A marcha das mulheres

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]inguém sabe ao certo se se trata de um momento de catarse episódico ou de uma tendência ideológica em ascensão. No dia 21 de Janeiro convocaram-se as mulheres deste mundo para uma marcha que se pensava não ser mais necessária, mas ainda é. As senhoras com muitos anos de experiência andavam por lá com cartazes: ‘Não acredito que ainda tenho que manifestar-me por isto’. Porquê? Porque a maior potência mundial elegeu um Presidente que faz questionar certos valores contemporâneos. Tal como uma criança de 10 anos afirmou, ao ser entrevistada nas ruas de Washington DC, o Presidente eleito não dá o melhor exemplo de como as mulheres deverão ser tratadas.

É-me difícil ficar indiferente a estas questões. São anos de luta e de consciencialização para que a desigualdade de género seja esmiuçada ao tutano e que desapareça de uma vez por todas. Surpresa das surpresas: ainda constitui um dos maiores desafios da humanidade. Se nos últimos 200 anos tem-se lutado por maior respeito e mais direitos para as mulheres, estas causas continuam a fazer sentido hoje em dia. Esta marcha das mulheres mostrou-nos que o activismo ainda existe, e que nós ainda temos armas para mostrarmo-nos descontentes.

Fiquei muito comovida ao ver as imagens de gerações de mulheres acompanhadas pela família e amigos. Aviões e autocarros cheios de mulheres e homens com barretes cor-de-rosa de orelhinhas de gato em peregrinação para um espectáculo de descontentamento social. Acreditar que as mulheres merecem um papel social diferente ao que é proposto hoje em dia e que merecem oportunidades para alcançarem tudo aquilo que quiserem, não é conversa especial de feministas. É uma conversa para todos aqueles que acreditam numa sociedade mais justa, igualitária e capaz de ser solidária.

Ao mesmo tempo, foram expostas exigências que são praticamente universais. As mulheres têm direito a ser as senhoras donas do seu corpo, têm o direito a ter as mesmas oportunidades que todos, têm direito a serem tratadas com respeito. Mas se há temas que são claros como água, há outros que não são. Ser a favor da legalização do aborto é ser a favor da escolha de poder abortar: é ter o total controlo do nosso corpo, ter direito a informação reprodutiva e ao planeamento familiar. Penso que isso seja claro. Mas o que é que quer dizer ter as mesmas oportunidades? Em especial, o que significa respeitar as mulheres?

Pela minha experiência, cada vez mais me apercebo que as opiniões divergem grandemente, apesar da causa ser a mesma. O cliché é de que tudo é relativo: mas é preciso ouvir com atenção as definições e redefinições que as pessoas fazem sobre o que é respeito, por exemplo. Isto é só um exercício de reflexão do dia-a-dia feminino. Mas se para a maioria é óbvio que é extremamente ofensivo um sujeito gostar de se vangloriar por poder agarrar uma mulher pela sua genitália, do que é que pensamos sobre homens que mandam piropos na rua ou que ficam especados a olhar só porque alguém está a usar uma mini-saia, por exemplo? Será que podemos falar de uma má objectificação feminina e de uma ‘boa’?

Eu, por exemplo, mantenho uma posição muito clara de como gostava de ser respeitada, e isso passa por querer poder dançar numa discoteca em paz e não ser incomodada constantemente por homens, ou poder usar uma mini-saia porque está calor e porque me sinto bem assim, ‘boa’ objectificação feminina é coisa que para mim não existe. Contudo, quem sou eu para definir universalmente o que quer que seja? Há mulheres que gostam de sair à noite e de ser admiradas – pode ser bastante empoderador. Há quem goste de ser interpelada para que a sua beleza seja elogiada (com classe, não à construção civil). Há pessoas para todos os gostos.

O respeito passa muito mais por aí, o respeito passa por perceber que há tendências diferentes. O respeito é ouvir e escutar com atenção as necessidades e vivências não só de um grupo como um todo (neste caso, as mulheres), mas as necessidades individuais também. Porque não existe uma fórmula perfeita para como estas coisas são vividas, mas é especialmente importante reconhecer estas idiossincrasias. Apesar de uma marcha ter o poder unificador de um conceito, de uma causa, ter a capacidade de lutar, de mostrar a força colectiva, nunca se esqueçam de cada uma de nós. Nós temos cores diferentes, ideias diferentes, experiências diferentes. Nós temos as pussies de ferro e ninguém nos vai parar.

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