Auditoria | Relatório critica coordenação e gestão de obras nas ruas

Os trabalhos levados a cabo por quem tem a missão de coordenar as obras viárias são ineficazes, diz o Comissariado da Auditoria. Num relatório igualmente demolidor para o Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais, lamenta-se que as entidades públicas envolvidas façam o que bem entendem, sem terem em consideração a população

 

[dropcap style≠’circle’]“O[/dropcap]s trabalhos de coordenação e conciliação de obras levados a cabo pelo Grupo de Coordenação de Obras Viárias são ineficazes.” Sem rodeios, o Comissariado da Auditoria (CA) divulgou ontem o resultado de uma avaliação ao modo como são geridas as obras nas vias públicas de Macau. O relatório debruça-se sobre intervenções feitas em 2014 e 2105.

O organismo aponta também, desde logo, “insuficiências nos procedimentos administrativos de apreciação e autorização das licenças de obras, e na forma como é conduzida a reunião semanal de coordenação do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM)”. Como se não bastasse, o CA entende que existem vários lapsos na fiscalização do andamento da execução das intervenções.

“Nos últimos anos, tem havido queixas por parte dos cidadãos devido ao transtorno causado pelas frequentes obras viárias”, escreve o comissariado. Nos anos em questão, foram feitas 3458 obras que implicaram abertura de valas nas vias públicas. Do total, 94,19 por cento dos trabalhos foram efectuados por entidades privadas.

A análise a estas quase 3500 obras permitiu retirar uma conclusão: o Grupo de Coordenação de Obras Viárias não é um órgão vinculativo, tendo apenas funções de coordenação e comunicação entre as partes envolvidas”. A auditoria explica que este grupo “não confirmou se houve ou não obras viárias, no mesmo local”, nos dois anos em análise. Além disso, não tem capacidade para garantir o cumprimento do calendário das intervenções feitas nas ruas.

Assim sendo, “não é possível que consiga alcançar qualquer resultado útil, nem evitar a repetição de obras de abertura de valas, no mesmo local, no período de dois anos, por maior que seja o número de membros ou por maiores que sejam os recursos ao seu dispor”, aponta o comissariado liderado por Ho Veng On.

Pedidos para obras feitas

Quanto ao papel desempenhado pelo IACM, o CA detecta insuficiências no modo de operação do instituto. “Nas autorizações de licenças de obras, este organismo não foi capaz de definir claramente o que entende por ‘obras no mesmo local’.” A auditoria lamenta ainda que não tenham sido introduzidas as informações sobre as intervenções nas ruas no sistema criado para o efeito.

A forma como o instituto lida com a matéria propicia “casos de repetição de obras, com a agravante de não ser cobrado o dobro das taxas de licenciamento, conforme estabelecido na lei”.

O CA também não gostou do modo como as intervenções são antecipadamente coordenadas pelo IACM, dizendo que acaba por prevalecer “a vontade dos interessados”, e refere que “os mecanismos sancionatórios previstos na lei não foram adequadamente aproveitados”.

Além disso, o instituto “não se certifica se as decisões tomadas em sede de reunião de coordenação foram ou não cumpridas”. Deste modo, alerta-se, “os actuais procedimentos de coordenação e conciliação de obras ficam aquém das expectativas do Governo e dos cidadãos, não obstante os recursos materiais e humanos despendidos”.

O IACM é o responsável pela fiscalização do andamento da execução das obras. “Na realidade, tal não acontece”, afirma o Comissariado da Auditoria. Além de detectar falhas de gestão internas, o estudo permitiu descobriu que o instituto tem permitido a entrega dos pedidos de renovação de licença de obras após já estarem concluídas. “O mesmo é dizer que este organismo desistiu de ter controlo sobre estes pedidos.”

Apesar de o valor cobrado pela renovação da licença de obras ser superior à taxa exigida aquando da apresentação do primeiro pedido, o CA tem dúvidas sobre a sua eficácia, pelo que propõe que se discuta esta questão.

Os 36 casos de execução de obras fora do prazo analisados pelo comissariado revelaram atrasos que variavam entre os dois e os 72 dias, perfazendo um total de 1019 dias de incumprimento do prazo. Em 11 destes casos, não foram aplicadas sanções por causa do tempo excessivo.

Ainda no que toca ao cumprimento dos prazos, o IACM não tem exigido a sua contagem formal e não procede à supervisão dos trabalhos de fiscalização, sublinha-se no relatório. “Verificou-se que os fiscais de obras inviabilizam a análise dos pedidos de suspensão de obras por parte do superior hierárquico, não sendo possível a este último tomar conhecimento e tratar de todos os casos de execução de obras fora do prazo.”

Coisa rara

O panorama que o Comissariado da Auditoria encontrou em matéria de coordenação de obras nas ruas leva o organismo a tecer duras considerações sobre os organismos e pessoas envolvidas.

Recordando que, ao contrário do que acontecia até há bem pouco tempo, as intervenções nas ruas deixaram de ser pontuais, o CA defende que “a (quase) constante ocupação das vias públicas e o consequente transtorno (também ele, quase constante) do dia-a-dia da população, e a imprudência na forma como as obras são planeadas e executadas, são extremamente raras no mundo inteiro”. Isto faz com que se aconselhem as entidades públicas a “analisarem profundamente a situação actual”, para que se evite uma situação ainda pior.

Embora não fosse o principal âmbito da auditoria, o trabalho levado a cabo permitiu constatar “lapsos na implementação de políticas e no cumprimento das atribuições das entidades públicas responsáveis”, ou seja, Grupo de Coordenação, constituído por várias entidades públicas, e IACM.

“Por entre dúvidas e críticas dos cidadãos, as entidades públicas envolvidas nestes trabalhos continuam a agir como muito bem entendem e a defender que os seus procedimentos e métodos de trabalho são eficazes, destacando os pequenos sucessos e ignorando, no entanto, o alto preço pago, em termos de perda de qualidade de vida, pelos cidadãos”, anota o comissariado. “As entidades em causa não são capazes de enfrentar, de forma séria, a gravidade dos problemas causados pela repetição de obras viárias”, prossegue, “e muito menos são capazes de garantir, de forma séria, o cumprimento dos prazos das mesmas”.

Não hesitando em atribuir a culpa à “falta de responsabilidade e empenho dos responsáveis”, o CA deixa algumas propostas para resolver o problema, começando pela “capacidade e determinação” de quem tem responsabilidade na matéria. Depois, sugere “uma reforma profunda dos procedimentos”, onde se incluem a colmatação de lacunas existentes, a actualização do regime em vigor e “o rigoroso cumprimento” da leis e normas existentes.

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