Tráfico humano | Macau leva mais um chumbo dos Estados Unidos

O relatório sobre tráfico humano do departamento de Estado norte-americano coloca Macau no nível dois de vigilância. Tal significa que o território continua a não cumprir os requisitos mínimos. Houve campanhas de sensibilização e foram feitos investimentos, mas faltam condenações

[dropcap style≠’circle’]M[/dropcap]acau continua a ter vítimas de tráfico humano, que vivem em pensões e casas de massagens, têm os seus passaportes confiscados e que estão sob vigilância apertada dos seus traficantes. As autoridades continuam a não condenar ninguém pelo crime de tráfico humano, o que leva o departamento de Estado norte-americano a considerar que Macau está no nível dois de vigilância.

“O Governo de Macau não preenche os requisitos mínimos para a eliminação do tráfico humano”, lê-se no relatório ontem divulgado, que faz referência aos poucos casos de investigação e à inexistência de números sobre os verdadeiros culpados.

“Não houve condenações em 2015 e o Governo identificou apenas seis vítimas de tráfico. Após ter investigado os três casos de suspeita de trabalhos forçados, o Governo concluiu que não eram vítimas de tráfico.” Ainda assim, os números continuaram “em queda em relação aos 38 casos detectados em 2013”. Das seis vítimas, “quatro eram menores, cinco da China e uma da América do Sul”.

Apesar disso, o relatório dá conta das patacas que têm sido investidas não só na protecção de vítimas, como no processo de investigação. “O Governo estabeleceu um mecanismo de comunicação com os hotéis para que estes reportem potenciais situações de tráfico directamente à polícia. Foram investidos 3,2 milhões de patacas para a prevenção”, sendo que a Polícia Judiciária “implementou um grupo de trabalho dentro da divisão de crime organizado”.

No caso da protecção das vítimas, o Instituto de Acção Social (IAS) gastou 1,5 milhões de patacas na atribuição de alojamento e outras medidas, sempre em parceria com associações locais.

Presas e forçadas

Sem registos da existência de vítimas masculinas de tráfico humano, o relatório descreve aquilo que se passa em Macau, cujos culpados as autoridades não conseguem identificar e prender.

É referido que o território continua a ser um destino ou um ponto de passagem para muitas mulheres vindas da China. Não são apenas chinesas, mas também africanas, russas ou sul-americanas.

São “mulheres e crianças destinadas ao tráfico sexual e trabalhos forçados”. “As vítimas do tráfico humano vêm da China, muitas oriundas do interior da China e viajam para Guangdong à procura de melhores oportunidades de emprego”, lê-se no documento.

Em Macau, conhecem uma espécie de inferno. “Muitas das vítimas respondem a falsos anúncios de trabalho, incluindo em casinos, mas à chegada ao território são forçadas a prostituírem-se.”

“Os traficantes deixam muitas vezes as vítimas confinadas às casas de massagens e pensões ilegais, onde estão monitorizadas e onde são tratadas com violência. São forçadas a trabalhar longas horas e têm os seus documentos de identificação confiscados”, aponta o relatório.

Muitos casos têm uma forte ligação ao mundo do jogo. “Há relatos de crianças que estão sujeitas ao tráfico em ligação com o jogo e com a indústria de entretenimento em Macau.”

Há ainda casos que podem não ser sinónimo de prostituição. “Alguns junkets que trazem homens e mulheres estrangeiros para Macau, para renovarem os seus vistos de trabalho para outros países, acabam por restringir os movimentos destes trabalhadores, mantendo os seus passaportes e com condições que indicam servidão para pagamento de uma dívida ou trabalhos forçados.”


Salário mínimo é necessário

Uma das recomendações que o relatório do Departamento de Estado norte-americano faz é a criação de um salário mínimo universal que inclua os trabalhadores não residentes. O Executivo deve “instituir um salário mínimo para trabalhadores domésticos estrangeiros”, além de “aumentar os esforços na investigação, captura e condenação dos traficantes”. O relatório defende ainda que as autoridades devem continuar “a melhorar os métodos de identificação de potenciais vítimas, sobretudo entre os grupos da população mais vulneráveis, como trabalhadores migrantes e crianças exploradas sexualmente para fins comerciais”.

Os desafios e as dificuldades

Apesar de não haver condenações, o relatório considera que existem vários desafios no combate ao tráfico humano. “A existência da pequena população de Macau, por comparação com o facto de receber 30 milhões de visitantes por ano, leva a constrangimentos na capacidade de reforço da acção legislativa e judicial. Tal continua a representar grandes desafios na resolução dos crimes de tráfico.” Além disso, “foi referida a existência de dificuldades para fazer com que as vítimas colaborem com as investigações”.

Governo nega tudo

À semelhança dos anos anteriores, o Executivo voltou a negar todas as conclusões deste relatório, afirmando que as estatísticas demonstram “uma diminuição constante” de casos, o que “demonstra o efeito positivo dos referidos trabalhos realizados”. Para o Governo, “o relatório dos EUA continua a ignorar os factos objectivos da situação de Macau”, fazendo “uma má interpretação e retirando “conclusões não verdadeiras, bem como alegações infundadas”. “Perante a constatação de tanta injustiça, as autoridades de segurança não aceitam o relatório e opõem-lhe a sua forte indignação”, lê-se. O Executivo afirma que têm vindo a ser realizadas investigações criminais “eficazes” com a parceria dos órgãos judiciais.

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