Entrevista MancheteJosé Pereira Coutinho, deputado: “Estas eleições serão sempre injustas” Andreia Sofia Silva - 24 Abr 2017 José Pereira Coutinho vai manter a composição da lista Nova Esperança para as eleições de Setembro, com uma novidade: Gilberto Camacho. Rita Santos será mandatária da candidatura. O deputado acredita que Sónia Chan será um nome apontado para o cargo de Chefe do Executivo por influência de O Lam, chefe de gabinete de Chui Sai On, mas diz que Ho Iat Seng é o que mais se destaca na corrida Ho Iat Seng disse que o trabalho de fiscalização levado a cabo por parte da Assembleia Legislativa (AL) melhorou. Concorda com estas declarações? Não concordo pela simples razão de que se está a passar uma ideia de que a AL tem melhorado nos seus trabalhos. O facto dos dois pedidos de debate sobre questões de interesse público terem obtido votos suficientes [não é suficiente], porque nunca teriam obtido pernas para andar se fossem submetidos há um ou dois anos atrás. Há ainda o facto de ninguém ter pedido a palavra quando o meu colega [Leong Veng Chai] apresentou o pedido de debate. A AL é bastante conivente com o Governo. Fiquei contente que cerca de 20 deputados tenham apoiado a minha proposta relativa ao Pearl Horizon e, pela primeira vez, houve um consenso, porque estamos às portas das eleições. Gostaria que houvesse eleições todos os anos para a AL, porque assim os problemas de Macau seriam resolvidos e fiscalizados. Não há margem de dúvidas de que o Governo é o porta-aviões e a AL faz parte dos navios de abastecimento que o acompanham. Temos estado a pedir mais transparência ao Governo quando a própria AL é pouco transparente. Como é que esse aspecto poderia ser ultrapassado? Deveria perguntar-se ao presidente da AL porque é que esta é tão opaca. Estou bastante desiludido pelo facto das seis comissões de trabalho serem à porta fechada e os meios de comunicação social não terem acesso. Com que legitimidade temos nós, AL, o descaramento de pedir ao Governo mais transparência, quando nós somos tão fechados e opacos. Somos os primeiros a criar problemas à sociedade. Quando o Governo mete um diploma proibindo fumo em todos os casinos, o diploma é aprovado por uma grande maioria dos deputados, chega à comissão permanente na especialidade, os deputados mudam de posição e o diploma, na sua estrutura, a base da nota justificativa, muda. Foi tudo alterado. A meu ver, esse diploma deveria ser retirado pelo Governo e nunca teria sido permitido que o mesmo pudesse ser analisado na especialidade. Desvirtuou-se por completo o ponto de partida, que era a proibição de fumo em todos os casinos. Sou contra esta forma de actuação da própria AL. Violaram-se todas as normas procedimentais da AL. Há uma falta de consciência ou de responsabilização relativamente ao acto de votar no hemiciclo? Vota-se porque sim e não se pensa nas consequências? Vota-se por votar. E há pouca divulgação e sensibilidade, por parte da população, em relação ao sentido de voto dos deputados. É preciso educar e sensibilizar a população em relação ao sentido de votação dos deputados. É preciso responsabilizar os deputados pelo acto da escolha, quer seja contra ou a favor, e também nas abstenções. Os deputados têm de ser responsabilizados pelos meios de comunicação social, têm de encontrar justificações da sua conduta dentro da AL. Não existe um eficiente sistema de verificação para que a AL consiga executar a sua missão nobre de fiscalizar a actividade governativa. Pagamos um elevado preço com os escândalos que vão aparecendo. A Lei de Terras é um exemplo. O primeiro escândalo foi o ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas (Ao Man Long). E o segundo está neste momento a decorrer, que é o julgamento de Ho Chio Meng, e não me cabe a mim pronunciar-me muito para não interferir no julgamento. Mas pelo que se lê nos media dá para perceber que a RAEM não aprendeu a lição. Fico espantado com casos como o que li hoje nos jornais, em que o Governo recuperou um terreno na Taipa, junto ao quartel dos bombeiros. Mas não se pergunta porque é que não se incrimina o ocupante ilegal do terreno, durante 20 anos, não se pede o arrendamento, e não se divulga quem ocupou o terreno? Isso é de bradar aos céus. O Governo desocupa e não pede responsabilidades. Se não são negociatas, não sei o que é que será. O antigo secretário Lau Si Io deveria ter tido a iniciativa de vir a público falar sobre os alegados erros do passado? Acercar responsabilidades sobre o caso da Lei de Terras a Lau Si Io não será justo, porque a Lei de Terras passou pelo Conselho Executivo, e estão lá representantes de todos os quadrantes da sociedade. Não é por acaso que na AL temos deputados que têm uma perna no Conselho Executivo. Devemos acercar responsabilidades às instituições em si e ao dirigente máximo da RAEM. Ser o dirigente da RAEM e falar a quatro ventos da predominância do Executivo não deve ser só nos momentos de festa. Deve ser dito nos momentos mais difíceis, em que tem de tomar responsabilidades e tomar decisões. Em relação à responsabilização, ou à falta dela, têm vindo a público muitos relatórios do CCAC e CA. Nunca se verificam grandes mudanças após a sua publicação. Considera que já era tempo de Macau voltar a ter um tribunal de contas, como teve durante a Administração portuguesa? Concordo, e fui daqueles que sugeri a alteração da lei orgânica do Comissariado de Auditoria (CA) para, de facto, haver mecanismos preventivos e de assumpção das responsabilidades por parte das entidades antes de elaborarem os orçamentos ou de utilizarem as verbas avultadas, que são acções que merecem uma ponderação e supervisão mais adequada, feita por órgãos independentes, tal como um tribunal de contas. Mas não me parece que isto convenha… hoje em dia cada vez menos pessoas têm interesse em ler os relatórios onde se denunciam irregularidades e ilegalidades e depois misturam-se esses dois conceitos. Isto é muito mau, porque afecta o primado da lei e estamos a tratar as pessoas de forma desigual. Não podemos pintar as irregularidades, chamando-as de ilegalidades. Se formos por este caminho estamos a destruir toda a matriz do Direito de Macau. Quando diz que não convém criar um tribunal de contas, refere-se ao Governo. Exacto. Não convém porque assim facilita as manobras de bastidores. Se houvesse o tribunal de contas haveria um travão ao despesismo. Como explica que no seio da Função Pública existam muitos trabalhadores que desconhecem as leis com as quais têm de trabalhar? Não concordo com isso. Os trabalhadores, na sua maioria, são sujeitos a exames rigorosos para entrar na Função Pública, embora muitos entrem pela porta do cavalo, como se vê pela denúncia do ex-procurador da RAEM que recebeu 14 telefonemas. Está por apurar quem foram as outras pessoas que lhe telefonaram para entrar pela porta do cavalo. Desde o estabelecimento da RAEM, e até 2007, ano em que se instituiu o regime de previdência, criou-se uma grande mordaça no seio dos trabalhadores da Função Pública. Trabalham com medo de represálias e dos seus superiores e cumprem porque têm de sustentar a família. É nesse sentido que se compreende que os mega-escândalos que estão a acontecer e que vão acontecendo no seio da Função Pública não sejam denunciados. Há que criar mecanismos de protecção aos que denunciam ilegalidades dentro da Função Pública, porque sem isso nada feito. Temos muitos casos de pessoas que até têm medo de falar comigo. Nunca lhe tinha acontecido antes. Nunca aconteceu e cada vez mais têm medo, de mostrar que estão comigo em eventos sociais, porque se o superior os vê, passam a ter a vida negra [no emprego]. Já disse que o sistema de queixas que se quer criar será inútil. Como é que se pode ganhar a confiança das pessoas para que estas se queixem, quando, no momento a seguir, podem ser demitidas através da não renovação do contrato, ou então são chamadas para pedir a resignação dos cargos? Parece-nos que a secretária para a Administração e Justiça é uma forte candidata ao cargo de Chefe do Executivo, com a bênção da actual chefe de gabinete do Chefe do Executivo. O Lam? O Lam. E com isso não estou a ver que haja mudanças na Administração pública. É por isso que se compreende que a maioria dos funcionários públicos se querem aposentar o mais depressa possível, mesmo com dez ou quinze anos de actividade. Falam-se de vários nomes para ocupar o cargo de Chefe do Executivo a partir de 2019. Por quê Sónia Chan? Penso que o presidente da AL [Ho Iat Seng] continua a ser a escolha do Governo Central para o cargo. Quais as razões? Tem menos ligação com o sector empresarial e, embora faça parte, não é da ala estabelecida em Macau desde o primeiro dia da RAEM. Depois é o mais bem posicionado, em termos políticos, em Pequim, porque é vice-presidente do comité permanente da Assembleia Popular Nacional (APN). Lionel Leong (secretário para a Economia e Finanças) está a perder muita da sua influência, porque faz parte do grupo instituído que já mudou politicamente junto do Governo Central, porque estamos na era de Xi Jinping e não na era de Jiang Zemin. É o protegido do ex-Chefe do Executivo (Edmundo Ho), mas é evidente que o actual Chefe do Executivo (Chui Sai On) tende a seguir mais a sua chefe de gabinete, que é a pessoa mais chegada a ele para tomar decisões governativas. O Lam tem a afilhada que é a secretária para a Administração e Justiça (Sónia Chan), e não estranho que esteja a ocupar este cargo com a bênção da chefe de gabinete e do próprio Chefe do Executivo. De onde vem essa ligação? O Lam vem de uma família tradicional, ligada à Nam Kwong. O tio de O Lam teve uma grande influência no desenvolvimento económico de Macau. (Sónia Chan) será indicada ao Governo Central para ser a próxima Chefe do Executivo, está bem posicionada. É evidente que não nos podemos esquecer do bom trabalho do secretário para a Segurança (Wong Sio Chak), que será sempre um cavalo a não esquecer. Ainda assim nenhum desses nomes pertence a outra das famílias tradicionais de Macau, nomeadamente a família Ma, que já tem um deputado nomeado na AL (Ma Chi Seng). Esperava-se um nome daí? Penso que não, porque há um consenso de que já beneficiaram muito ao nível dos maiores projectos, concursos públicos e terrenos, para compensar o défice na área política. São compensados com outras coisas. Estamos em ano de eleições. Questionou, numa sessão de esclarecimento, a questão da liberdade de imprensa. É algo que o preocupa, a possibilidade da Comissão dos Assuntos Eleitorais da AL (CAEAL) vir a controlar o que se notícia? Preocupa-me as difamações que aparecem na internet e que alguns media aproveitam para fazer noticias, como já aconteceu no passado. Mas os jornais chineses pertencem todos a determinados sectores da sociedade, que são muito influentes e com representatividade na AL. Veja-se o jornal Si Man, que pertence a Angela Leong. O jornal Si Si pertence ao deputado Chan Meng Kam. O jornal Va Kio e o jornal Ou Mun Iat Po são conotados com o Governo. E todos os outros jornais estão conotados com outras pessoas, e em todos os actos eleitorais há uma tendência desses jornais de publicarem notícias dos candidatos preferidos. Se queremos eleições justas, a CAEAL tem obrigação de falar nos casos em que uma pessoa tem dupla função, enquanto representante de uma associação e candidata às eleições, e depois sai em primeira página uma actividade associativa no Ou Mun Iat Po. Em Hong Kong mete-se na notícia do jornal de que há outros candidatos para além do visado. Mas nunca conseguiremos contornar a escolha das grandes fotos na primeira página do jornal Ou Mun, que tem um grande impacto na sociedade. Mas não tenhamos ilusões: estas eleições serão sempre injustas. Por quê? Vão continuar a existir autocarros, porque já está tudo reservado. Ainda ontem liguei para algumas empresas para tentar perceber o ponto de situação da reserva de autocarros, e já está tudo reservado. Muitas das empresas de turismo estão conotadas com deputados da AL. Os trabalhadores dos casinos vão ser coagidos a entrar nos autocarros dos casinos para irem votar, como aconteceu no passado. A CAEAL sabe disso? A CAEAL sabe disso e não quer emitir instruções. A CAEAL tem de emitir instruções aos casinos para que sejam impedidos de ajudar certas listas cuja publicidade chega aos cacifos e refeitórios dos casinos. É injusto para com as outras listas que não têm esse acesso. E esse trabalho já está a ser feito. Está a ser feito! Inclusivamente nas salas VIP já foram designadas pessoas para atrair o pessoal, com instruções de que têm de votar em determinados candidatos. O grupo SunCity vai participar nas eleições, e eles têm muitas salas VIP. A CAEAL tem de actuar. Tem de se dar instruções às escolas, para que os meninos de três ou quatro anos sejam educados de uma forma honesta, e não se deve enfiar panfletos dos Moradores (União Geral das Associações de Moradores de Macau, ou kaifong) e dos Operários (Federação das Associações dos Operários de Macau) nas mochilas. Isso foi o que aconteceu nas últimas eleições, estive à porta das escolas e assisti a isso. O que sinto é que a CAEAL não tem vontade de intervir e enfrentar esses problemas. Talvez porque não queiram afrontar o poder estabelecido. Uma das questões trazidas pela lei eleitoral foi a obrigatoriedade dos candidatos assinarem uma declaração de fidelidade a Macau e à China. Contudo, aquando da votação, ninguém interveio e a proposta acabou por ser aprovada. O Governo continua a ser o porta-aviões. Veja-se a actual composição da AL. Pagamos um preço elevado pelo facto de não haver mais deputados eleitos pela via directa. Isto prejudica Macau em termos gerais. O que me pergunta é a consequência de tudo isto, e enquanto não alterarmos o sistema, vamos continuar a pagar caro. Esta cidade está a ser comida pelo jogo, e não tenho fé e confiança na implementação do Plano de Desenvolvimento Quinquenal. É impossível ir contra a maré. Macau vai continuar a ser uma cidade casineira, com alguns satélites à volta, dependentes dessa actividade, como os hotéis e os táxis. E os próprio salários dos funcionários públicos e o orçamento da RAEM. O Governo acomoda-se. Sobre a sua lista. Rita Santos já disse que não vai ser candidata… Ela vai ser mandatária e eu vou concorrer com o meu colega, Leong Veng Chai. Logo a seguir estará o meu colega Gilberto Camacho, estamos a acertar para que seja o número três ou quatro da lista. É uma pessoa jovem, de Macau, que estamos a tentar formar para assumir [esse lugar]. Embora não seja fácil encontrar pessoas que nos possam substituir na lista Nova Esperança. Já é bastante tempo, são 12 anos. Está cansado de ser deputado? (Risos). Não. Dá-me muita satisfação pessoal poder ajudar as pessoas, e sinto-me realizado todos os dias, quando os cidadãos, por sua iniciativa, nos solicitam apoio. O exercício do cargo de deputado tem de ser em regime de exclusividade, e todos devem fazer uma declaração de interesses. Isso faz muita falta.