Manchete PolíticaJogo | Sector com menos deputados, mas com o mesmo poder João Santos Filipe - 8 Out 20178 Out 2017 O futuro da indústria do jogo vai ser um dos grandes temas da próxima Legislatura. As saídas de deputados associados ao casinos e as entradas de Sulu Sou, Leong Sun Iok e Agnes Lam abrem o espaço para uma maior representação do sector laboral. Contudo, o espectro de uma mudança com tradução nas grandes decisões está longe do hemiciclo [dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]om as concessões das operadoras de jogo a expirarem entre 2020 e 2022, espera-se que o futuro da indústria seja um dos temas mais presentes na Assembleia Legislativa, ao longo dos próximos quatro anos. As saídas de deputados ligados ao casinos, como Chan Meng Kam, Melinda Chan ou Fong Chi Keong, e a entrada de legisladores mais próximos dos trabalhadores, como Leong Sun Iok, Sulu Sou ou Agnes Lam, fazem antever um maior equilíbrio entre as diferentes vozes. Neste cenário seria de antever também um maior equilíbrio na altura de tomar as decisões. Porém, não é esse o entendimento dos analistas ouvidos pelo HM, apesar de admitirem a existência de uma maior pluralidade no hemiciclo. “Os debates sobre o jogo vão ser mais diversificados e acredito que vamos ouvir mais opiniões contrárias, mesmo dentro da indústria. As opiniões que defendem mais direitos para os trabalhadores vão ser mais constantes porque os deputados já não se vão limitar a defender os interesses das operadoras, como aconteceu no passado”, disse Larry So, académico, ontem, ao HM. O académico explicou esperar que o número dois da lista apoiada pela Federação das Associações dos Operários de Macau (FAOM), Leong Sun Iok, seja uma das vozes pró-trabalhadoras mais activas. O futuro deputado é o responsável na FAOM por lidar com as queixas apresentadas pelos empregados do sector. “Só que não creio que a maior pluralidade vá limitar a capacidade de expressão dos interesses ligados aos patrões do jogo. Podemos olhar para a saída de Melinda Chan [derrotada nas eleições]. Contudo permanecem no hemiciclo deputados ligados a esses interesses, como Angela Leong”, sublinhou. Via directa para Pequim Também Bill Chou, académico e activista político, acredita que as vozes dos donos dos casinos vão ter menos tempo na AL. Porém, recusa encarar esse facto como uma perda de poder para os interesses do jogo. “Não há dúvidas que têm menos deputados. Mas é preciso não esquecer que os patrões mais poderosos da indústria são as concessionárias. E algumas delas têm contactos directos com Pequim”, afirmou Bill Chou. “Os donos dos casinos vão ser menos ouvidos. No entanto, por exemplo, Chan Meng Kam continua a ser membro do Conselho do Executivo, que é um órgão muito mais importante do que a AL”, frisou. Por sua vez, Johnson Ian, candidato não-eleito da lista Sinergia de Macau, liderada por Ron Lam, defende que a situação não vai sofrer grandes alterações. “Conto cerca de 10 deputados que têm ligações à indústria do jogo. Angela Leong, Zheng Anting, Vong Hin Fai, Chan Chak Mo, Davis Fong, Vitor Cheung são alguns deles. Os interesses da indústria continuam a estar muito bem representados entre deputados, quer sejam eleitos de forma directa, indirecta ou nomeados”, começou por dizer o ex-jornalista. “Sulu Sou e Leong Sun Iok podem ter um papel muito importante nas reivindicações laborais, porque sempre tiveram essa postura de pedir às operadoras para que assumam responsabilidades sociais maiores. Mas no essencial não creio que haja uma grande alteração nos equilíbrios na AL”, acrescentou. Por outro lado, Bill Chou defende que Agnes Lam vai colar-se ao interesses dos casinos durante os debates, fazendo com que não se assuma como uma voz próxima do sector laboral: “Ela não é independente e nunca expressa opiniões que causem danos aos grandes negócios”, acusou. O activista realçou igualmente as limitações de Sulu Sou: “não foi eleito com os votos das associações laborais. Acredito que esse facto vai fazer com que acabe por não ter muito impacto, apesar das reivindicações que vai fazer”, frisou. Jogo em discussão No que ninguém tem dúvidas é que a discussão do futuro do jogo vai ser um dos grandes temas da VI Legislatura, que se inicia a 16 de Outubro. Um assunto que vai ter um enorme impacto no futuro de Macau, dada a dependência económica face ao sector. “Estamos numa fase em que as empresas de jogo cresceram muito e estão disponíveis para fazer o que o Governo lhes pedem. Mas acredito que a situação vai mudar”, anteviu Johnson Ian, “Quando se começar a definir o futuro modelo do jogo, com as discussões de impostos e o possível aumento do número de concessões para sete ou oito, o debate vai ser muito intenso. Nessa altura, as vozes da indústria vão ser mais activas na tentativa de pressionar o Governo e pedirem o mesmo à sociedade”, complementou. Larry So, que partilha a opinião de Johnson Ian, também espera que o tema comece verdadeiramente a ser debatido quando se souberem as condições para a atribuição das licenças. “Vai ser o grande tema e desafio da Legislatura. O Governo está neste momento a olhar para o processo [renovação das licenças], e qualquer movimentação na indústria pode ter um impacto no futuro do jogo. Por isso, nesta fase, estão todos à espera para ver quais são as condições”, apontou. Existem actualmente três concessões atribuídas a Sociedade de Jogos de Macau, Galaxy e Wynn Resorts, além das três subconcessionárias: Venetian Macau, MGM e Melco. A primeira concessão a expirar é a da SJM, em 2020, sendo que as outras vão expirando progressivamente até 2022. O dilema de Angela Leong Apesar de ter sido eleita com 10.447 votos, as opiniões de Angela Leong sobre a indústria do jogo podem facilmente transformar-se num calcanhar d’Aquiles. Antes das eleições, vários analistas acreditavam que a quarta mulher de Stanley Ho ia eleger dois deputados, devido ao apoio de William Kuan. Só que a eleição do segundo candidato ficou longe e a perda do apoio laboral pode colocar a directora executiva da SJM numa situação complicada. “Em muitos assuntos ela vai ter de ficar no meio da estrada, principalmente quando estivermos mais perto da altura das eleições. Nessa fase ela não pode ser colada a medidas que prejudiquem os interesses dos trabalhadores”, afirmou Larry So. “Por outro lado, ela não tem interesse em ver as licenças serem renovadas com condições prejudiciais para os lucros das operadoras. Vai ter de ser muito inteligente na forma como vai abordar estes assuntos”, defendeu So. Bill Chou acredita que o espectro de Melinda Chan vai mesmo pairar sobre Angela Leong. A mulher de David Chow falhou a eleição para deputada, e alguns dos apoiantes explicaram o insucesso com a incapacidade para mobilizar os trabalhadores do grupo liderado pelo marido. “O exemplo de Melinda Chan vai estar presente na mente de Angela Leong. Por outro lado, ela também nunca utilizou muito a AL para defender os interesses dos casinos. Percebe que os contactos directos com o Governo e com Pequim são mais importantes”, sublinhou. Johnson Ian explica as dificuldades com uma mudança nos eleitores: “Antes, os empregados do jogo tinham menos opções de voto. E os trabalhadores da SJM confiavam muito em Angela Leong. Só que essa situação mudou”, explicou. “A deslocação do votos dos empregados do jogo para listas não ligadas aos seus patrões é uma tendência que se vai acentuar”, acrescentou. A incógnita Davis Fong Académico especializado na indústria do jogo, Davis Fong é a grande incógnita da futura legislatura. Entre as opiniões interessadas ligadas a proprietários de casinos e à força laboral, Davis Fong pode assumir-se como um homem capaz de construir consensos com opiniões mais académicas. Contudo, como nomeado pelo Chefe do Executivo, vai ter dificuldades para se descolar da imagem de voz do Governo, caso tenha essa ambição. “Não acredito que vá trazer para a sociedade novas ideias para o sector do jogo. Está lá para ‘moderar’ o debate sobre as licenças e, como nomeado pelo Governo, vai reflectir as opiniões do Executivo”, disse Johnson Ian, que revela ter poucas esperanças face ao deputado, em termos de um novo discurso. Enquanto académico, Davis Fong esteve à frente do estudo intercalar sobre o sector do jogo, publicado no ano passado e encomendado pelo Governo. Larry So considera que os resultados do estudo vão orientar a actuação do futuro deputado: “O estudo vai ser uma referência para a sua actuação. Mas está lá para defender as posições do Governo, por isso não espero que tenha opiniões muito próximas do sector laboral”, considerou. Bill Chou foi o que se mostrou mais pessimista face ao deputado nomeado, recordando o percurso de Davis Fong, que é o director do Instituto para o Estudo do Jogo Comercial, da Universidade de Macau. “Não tenho expectativas sobre ele. O centro de pesquisa que lidera na Universidade de Macau está dependente do financiamento dos casinos”, começou por dizer. “Portanto, não acredito que com ele aumente o número de deputados a falar em nome dos trabalhadores do sector”, frisou.