h | Artes, Letras e IdeiasPor coincidência, falso marquês José Simões Morais - 31 Mar 2017 [dropcap style≠’circle’]Q[/dropcap]ual teria sido a finalidade de Madame Blanche Lachmann se casar com Albino Paiva? Num anterior artigo referimos as famílias ligadas à nossa personagem principal, mas faltou falar da descendência proveniente do casamento de Francisco José de Paiva com Inácia Vicência Marques. Os avós do lado materno de Albino Francisco de Paiva de Araújo tiveram oito filhos e se aqui apenas nos interessa Mariana, uma das cinco filhas e mãe do nosso biografado, já o seu tio, Francisco José de Paiva filho (1801-1849) foi o elemento da família mais distinto e quem deu o nome à Travessa do Paiva. Sobre ele haveremos de tratar em próxima ocasião. Outra filha deste casal, que mais adiante irá aparecer nesta história, é D. Antónia Maria de Paiva, nascida na freguesia de S. Lourenço a 22 de Dezembro de 1816 e que casou em Lisboa com Francisco Rebelo de Albuquerque de Mesquita e Castro, 2.º Visconde de Oleiros, segundo informações de Jorge Forjaz no livro Famílias Macaenses. Em Paris, sobre Albino Francisco de Paiva de Araújo, Flectwood-Hesketh diz ser “marquês de Paiva Y Aranja com quem [Thérèse Blanche Lachmann] se casou em Passy em 5 de Junho de 1851. Paiva era primo do embaixador português. Aparentando ser muito rico, ele estava na realidade profundamente endividado; as grandes propriedades em Portugal, de que ele se dizia herdeiro, eram inteiramente fictícias. Ele vivia do dinheiro de Teresa; primeiro ficaram na rua Rossini, depois numa casa curiosa no Lugar de S. Jorge, de escultura gótica, construída em 1840 pelo arquitecto Renaud. Em troca do seu grau nobiliário, ela deu dinheiro a Albino, mas só o mínimo da bênção nupcial; e durante um ano uma nova luz navegou na sua órbita.” A informação de Albino Paiva de Araújo ter o título de Marquês não é verdadeira, nem tão pouco o de ser primo do embaixador português em Paris, o Visconde de Paiva. No entanto, é espantosa a coincidência pois encontrava-se em Paris na mesma altura Francisco José de Paiva (1819-1868), 1.º barão em 1853 e 1.º visconde de Paiva em 1858, como enviado extraordinário e ministro plenipotenciário de Portugal em Paris. Este era filho de D. Ana Sofia Thompson e de José Caetano de Paiva Pereira, fidalgo cavaleiro da Casa Real e membro do Supremo Tribunal de Justiça. Casado com Carlota de Oliveira Maia a 19-12-1838, foi eleito par do Reino em 1862. Em Paris contraiu enormes dívidas, que não conseguia pagar e por tal foi transferido para Berlim e aí se enforcou de profundo desgosto em 1868. Interessante paralelismo com a história do nosso boémio, Albino Francisco de Araújo, que também se suicidou e cujo avô e tio tinham o mesmo nome do embaixador português em Paris. O final de Paiva de Araújo Foi pelo título (falso) de marquês que Blanche Lachmann se casara com Albino de Paiva de Araújo, pois, já 40 vezes milionária desde que viera de Londres, faltava-lhe apenas um título para adquirir dignidade na sociedade, condizente com a sua opulência e assim, passou a apresentar-se com o seu marido, o marquês de Paiva. O padre Manuel Teixeira refere, “Ainda vivia com este suposto marquês, que era o seu segundo marido, a quem dera dinheiro em troca do seu grau nobiliário, quando foi apresentada, pelo cônsul alemão Félix Bamberg numa noite de ópera em 1852, ao conde Henckel von Donnersmark”. Segundo Camilo Castelo Branco: “Dobaram-se alguns anos em que nada averiguei; até que, em 1873, li nos jornais portugueses que Paiva Araújo se suicidara em Paris. Conversando a tal respeito com António Augusto Teixeira de Vasconcelos, em Lisboa, por 1874, me disse o famoso escritor, que o conhecera muito em Paris, e tinha exactas informações da sua morte. O marido indigente de mad. de Paiva procurou congraçar-se com a sua marquesa, que vivia opulentamente no seu palácio de Pont-Chartrin, o das 365 janelas, decorado por Paul Baudry, ligada ao conde Henckel de Donnesmark. Ela repeliu-o. Paiva manteve-se algum tempo de empréstimos, e pequenos donativos talvez da mãe com que ia disfarçando a sua pobreza aos olhos de outros a quem tencionava recorrer”. O Padre Manuel Teixeira refere, “Tendo obtido do Santo Ofício a anulação do seu casamento com o <Marquês> de Paiva a aventureira consorciou-se pela terceira vez com o Conde Henckel de Donnesmark, rei do cobre da Silésia”. Peter Flectwood-Hesketh dá as datas, “Em 16 de Agosto de 1871, o casamento de Blanche com Paiva foi anulado pelo Vaticano e em 28 de Outubro ela casou com Henckel na igreja evangélica da Confissão de Augsburg na Rua Roquépine, Paris. Paiva vivia no n.º 11 da Rue Neuve des Mathurins. Em 8 de Novembro de 1872 ofereceu aos seus credores um jantar particular na Maison Dorée, o qual ele não podia pagar. Voltando a casa nessa noite, pôs termo à vida com um tiro de revólver no peito, tendo 45 anos de idade”. Mas segundo escreve Camilo Castelo Branco, “Um dia, em grande apuro, escreveu pedindo 2000 francos a um rico e antigo conviva dos seus desperdícios, e, juntamente com a carta, meteu na algibeira do fraque coçado um revólver. A carta foi, posta interna, ao seu destino, e a resposta, no dia imediato, foi entregue ao porteiro do hotel. Quando voltou a casa e leu a resposta negativa, ainda subiu alguns degraus, e, no primeiro patamar, caiu moribundo com um tiro no peito. Se bem me lembro, foi o ministro português quem pagou o carro que conduziu o cadáver ao Pére La Chaise. Depois, a viúva que, até esse dia, se chamava marquesa, pelo seu segundo marido, casou com o terceiro, que realmente a fez condessa. Não duvido que Paiva Araújo se intitulasse marquês em França. Jeronymo Collaço também se intitulava conde, e, a falar verdade, não carecia d’esse ridículo para se distinguir. Só duas palavras mais a respeito da mãe de Paiva Araújo. Há-de haver oito anos que a sua casa, ricamente ornamentada, foi à praça para pagamento de dívidas. Ela tinha sacrificado quase toda a sua meação para salvar o filho. Pagou as dívidas, e retirou-se com umas sobras mesquinhas para um pobre casebre rural, nos arrabaldes do Porto. Não tenho a certeza de que ela já gozasse a suprema felicidade de morrer”. Assim termina Camilo Castelo Branco a sua crónica publicada no Jornal da Manhã de 13 de Julho de 1885, mas no livro Boémia do Espírito, editado no Porto em 1886, acrescenta em nota duas cartas que recebera no entretanto de amigas da macaense Senhora Paiva para o esclarecer. Interligando essas duas cartas, pois o conteúdo repete-se, fica-se a saber que “Vivia no Porto, na rua de Santa Isabel [próximo do jardim Arca d’ Água], recebendo uma pequeníssima mesada [proveniente de Lisboa] que lhe davam a irmã [D. Antónia Maria Paiva] e sobrinha, viscondessa dos Olivais e viscondessa de Oleiros, mesada que mal chegava para viver debaixo da maior economia” e na outra carta se refere, “A infeliz macaense faleceu no dia 26 de Maio último (1885) com 88 anos, (…e…) está enterrada na Lapa, da qual foi uma grande benfeitora” e regressando à primeira carta, “Foi aquela Irmandade que lhe fez o enterro gratuitamente, como lembrança de algumas esmolas que ela, em tempo, deu àquela Irmandade”.