Editorial VozesA próxima vez Carlos Morais José - 25 Ago 20175 Fev 2018 [dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]oderíamos estar a falar de um governo paternalista, na boa tradição confuciana, em que os pais/Estado impulsionam os filhos/cidadãos no caminho de uma vida excelente. Mas não. Aqui o paternalismo traduz-se em dinheiro, como o pai que para não aturar os problemas do filho lhe dá do patacame para ele “ir ao cinema”. Ora isso significa que o Estado se esquiva a uma deriva educacional, preventiva, solidária, socialmente sustentável, para realizar o sonho de qualquer fanático ultraliberal: não intervir e ainda por cima dar dinheiro. Faz bem, faz mal? Ou antes pelo contrário? Perdoem-me os leitores, que isto não tem piada nenhuma, nem rabo de tufão por onde se lhe pegue. Uma catástrofe é uma coisa séria, que tem efeitos inesperados nos indivíduos e nas massas. Consideremos os aspectos positivos: uma catástrofe une as pessoas e motiva a acção. Nestes momentos, um governo precisa apenas de liderar, orientar, planificar, supervisionar, para que os esforços não se dupliquem, para maximizar a eficácia dos salvamentos e a celeridade das reconstruções. Um governo deve assegurar a continuidade dos serviços públicos com a rapidez que a sua importância justifica. Água, electricidade, telefones, internet, televisão, rádio, não podem permanecer inoperantes mais do que um breve espaço de tempo. E este é um trabalho do governo, junto com as concessionárias. Um governo tem de garantir a ordem e a normalidade nas ruas: não pode, por exemplo, assobiar para o lado quando táxis, mercearias ou hotéis se resolvem aproveitar da situação, demonstrando uma abjecta falta de solidariedade. Um executivo “normal” não faz ouvidos moucos a estas situações, não as ignora: protege o cidadão. No dia seguinte, um governo deve minimizar os efeitos perturbadores da catástrofes, ou seja, efectuar com rapidez a remoção de árvores caídas e de lixos diversos, reerguer as estruturas tombadas, garantir a circulação nas estradas e nas ruas, numa palavra, assegurar o regresso da ordem com a maior brevidade possível. Um governo que se defronta com uma situação deste tipo deita a mão a todos os recursos possíveis e a outros imaginários, perguntando-se, por exemplo, o que faz o destacamento do Exército da RPC no seu quartel e porque razão os garbosos soldados não aparecem a dar uma mãozinha. Como todos sabemos o governo da RAEM tem apenas 17 anos de experiência — em que, por exemplo, o actual Chefe do Executivo foi parte a tempo inteiro — e por isso não lhe podemos exigir que cumpra a sua responsabilidade com eficácia e determinação. Levantam-se dúvidas. Não há tempo para encomendar estudos? A população rosna, os deputados agitam-se. Há uma crise no Gabinete de Ligação. O que fazer? Investir a sério na prevenção e na educação a propósito de tufões? Fazer cumprir a lei no caso da qualidade das janelas? Criar um serviço de meteorologia “normal”, que consiga içar os sinais atempadamente? Avisar seriamente população e turistas da seriedade do evento, evitando-se com isso o deslizar de pessoas nos braços do vento? Punir severamente todos os que abusaram ou pretenderam abusar da situação? Não. Isso é tudo muito complicado, complexo, intrincado, polémico. O melhor é… Olha, dá-se dinheiro. O que se viu durante este tufão foi dramático, desgraçadamente dramático. Havia gente escondida em esquinas, acocorada em portas, no momento em que a força do vento atingia o seu apogeu. Parece que ninguém lhes disse que vinha ali um momento perigoso para as suas vidas. Não tinham cara de aventureiros em busca de emoções fortes. Estavam transidas de medo, molhadas, algumas eram arrastadas pelo vento. Ninguém os avisou e retirou das ruas? Não existe um veículo preparado para esse efeito? A água alagou “normalmente” o Porto Interior. Até quando temos de viver com esta “normalidade”? Mas a coisa não é fácil, já nos disseram. Possível, mas complexo. São obras complicadas, percebe. E, provavelmente, o dinheiro é necessário para qualquer outra coisa. Resta-nos exprimir a nossa melhor compreensão. Na China Antiga, rei que não entendia a Natureza nem sabia cuidar dos seus cidadãos em necessidade, corria o risco de perder o Mandato do Céu. O governo de Macau não corre esse risco: o Céu está confuso e o dinheiro tudo lava. Menos as vidas perdidas e as que se vão perder da próxima vez.