França | Primeira volta das presidenciais no próximo domingo

Os franceses vão a votos no domingo para umas presidenciais invulgares, com candidatos fora do sistema partidário e um resultado imprevisível. As eleições têm importância interna, mas são também de extrema relevância para uma Europa que já conheceu melhores dias. Em Macau, pela primeira vez, há uma mesa de voto

 

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o próximo domingo, a partir das 8h, os quase 140 eleitores franceses que residem em Macau poderão exercer o direito de voto na mesa que vai ser instalada na Alliance Française. Têm à escolha, no boletim de voto, 11 candidatos, numas eleições que ficaram, para já, marcadas por escândalos de corrupção e por uma tentativa de ruptura com sistema, com candidatos que não têm o apoio de máquinas partidárias.

A mesa de voto em Macau trata-se de uma novidade e poderá ter apenas uma edição, explica o politólogo francês Éric Sautedé que, no próximo domingo, fará parte da comissão presente na Alliance Française. É bem provável que, nas próximas eleições, já seja possível o recurso ao voto electrónico. Mas, para já, esta novidade introduzida pelo novo cônsul-geral francês em Hong Kong e Macau vem reconhecer a importância dos franceses residentes no território que, em sufrágios anteriores, tinham de se deslocar a Hong Kong ou votar por correspondência.

Ao todo, Macau e Hong Kong têm oito mil franceses recenseados. Éric Sautedé acredita que a afluência às urnas não deverá ficar atrás do que aconteceu nas últimas eleições, altura em que 60 por cento dos eleitores exerceram o direito de voto. Este ano, pela imprevisibilidade em torno do resultado das eleições, é bem provável que a afluência cresça em França. E esse movimento deverá ser acompanhado fora do país.

Em termos domésticos, nestas eleições jogam-se sobretudo políticas económicas, laborais e de imigração. Mas as presidenciais francesas têm impacto também para o futuro da União Europeia (UE). Paris tem uma importância histórica na construção da comunidade de países do Velho Continente. Desempenhou – e continua a desempenhar – uma papel fundamental no equilíbrio de forças da UE, a par da Alemanha. “Ninguém consegue olhar para o futuro da União Europeia sem pensar no eixo franco-alemão, tanto mais agora que o Reino Unido deixa de ser membro da União”, observa José Luís Sales Marques, presidente do Instituto de Estudos Europeus de Macau (IEEM).

Sufrágio da diferença

Dos 11 candidatos inscritos no boletim de voto, há dois mais bem posicionados para sucederem a François Hollande, que decidiu não se recandidatar. Emmanuel Macron, independente do centro, de apenas 39 anos, vai à frente nas sondagens, mas é seguido de perto por Marine Le Pen, da Frente Nacional, candidata de extrema-direita que os europeístas não desejam ver eleita. Se nenhum dos candidatos conseguir mais de metade dos votos, os eleitores são de novo chamados às urnas a 7 de Maio.

Na análise às eleições francesas, Éric Sautedé começa por fazer uma distinção entre o que é a perspectiva interna e o que sentem os eleitores que vivem fora do país. “Os franceses que estão no estrangeiro são globalizados, são muito pró-Europa. Quando se fala com quem está no local, é diferente, porque as grandes preocupações são domésticas, são internas.”

Numa Europa que tem vivido, nos últimos anos, fortemente afectada pela crise, as decisões e a influência das instituições europeias são frequentemente utilizadas (justa e injustamente) como justificação para o que vai mal. “Os nossos políticos culpam amiúde as instituições europeias pelas medidas de austeridade, por tudo o que é mais difícil de apresentar ao eleitorado. A Europa é muitas vezes acusada de uma série de dificuldades”, analisa o politólogo. Por isso, é mais fácil para os franceses no estrangeiro terem consciência da importância da União Europeia.

Dentro das fronteiras, “muitas pessoas estão insatisfeitas com os políticos, com o facto de a taxa de desemprego rondar os dez por cento”. A “falta de capacidade de vários Governos” tem contribuído fortemente para que o eleitorado esteja desagradado, sublinha Éric Sautedé. E é neste contexto que surgem candidatos que não estão no sistema partidário. Do grupo dos 11, há dois nomes independentes, sendo que é bem provável que um deles seja o próximo Presidente.

“Emmanuel Macron, o candidato mais bem posicionado, criou o seu próprio movimento há um ano e meio. Está fora do Partido Socialista, apesar de ser de esquerda, mas está mais do lado liberal. E depois há Jean-Luc Mélenchon, que foi também socialista, mas que tem a sua organização independente. Também está fora do sistema partidário”, realça o politólogo.

Ainda na análise aos candidatos, Sautedé não esquece François Fillon, à direita, que chegou a ter uma posição confortável, mas que passou a lidar com acusações – entretanto formalizadas – de corrupção. Depois, na Frente Nacional, Marine Le Pen, que também vive com a sombra de suspeitas de corrupção, que “se diz anti-sistema, mas faz parte dele”.

Em suma, “são umas eleições invulgares”, resume o analista francês. “Há dois candidatos fora dos partidos e dois candidatos que se deparam com acusações de corrupção”.

Contas imprevisíveis

À hora a que este texto é escrito, e depois de a campanha ter começado com quatro candidatos bem posicionados, tudo aponta para que Emmanuel Macron seja o vencedor da primeira volta. “Até há pouco tempo”, recorda Sales Marques, “as sondagens indicavam que Marine Le Pen ganhava a primeira volta e perdia na segunda”.

Porque a história recente conta muito para estas análises, apesar de as geografias serem outras, o presidente do IEEM não arrisca resultados. “Estas coisas são imprevisíveis. Se Marine Le Pen ganhar à primeira volta, nunca se sabe o que poderá ser a química interna desses movimentos eleitorais que, às vezes, nos trazem surpresas desagradáveis.” O analista não esquece o Brexit no Reino Unido e a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos. As sondagens valem o que valem e o mundo político tem hoje contornos diferentes do que teve no passado, com a polarização de posições e com o refúgio em candidatos que se apresentam com promessas de ruptura do sistema.

Na extrema-direita, Marine Le Pen é adepta do proteccionismo, quer acabar com a dupla nacionalidade quando em causa estão cidadãos de fora da Europa, e quer levar a cabo um referendo sobre a presença francesa na União Europeia, um “Frexit” que seria, muito provavelmente, fatal para a UE. Tudo isto é embrulhado com o laço da recuperação da identidade francesa.

“Do ponto de vista do projecto europeu, é evidente que seria ideal que ganhasse um candidato europeísta à primeira volta que, neste caso, seria Macron”, nota José Luís Sales Marques.

Aos 39 anos, Emmanuel Macron foi ministro da Economia do impopular Presidente François Hollande. Deixou o cargo em 2016 para dar início ao seu movimento – En Marche!. É um defensor do projecto europeu e, como liberal, quer diminuir os impostos às empresas, tornar mais flexíveis as leis laborais, investir 50 mil milhões de euros num plano de investimentos públicos e encorajar os empreendedores. Diz ser, do ponto de vista ideológico, o oposto de Marine Le Pen, e espera convencer os franceses de que “um projecto positivo e uma perspectiva progressista é mais conveniente aos desafios” do país.

Além dos desafios económicos e sociais apontados por Éric Sautedé, Sales Marques recorda que “a França tem sido alvo de várias questões de segurança interna, com alguns ataques terroristas, uma certa desestabilização que, como todos sabemos, abre sempre caminho para soluções securitárias, para o fecho de fronteiras, para a tentação de discriminar certos grupos sociais, étnicos e religiosos”.

Apesar de as sondagens não darem a vitória a Marine Le Pen, Sales Marques teme que esta “forte candidatura discriminatória e xenófoba” obtenha um resultado elevado, o que poderá significar “uma situação muito complicada” para o país e para a continuidade do projecto europeu”.

“Infelizmente, a UE, com a crise económica, com as soluções neoliberais e com uma visão curtíssima do que é a solidariedade europeia, tem vindo a perder”, lamenta Sales Marques. No domingo, os franceses vão a jogo. No boletim de 11 candidatos aposta-se também o futuro da Europa.

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