Um Grito no Deserto VozesGrande anestesia é o hábito Paul Chan Wai Chi - 20 Jan 2017 [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]lguns pais estacionam as motas nos passeios quando vão buscar os filhos à escola. Há pouco tempo uma transeunte denunciou um estacionamento ilegal a um polícia que estava nas imediações. No entanto o agente afirmou que a zona onde os veículos estavam estacionados não lhe pertencia. Acrescentou ainda que, tanto quanto lhe era dado ver, as motos não estavam a bloquear a passagem, até porque tinha acabado de ver um grande grupo de estudantes a passar sem dificuldade, só tiveram de contornar os motociclos. Portanto, não lhe parecia grande problema. Todos os dias muitos pais estacionam as motos para irem buscar os filhos à escola. No entanto o polícia informou a transeunte que, se mesmo assim, quisesse apresentar queixa, poderia ligar para o Departamento de Trânsito ou que ele o poderia fazer em seu nome. Se a senhora decidir avançar com a reclamação, os proprietários dos veículos terão de pagar uma multa e, na pior das hipóteses, ver as suas motos apreendidas. Nesta situação, não podemos acusar o polícia de irresponsabilidade, porque cumpriu o seu dever e esteve atento ao que se passava à sua volta. Se for necessário culpar alguém, terá de ser a transeunte. E isto porque nunca ninguém se queixou dos estacionamentos ilegais, nem os estudantes, nem os professores, nem a escola, considera-se que estas situações fazem parte do seu dia a dia. Quando se trata de colégios caros, então para além das motos, temos também grandes carros, alguns deles de funcionários do Governo, estacionados ilegalmente em frente aos portões de entrada. E como os habitantes de Macau já estão acostumados a estas situações, a maioria considera-as naturais. Os poucos que ainda se indignam acabarão por desaparecer se tudo continuar na mesma. Vejamos agora outro exemplo. Na paragem da Praça de Ferreira do Amaral estão funcionários cuja função é fazer com que as pessoas façam fila para entrar nos autocarros. No entanto, quase ninguém obedece. Os lugares reservados para idosos, deficientes, grávidas e crianças, são sempre ocupados por quem não precisa. Os idosos já se habituaram a ir em pé porque não querem arranjar discussões. O “ladrão” dos lugares reservados está geralmente de olhos fechados, ou vai a fazer uma soneca, ou a ouvir música de auscultadores postos, ou a jogar um joguinho no telemóvel. Todos têm uma coisa em comum, não dão por nada que se passa à sua volta. Por seu lado o condutor vai concentrado na condução, e deixa que os passageiros resolvam as questões entre si. Este fenómeno das “mentes letárgicas” tornou-se parte integrante da vida em Macau. Mas é tempo de acabar com estas práticas “inquebrantáveis”. Em Macau as pessoas aceitam o que têm. Só quando os seus interesses são postos em causa é que protestam um pouco. Ninguém quer saber se não existe controlo do afluxo crescente de turistas, as pessoas só se queixam dos engarrafamentos e das ruas congestionadas. O Governo distribui anualmente dinheiro aos residentes para lhes adormecer os espíritos e fazê-los esquecer os aumentos constantes das rendas de casa, para não falar do valor dos apartamentos para venda, inacessível à maior parte das bolsas. Para acordar as pessoas em Macau é necessário mudar-lhes os hábitos. E para mudar os hábitos é necessário alterar o estilo de vida fácil, de um conforto sufocante, sob o risco de entrarem num coma prolongado que irá sobrevir a uma situação continuada de “mente em estado letárgico”. Segundo os dados publicados pela Direcção dos Serviços de Administração e Função Pública, existiam mais de 300.000 eleitores recenseados em Macau em finais de 2016, o que representa um aumento de 30.000 eleitores em comparação com 2012. Estes números terão certamente impacto nas próximas eleições para a Assembleia Legislativa, agendadas para Setembro próximo. Mas se os padrões de comportamento habituais não se alterarem, a prática de comprar votos através da concessão de favores é que continuará a determinar quem é eleito. Numa pequena cidade como Macau, com relações interpessoais muito próximas, as pessoas acostumadas a uma vida confortável optam por fechar os olhos a problemas de ordem social, desde que não sejam demasiado evidentes ou demasiado sérios. Este género de “tolerância” não é benéfico para o progresso social. Se esta situação se mantiver, toda a cidade poderá ficar refém do populismo o que será um caminho sem retorno. Os hábitos formam o nosso carácter e o nosso destino é determinado pelo nosso carácter. Temos de alterar as nossas práticas se quisermos mudar Macau. Temos de nos interessar e ser participativos para a sociedade mudar e evoluir. 2017 vai ser o ano para nos livrarmos dos maus hábitos!