[dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]ORO DE MULHERES
Temos no fim o que foi sempre!
Teseu descobre um mal maior
Que a força do Minotauro:
Um amor não correspondido.
CORIFEU
Não era amor, como viu Teseu,
Mas as flechas de Afrodite!
E essa mulher não se opôs
Como ela muito bem diz,
Quase já na boca da morte.
(entra a deusa Ártemis)
ÁRTEMIS
Vós vistes hoje aqui no palco
O poder que a deusa tem
Para destroçar um humano.
Por mais que haja quem duvide,
Afrodite é a sem rival,
N’ arte de virar do avesso
Os pobres mortais indefesos
E arrogantes, a um tempo.
Sou a única deusa sã,
A única que não inveja
O poder destruidor dela.
Até Zeus teme o seu poder,
Pois nem a seu pai ela poupou
Da febre radical da paixão.
Ela não tem nenhum descanso
Da arte vil de enlouquecer
Pelos olhos, mortais e deuses.
Nada é pior que uma imagem
Escavando uma vontade.
Muito foram os seus amantes.
E assim se comportem todos!
Deseja ela ao mundo inteiro.
Serenidade é uma afronta,
No equilíbrio ela cospe.
Afrodite só tem ódio.
A sua vida é a carne,
Não dá aos mortais um bem comum,
Pois dela nunca vem encontro.
Desata os olhos em quem quer,
A ilusão de se ser livre.
Faz correr para uma imagem
E os pobre seres confundem
Um exército de desejo
Com a elevação do amor.
E eu, que me chamo Ártemis,
Digo com pesar a verdade.
Reconheço previamente
A minha derrota p’ra deusa
Afrodite, traiçoeira,
A filha de Zeus e minha irmã.
E mesmo deusa, puta é puta.
Nada tem valor, só a carne.
Só tem olhos para três coisas:
Corpo, rosto, boas erecções.
(Ártemis sai e entra Teseu em cena)
ÊXODO
TESEU
Como continuar? Fedra faz-me matar meu único filho, casto como a sua deusa, incapaz de ofender quem quer que fosse, depois mata-se e ainda me diz que, depois da verdade dita, posso continuar, como se me quisesse matar com as minhas próprias palavras, ou por causa dessas mesmas palavras. Como continuar vivo agora? Como carregar um dia até ao outro e até ao outro e perfazer uma semana, perfazer um mês, perfazer uma vida? Como lutar contra o que não existe mais, único inimigo que nos faz sofrer?
AFRODITE
Como estás enganado, filho de Egeu! Como estás enganado, pobre mortal!
TESEU
Afrodite, és tu? És mesmo tu, ou estou a delirar?
AFRODITE
Sou mesmo eu! Não estás a delirar.
TESEU
E porque dizes que estou enganado?
AFRODITE
Porque tudo isto é culpa de Hipólito, teu único filho!
TESEU
Culpa de Hipólito, como, deusa?
AFRODITE
Por me ter ofendido gravemente, Teseu!
TESEU
E como te ofendeu ele, Afrodite?
AFRODITE
Várias vezes, e até nas salas deste palácio. Ele me diminuiu aos olhos dos outros deuses; principalmente aos olhos de minha irmã, Ártemis. Teu filho foi o mortal mais prepotente que encontrei na minha imortalidade, filho de Egeu! A prepotência dele superava a tua força na horas de combate e de superar dificuldades, Teseu.
TESEU
Era apenas a juventude a falar por ele, deusa. Sabes como os jovens são fortes em demagogia, fortes em não saberem o que dizem. Que sabia ele da vida, Afrodite?
AFRODITE
Não sabia nada da vida, Teseu. Nisso, como em muitas coisas, tens toda a razão! Mas não é desculpa para ofender os deuses. Não se saber o que é a vida não concede a liberdade de procurar desenfreadamente a morte. Porque quem a procura, encontra-a. Só ele tem culpa na sua morte, Teseu. Mais ninguém! A arrogância com que ofendia os deuses que não fossem a minha irmã, Ártemis! Confesso que fui eu que tramei tudo, filho de Egeu, mas não julgues que a tua mão matou por mim o teu filho. Hipólito ofendeu outros deuses! Quem por ti matou Hipólito, posso dizê-lo agora, foi o pai de todos os deuses, Zeus.
TESEU
Zeus?!?
AFRODITE
Sim, Zeus, Teseu! Zeus estava cansado da ousadia de Hipólito, da soberba do jovem, que pensava, por ser o preferido de Ártemis, que era igual a ela. Hipólito era um mortal que não sabia qual o seu lugar, filho de Egeu! Ele morreu às tuas mãos, mas quem o matou foram os deuses. Quem o matou foi Zeus. Ele não aceitaria o exílio de Hipólito, Teseu. Hipólito nunca entendeu que não se pode venerar a um só deus.
TESEU
E Fedra? Fedra é culpada de quê, Afrodite?
AFRODITE
Fedra foi apenas uma pedra atirada contra Hipólito, uma pedra atirada contra esta casa, pela culpa ímpia de teu filho, a quem todos chamavam de casto, mas que, como já te disse, não passava de um arrogante que desprezava todos os deuses, exceptuando Ártemis. Fedra, se culpa tem, é a de não ter tido forças para afastar o desejo pelo corpo de Hipólito, que as minhas flechas incendiaram.
TESEU
E que culpa é a minha, para carregar tamanho castigo?
AFRODITE
Nenhuma, Teseu! Nada podes contra o rumo da vida. Hipólito não se tornou arrogante por tua culpa. Mas os deuses também não podiam desculpar-lhe a impiedade, somente por ser teu filho. No mundo, o que parece ser um grande bem não passa de uma grande miséria. E é fazendo o que não se quer que os deuses ajudam os mortais. Não és tu, Teseu, a maior prova disto que digo? Houve alguém mais posto à prova em sua vida, do que tu, logo desde o nascimento? E houve alguém que mais tenha atirado os males pela borda fora, de todas as embarcações ao longo da vida? És e serás sempre um exemplo para os mortais! A dor é apenas a tua sombra.