h | Artes, Letras e IdeiasA Sombra de Teseu (1) Paulo José Miranda - 19 Set 2017 PERSONAGENS Afrodite Ártemis Chefe dos Guardas Corifeu Coro de mulheres Criada de Fedra Criado de Hipólito Fedra Hipólito Teseu (A acção passa-se nos limites da floresta, junto à cidade de Trezena, no Peloponeso) CRIADO A rainha Fedra, mulher de seu pai, o rei Teseu, aguarda-nos. Que dirá ela por regressarmos a Trezena sem ele, meu príncipe? HIPÓLITO Que posso dizer, senão a verdade? Tenho obrigação de dizer a verdade, assim me ajude a minha deusa de devoção, Ártemis. CRIADO Sei bem, senhor, das suas enormes virtudes, pois acompanho-o desde criança. Mas neste caso, o que é a verdade? HIPÓLITO A verdade, aqui neste caso como em qualquer outro, é ser conforme aos factos, se falamos do que é exterior, ou conforme à pureza do coração, sem mancha de egoísmo, de desejo, de interesse, de maldade, se falamos do que é interior. Por isso, e com a ajuda da mais virtuosa da deusas, direi à rainha que meu pai, o seu rei e marido, continua desaparecido. Que infelizmente, e após meses de procura, continuamos sem resposta ao que lhe terá sucedido. Não o podemos dar nem como vivo nem como morto. Pois aquele que está ausente, e sem dar notícias por si próprio ou que cheguem relatos por outrem, está refém da mais poderosa das deusas e a mais vil: a Dúvida. CRIADO E que pena tenho, meu príncipe, que em todos estes meses pela Hélade, não tenha encontrado amor! Nenhuma mulher virtuosa… HIPÓLITO Sabes bem que não há e nem pode haver mulher nenhuma em minha vida. Pois sirvo apenas à deusa Ártemis, que me instiga à castidade, às purezas das acções e do coração. Nenhuma mulher irá mudar esta minha genuína afeição, este meu modo de vida. E que poderia uma mulher fazer, senão levar-me a esbanjar o tempo em futilidades, em prazeres mundanos, por muito virtuosa que fosse? Procura o amor se queres perder-te; mantém-te casto se queres encontrar-te. (Hipólito e o criado saem de cena e entra o coro de mulheres) (PÁRODO) CORO DE MULHERES Ai como a juventude é senil! Diz saber o que é a vida E nem sequer do amor sabe. E muito pior que o amor É sem dúvida uma paixão. Tragam-nos um jovem sábio E nós fá-lo-emos imortal. Porque não aprendem os jovens A humildade e o recato Já que nada sabem da vida? Julga Hipólito que está salvo Pela devoção a Ártemis? Esta mesma teme sua irmã E agora também por ele. Hipólito nem se dá conta Que essa palavras provocam A pior de todas as deusas. Não se pode ofender o poder A quem varre existências. Afrodite toca os cabelos E faz cair um exército. (saem de cena; agora a cena passa-se na sala do trono; chega Hipólito e ajoelha-se perante Fedra) FEDRA Levanta-te e dá-me notícias de Teseu! HIPÓLITO Minha rainha, o rei, meu pai e seu marido, não deu sinal de vida. Nem de vida e nem de morte; a sua vida está refém da deusa Dúvida. FEDRA (levanta-se e dirige-se ao jovem príncipe, com olhos de quem é escrava de uma imagem, e toca-lhe num dos ombros) Hipólito, não esmoreças. Teu pai é forte e capaz. Não haver notícias é boa notícia. Os males sempre arranjam maneira de saírem do claustro do anonimato, de aparecerem onde menos se esperam, e na sua aparição intempestiva são sempre mais rápidos que os cavalos de Zeus; é o bem que se esconde ou dificilmente se deixa ver. (Hipólito anui, um pouco por resignação, um pouco por cansaço, e Fedra pede que ele se refresque, que descanse duas horas antes de ser servido o jantar. Fedra suspira ao ver o jovem afastar-se)