Estados Unidos | Donald Trump é hoje empossado

 

 

Hoje é a cerimónia de tomada de posse de Donald Trump como 45.º Presidente dos Estados Unidos da América. Entretanto, tornam-se evidentes as ligações ao Kremlin, as relação com Pequim aquecem e, internamente, as nomeações para o Executivo fazem correr tinta mundo fora. O HM faz uma análise ao que aí vem nos próximos quatro anos

 

[dropcap style≠’circle’]T[/dropcap]oma hoje posse o Presidente norte-americano com a mais baixa popularidade desde que se fazem sondagens do género. De acordo com várias pesquisas (Gallup, CNN/ORC, ABC News/Washington Post) Donald Trump tem uma taxa de aprovação na casa dos 40 por cento, o que bate todos os recordes de impopularidade.

Se fizermos uma comparação, Obama tinha 84 por cento de aprovação nestas sondagens na altura em que jurou defender a Constituição americana em frente ao Capitólio. George W Bush tinha 61 por cento de aprovação, enquanto Bill Clinton tinha 67 por cento.

Trump reagiu à publicação destes números no Twitter, claro, afirmando que foram manipulados. É de salientar que, apesar de estar constantemente a declarar que esmagou a sua adversária, Hillary Clinton teve mais de três milhões de votos que o magnata de Nova Iorque.

Até ao nível de convidados para a cerimónia que lhe dá posse a impopularidade de Trump se fez notar, com um desfile de negas de artistas que se recusaram a associar-se ao controverso Presidente eleito. Elton John, Céline Dion, Garth Brooks, só para citar alguns nomes. De qualquer forma, o juramento de posse acontecerá hoje em Washington, apesar de muitos congressistas, senadores e outras figuras políticas de peso terem declinado a presença na cerimónia. Também muitos líderes religiosos declinaram o convite por não quererem ficar associados ao acto oficial que terá lugar no Capitólio.

Da Rússia com amor

Na ordem do dia tem estado a relação entre Trump e Putin, num volte-face geopolítico que vira do avesso a história do século passado. Quem diria que assistiríamos à direita musculada, a roçar a extrema, a amigar-se com o ocupante do Kremlin? Não tocando no escândalo, não consubstanciado em factos, publicado pelo site Buzzfeed, as relações com Moscovo parecem cada vez mais próximas e reais.

Em declarações ao Times de Londres, Donald Trump equacionou levantar as sanções impostas à Rússia na sequência da anexação da Crimeia. “A Rússia tem sanções que estavam a prejudicar muito a economia, veremos se podemos fazer um bom negócio”, comentou o magnata à publicação britânica. No outro prato da balança está a possibilidade de uma redução do arsenal nuclear russo. É de salientar que os Estados Unidos e a Rússia são as duas maiores potências nucleares, com 1367 e 1796 ogivas, respectivamente. De acordo com o tratado New Start, assinado em 2010, as duas potências concordaram em diminuir a capacidade nuclear de longo alcance, o perigo iminente que ameaçou o mundo durante a Guerra Fria.

Outra situação suscitada pelo levantamento de sanções prende-se com a nomeação de Rex Tillerson para o cargo de secretário de Estado, o equivalente a ministro dos Negócios Estrangeiros. Tillerson era, até recentemente, o CEO da gigante ExxonMobil, e angariou dinheiro da indústria petrolífera para as campanhas de candidatos republicanos desde George W. Bush até Mitt Romney. É de salientar que o nomeado não tem qualquer experiência política. Ainda assim, opôs-se publicamente à imposição de sanções à Rússia aquando da invasão da Crimeia. O que não é de estranhar, uma vez que as imposições das Nações Unidas puseram fim ao negócio que a ExxonMobil tinha com Moscovo, no valor de 500 mil milhões de dólares. A cereja no topo do bolo geopolítico é a condecoração com que Vladimir Putin distinguiu Rex Tillerson em 2013, pelos contributos prestados no desenvolvimento do sector da energia russo.

Governantes anti-governo

Depois de meses a partilhar o #DTS nas redes sociais, drain the swamp, numa alusão à suposta luta contra a corrupção e influência de lobbies em Washington, Trump nomeou para posições chave na sua Administração muitos operacionais de K Street, o coração das empresas de lóbi da capital política norte-americana.

Na realidade, há um movimento autodestrutivo no que toca ao funcionamento do Governo americano nos dias que correm. Por exemplo, a nomeação de Trump para a Agência de Protecção Ambiental é Scott Pruitt, um homem que processou 13 vezes a mesma agência que agora vai liderar. O mais bizarro é que muitos destes casos ainda estão nos tribunais, ou seja, Pruitt está a processar a agência para a qual já foi confirmado pelo Senado para liderar. Questionado por senadores se iria desistir dos processos, o político de Oklahoma disse que “se for obrigado a isso”, assim o fará. Depois, o nomeado de Trump para a agência que defende o ambiente nega que as alterações climáticas sejam uma preocupação real.

Outra nomeação na mesma linha é a de Betsy DeVos, que tem feito uma cruzada pelo aumento do peso das escolas privadas no sector educativo, em detrimento da escola pública. Durante anos foi o rosto dos lobbies que lutaram, unha e dente, contra o ensino público. Como é lógico, foi confirmada perante o Senado como a nova secretária da Educação. Na sua audição perante os senadores, DeVos não afastou a possibilidade de retirar fundos à educação pública, seguindo uma linha que já defendia enquanto lobista.

Talvez a escolha mais polémica de Trump seja Jeff Sessions, um ex-senador do Alabama que tem demonstrado ao longo dos anos uma posição contra a igualdade de direitos dos homossexuais, e que falhou uma nomeação para juiz de um tribunal de instância intermédia por se suspeitar das suas visões raciais. Sessions demonstrou, várias vezes, uma visão tolerante acerca do Ku Klux Klan. Além disso, apelidou de contrárias aos valores americanos, e comunistas, organizações que lutaram pelos direitos civis dos afro-americanos como a NAACP e ACLU. O político do Alabama, notoriamente anti-imigração, será o homem escolhido para a pasta da Justiça. Terá em mãos a defesa dos direitos e garantias de norte-americanos de todas as cores.

Corrida às armas

Apesar de ter a maior força militar do mundo, com um orçamento que supera todos as outras forças armadas juntas, durante a campanha Trump não parou de declarar que os Estados Unidos têm o sector da defesa em declínio. Do outro lado do espectro, a segunda maior economia, com o segundo maior exército, tem vindo a reforçar o investimento na defesa. Ainda assim, o orçamento chinês afecto às forças militares em 2015 era quase um terço do norte-americano. Mas com a aproximação de Trump a Taiwan e, mais recentemente, com as declarações de Rex Tillerson a tomar partido na disputa das Ilhas Diaoyu, tudo aponta para que a China acelere o reforço das suas capacidades militares. Ouvido pelo South China Morning Post, Shi Yinhong, director do Centro de Estudos Americanos em Pequim, previu que “a corrida ao armamento irá aumentar com Trump na Casa Branca”.

Entretanto, o Presidente que hoje toma posse prometeu expandir a frota da marinha americana de 272 navios para 350, incluindo a construção de mais três porta-aviões. Este é o maior investimento que se tem visto no ramo das últimas décadas.

Por outro lado, a marinha chinesa tem vindo a crescer a um ritmo avassalador desde 2013, com cerca de 20 embarcações de grande porte construídas anualmente. É expectável que a segunda maior força militar passe a ter o seu segundo porta-aviões, desta vez made in China. De acordo uma projecção do Centro de Análises Navais, um think-tank americano, até 2020 Pequim terá uma força naval com 279 navios.

Entretanto, os Estados Unidos assinaram um acordo com a Austrália para estacionar os seus caças F-22, os aviões de guerra mais avançados do momento, no norte do país. Esta é a resposta directa àquilo que a nova Administração considera como a postura agressiva de Pequim no Mar do Sul da China.

É também mais do que sabido que Donald Trump pretende reforçar a Força Aérea, apesar de ter reclamado que a Lockheed Martin tem derrapado nos orçamentos de construção dos novos F-35.

Em contrapartida, a China tem dois caças de última geração em construção doméstica. O Chengdu J-20, que entrou ao serviço no ano passado, e o Shenyang J/FC-31, que fez a sua primeira aparição pública num espectáculo aéreo em 2014.

O reforço das capacidades militares é uma prioridade de Pequim, mas de uma forma faseada, constrita. As autoridades chinesas não querem exagerar em gastos com as forças armadas, de forma a evitar o abismo orçamental em que caiu a União Soviética, e que viria a culminar no seu colapso.

Resta saber quem vai cair nesta luta titânica. Para já, Trump é uma realidade incontornável num xadrez mundial que se reorienta de dia para dia. Uma realidade que começa hoje.

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