Novo Macau | Analistas comentam saída de Jason Chao

Apanhou desprevenidos os observadores da política local, que não acreditam, no entanto, num mero regresso à vida civil do demissionário vice-presidente da Associação Novo Macau. Éric Sautedé não afasta a possibilidade de, um dia destes, Jason Chao voltar em força. E surpreender quem agora bate palmas

[dropcap style=’circle’]É[/dropcap] visto como sendo o homem que revolucionou a Associação Novo Macau (ANM), movimento político pelo qual foram eleitos Au Kam San e Ng Kuok Cheong. É tido como um jovem incómodo, um activista sem papas na língua que, por não estar de acordo com os mais velhos, contribuiu para a fragmentação da principal associação pró-sufragista do território.

Na semana passada, Jason Chao anunciou que está de saída da ANM. Na despedida, garantiu que não houve desentendimentos com a actual direcção e deu a entender que tem novos planos ligados ao trabalho junto da sociedade civil. Chao deixa o organismo a pouco mais de meio ano das eleições legislativas. “Estou um pouco surpreendido com a saída de Jason Chao”, admite Eilo Yu, professor da Universidade de Macau.

No comunicado que publicou no Facebook, o ainda vice-presidente da Novo Macau mostra-se desiludido com o facto de serem cada vez menos aqueles que estão dispostos a dar a cara pelos ideais democráticos. Eilo Yu tem uma leitura diferente sobre a matéria. “Em termos de tamanho, não me parece que o campo pró-democrata esteja a ficar menor. Nestes últimos anos, passámos a ter mais jovens e grupos independentes a assumirem uma posição sobre questões públicas”, sublinha ao HM.

Teoria da fragmentação

“Talvez o desencanto de Jason Chao tenha quer ver com o facto de o campo pró-democrata não estar a crescer em paralelo ou em proporção à economia de Macau”, acrescenta. Para o politólogo, “a oposição encontra-se mais fragmentada do que unida”.

Eilo Yu recorda que, quando o deputado Au Kam San e outros elementos da Novo Macau saíram da ANM e passaram a integrar a Iniciativa de Desenvolvimento da Comunidade de Macau, “as forças pró-democracia separaram-se”. “Têm o seu posicionamento e estratégia, têm também, por vezes, opiniões diferentes, o que poderá contribuir para a frustração de Chao”, afirma.

Surpreendido com a saída ficou também o académico Éric Sautedé, uma vez que esperava que o vice-presidente da ANM se candidatasse às eleições legislativas deste ano. “Não conheço ninguém em Macau que não tenha ficado surpreendido. É um jovem político muito sofisticado e desafiador e, apesar de os resultados que obteve em 2013 não terem, certamente, ido ao encontro das suas expectativas, deu a entender que se iria de novo candidatar”, refere o analista, que vê em Jason Chao “um lutador”.

Éric Sautedé não tem a certeza de que o jovem político esteja desiludido com o rumo dos acontecimentos dentro e fora da Novo Macau, mas não tem dúvidas de que existe frustração, “especialmente porque ele é amplamente reconhecido como um firme defensor dos valores democráticos e da reforma em Macau, e infelizmente isto não se traduziu no resultado que legitimamente aspirava” nas últimas eleições.

De fora, mas perto

Ainda sobre Jason Chao, o politólogo francês traça um retrato do vice-presidente da ANM para tentar perceber qual o passo que se segue. “Baseia-se em princípios, é um idealista, e desafia o campo conservador e iliberal ao utilizar, em simultâneo, abstracções e actos surpreendentes, algo que homens como Fong Chi Keong ou Chan Chak Mo devem ter verdadeira dificuldade em alcançar”, atira.

Sautedé recorda ainda que Jason Chao é uma pessoa que suscita opiniões muito diferentes, atendendo ao forte envolvimento no movimento de direitos LGBT em Macau, que “continua a ser uma comunidade muito tradicional”. “Ele assumiu ser homossexual, ansioso por acabar com todas as formas de discriminação na sociedade.”

O académico acredita que a saída anunciada para o final do próximo mês “é estratégica, deverá ter algo em mente, mais no lado do trabalho junto da sociedade civil, que poderá ser complementar ao papel mais institucional da Novo Macau”.

Eilo Yu concorda com esta perspectiva, ao destacar que “Jason Chao deu a entender que irá criar uma nova organização para a continuação da sua actividade, pelo que poderá cooperar com a Novo Macau nalgumas situações”.

Não obstante, o professor da Universidade de Macau adivinha tempos difíceis para a ANM. “Em termos psicológicos, a saída de Chao por certo trará pressão, a curto prazo, à Novo Macau. Nestes últimos anos, Scott Chiang e Sulu Sou têm estado muito activos na vida política de Macau. Acredito que continuarão o que têm estado a fazer”, diz. Mas perderam oficialmente um companheiro de luta.

Em termos gerais, continua Eilo Yu, “a saída de Chao vai fragmentar ainda mais o campo pró-democrata e reflecte que este continua a ser virado para a elite”. Para o analista, a pró-democracia em Macau “não tem capacidade de união e de acomodação da elite e das massas, que têm diferentes opiniões dentro de uma organização”. O fenómeno não é exclusivo de Macau: “Essa é a natureza das forças pró-democratas em várias regiões, como acontece em Hong Kong”.

Esperar pela surpresa

Já Éric Sautedé entende que a Novo Macau é “como uma família”. “Aqueles que se regozijaram demasiado depressa com o facto de Jason Chao ter passado aos bastidores poderão, muito bem, ter uma surpresa quando chegar a hora”, diz.

O politólogo lembra que, “desde que se juntou à ANM, em meados dos anos 2000, Jason Chao esteve sempre à frente de todas as batalhas democráticas em Macau, e mais ainda depois de, em 2010, se ter tornado presidente da única força política da oposição, quando tinha apenas 24 anos”. Ou seja, não será agora que vai atirar a toalha ao chão.

“Infelizmente, em Macau, o sistema eleitoral é totalmente selado e as eleições são ganhas com um apoio comunitário muito grande – Fujian, Jiangmen ou Chaozhou, é escolher – e com muito dinheiro gasto em jantares, entretenimento e sorteios, durante todo o ano e ao longo de todo o mandato”, lamenta Sautedé. “Quando se defendem ideias não é preciso sujar as mãos, luta-se contra o sistema naquilo em que é discutível”, acrescenta. Jason Chao deixa a ANM, mas não deixará as lides políticas do território.

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