição atmosférica, então começaram a fechar caldeiras industriais porque não queimavam carvão de uma forma eficiente e criavam smog preto e muita poeira. Mas há que perceber que durante esse tempo, a China vivia uma situação económica muito má com muitas pessoas a viver em pobreza extrema. Era, portanto, muito difícil para o Governo fazer alguma coisa como a imposição rigorosa de padrões ambientais para a indústria, algo que poderia implicar a subida do desemprego. Ultimamente, a China aumentou imenso a importação de carvão e continua a usar o carvão para produzir energia. Como vê esta situação? Na China não se produz muito gás natural e também não existem muitos depósitos de carvão, que em termos qualitativos não é bom carvão, ao contrário da Austrália, por exemplo. Ao usar carvão australiano, por exemplo, pode-se reduzir a poluição. Portanto, foram fechadas muitas minas de carvão chinesas e aumentou-se a importação de carvão estrangeiro. Mas isto não contradiz as metas ambientais ambiciosas de Pequim? Entre 60 e 70 por cento da produção energética ainda é baseada na queima de carvão. É algo que não se consegue mudar em tão pouco tempo. Ainda há necessidade de usar carvão, ao mesmo tempo que se tenta reduzir emissões de gases que produzem efeito estufa e também poluição atmosférica. Portanto, cortou-se no carvão chinês, que causava mais danos no ambiente. Daí a decisão de importar carvão de qualidade, ao mesmo tempo que se aposta em energias renováveis como eólica, solar, hidráulica e nuclear. Outra das apostas passa por promover a eficiência energética, aspecto no qual acho que a China já ultrapassou os Estados Unidos, apesar do carvão ainda fazer parte substancial das políticas energéticas chinesas. Vê essa realidade mudar brevemente? Não, acho que ainda precisa de desenvolver, gradualmente, mais produção de energias renováveis. A China apostou muito na energia hidráulica, mas essa fonte custa agora muito em dinheiro e em efeitos ambientais. Com as alterações climáticas mudaram os padrões de chuva, aumentaram os períodos de seca e isso não é bom para este sector energético. Em relação às alterações climáticas. Está optimista que podemos reverter o curso em que estamos? Nos anos 80 e 90 enfrentámos o problema do buraco do ozono, mas desde da conferência internacional de 1996 para proteger a camada do ozono foram tomadas medidas globais com efeitos muito positivos e, hoje em dia, o buraco encolheu bastante. Algo que há 20 ou 30 anos era considerado impossível. Apesar da saída dos Estados Unidos do acordo de Paris, a maioria dos países quer agir de forma positiva. Não tenho a certeza que conseguiremos inverter totalmente o curso em que estamos, mas acho que devemos conseguir abrandar os efeitos das alterações climáticas.