Power Rangers da Fantasia

[dropcap style≠’circle’]M[/dropcap]elhor ou pior, dependendo da vossa geração, o pessoal deve ter ouvido falar dos Power Rangers. Eles são uns super heróis de uma série de entretenimento juvenil onde há cinco jovens que vestem um fato (cada um de uma cor diferente) e salvam o mundo das desgraças que por aí andam. Lembro-me de ver os power rangers naquelas idades em que queremos ser os heróis do mundo também – lembro especificamente de brincar que tinha um relógio onde podia comunicar com os meus parceiros (já antecipava um smartwatch!) e lá íamos nós salvar donzelas e cavalheiros em desespero.

Ora, caiu-me nas mãos aquelas pérolas da literatura cor-de-rosa, que permite aconselhamento sexual e amoroso, o caso de um rapaz a queixar-se que só poderia fazer amor ao fim-de-semana, quando o genérico dos Power Rangers tocava na televisão. A música de entrada dos Power Rangers, para este rapaz, é um turn on instantâneo e exclusivo – daí a limitação temporal. Nunca ninguém saberá da veracidade destes casos tão particulares, nem é o meu objectivo descobri-lo. Para este rapaz o imaginário dos Power Rangers é tudo o que ele precisa para a satisfação sexual. À primeira vista parece-me um pouco limitativo, se considerarmos a panóplia de cenários sexualmente interessantes que existem por aí. Mas não deixa de ser uma reacção honesta ao sexo. O que é que tu gostas? Da música dos Power Rangers.

As fantasias sexuais são isso mesmo, o poder de expressar e reconhecer a nossa sexualidade de forma honesta, ainda que, por vezes, fique somente pelo mundo das ideias. A nossa imaginação é riquíssima em cenários, posições e possibilidades, ainda que o dia-a-dia rotineiro não permita uma fertilização desta nossa imaginação sexual. Mas é preciso cultivá-la, pela nossa saúde sexual, precisamos de cultivá-la e tentar entendê-la em todo o seu esplendor. Porque a fantasia pode caracterizar-se de várias formas. Pode ser íntima e privada, a ser imaginada em momentos de masturbação – que podem ser momentos importantes até quando se vive em casal. Não há mal nenhum em querermos a privacidade das nossas fantasias… Contribui para o mistério. Ninguém precisa de saber tudo sobre ti, sobre o teu sexo, os/as parceiros/as podem estar perpetuamente a tentar descobri-lo. Tal como a fantasia pode ser o completo oposto, pode ser partilhada pelos dois, as fantasias individuais podem tornar-se vossas, recriadas em conjunto.

Mas às vezes, porque as fantasias são tão íntimas, temos medo que não sejam bem vistas e que não sejam entendidas. No que toca ao sexo é muito fácil patologizar tudo e todos que parecem cair nos meandros da não-‘normalidade’. Como eu tenho vindo recorrentemente a escrever, o normal nunca é (nem deve ser) categoricamente definido. Caso assim seja, o sexo, que ainda por cima é pouco discutido, estaria limitado a casais heterossexuais em posição de missionário. Contudo, graças à nossa imaginação tão rica, e à nossa vontade de explorar os limites da sexualidade humana, o sexo normal é um espectro de possibilidades. Tal como com o nosso amigo que gosta muitíssimo da música do genérico dos Power Rangers.

Continuo a reforçar que não há fórmulas feitas para a realização das fantasias de cada um. Nós nunca saberemos onde a nossa imaginação pode ir – por isso não vale muita pena seguirmos listas de fantasias genéricas. Mas há quem julgue que sim, que consegue descobrir uma lista de fantasias prototípicas para a satisfação geral. Sexo não é uma checklist que temos que ir riscando à medida que envelhecemos. Um menage à trois não é a fantasia de todos! Apesar de ser bastante prevalente em rapazes (com a fórmula 1 boy + 2 girls, pergunto-me, porque será?).

A sexualidade é uma forma de expressão como o amor é uma forma de expressão, nem quero ser presunçosa ao dizer que é uma forma de expressão artística. Talvez o sexo seja a inspiração mais visceral – mais básica – que podemos ter. Julgo que a fome não produza grande coisa, talvez tratados político-sociais do que a fome é. Mas o sexo sente-se, fantasia-se e cria-se. Dá vontade de fotografar corpus nus, de entrar no mundo fantástico do desejo, de perceber a sexualidade humana nas formas mais puras de beleza e de estética. Ou o sexo pode ser tão simples como a música do genérico dos Power Rangers.

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