Xi Jingping condena declínio do fervor ideológico no PCC

No primeiro discurso feito num aniversário importante do partido, Xi Jingping apelou ao reavivar das tradições marxistas sob pena do “partido perder a sua alma e direcção”. O discurso surge quando o recrutamento de novos membros caiu para os valores mais baixos de sempre e aparenta um esforço para reinventar a legitimidade do Partido numa sociedade onde a população é cada vez mais próspera e exigente

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]um discurso feito na sexta-feira em Pequim, durante as comemorações do aniversário do Partido Comunista Chinês (PCC), o presidente Xi Jinping destacou a importância de preservar a legitimidade do órgão no poder.
Xi destacou a ortodoxia ideológica como vital para garantir a legitimidade do Partido Comunista no poder, marcando o 95º aniversário do órgão governante com um forte apelo à disciplina política.
“O relaxamento da fé idealista é a forma mais perigosa de relaxamento”, disse Xi na sexta-feira, durante uma reunião de dirigentes e membros do partido no Grande Salão do Povo, em Pequim. “O declínio de um partido político frequentemente começa com a perda ou a falta de fé idealista.”
No discurso, que foi televisionado para todo o país, Xi defendeu veementemente as raízes marxistas do partido e seu sucesso na condução do crescimento económico da China, mas disse que qualquer desleixo no fervor ideológico do órgão pode ameaçar sua permanência de quase sete décadas no poder.
“Virar as costas ou abandonar o marxismo significa que nosso partido perderia sua alma e direcção”, disse.
Desde que assumiu o poder, no final de 2012, Xi tem vindo a revigorar o Partido Comunista com uma disciplina inflexível e um senso de propósito nacionalista destinados a combater a corrupção e a atrofia burocrática, face ao receio da liderança de que estes dois males destruam a legitimidade moral do exercício do poder.
Os esforços tornaram-se mais prementes nos últimos 12 meses, em face da desaceleração económica chinesa, que abalou a confiança na liderança económica de Xi. Ao mesmo tempo, a política externa cada mais assertiva aguçou a resistência dos países vizinhos à China.
“O discurso de Xi foi uma celebração e um alerta”, diz Jude Blanchette, investigador em Pequim que está a escrever um livro sobre o legado de Mao Tsé-Tung. É “um lembrete de que a visão de Xi para a China não pode ser divorciada de um Partido Comunista forte, organizado e altamente disciplinado”.

Reaprender a cartilha

É comum os líderes chineses usarem discursos nos principais aniversário do partido — comemorados a cada cinco anos — para salientarem as suas prioridades políticas. Alguns analistas dizem que este primeiro discurso de Xi indica que a disciplina ideológica continua a ser uma prioridade, à medida que se aproxima um importante congresso do partido, em 2017.
A educação ideológica ganhou força nos meses anteriores ao aniversário do partido, com uma campanha que encorajou os membros a escreverem à mão a constituição do partido, que tem 15 mil caracteres, pagar as taxas de filiação no prazo e testar conhecimentos dos assuntos do partido. Só nesta semana, o partido lançou novas regras disciplinares para responsabilizar autoridades por negligência ou baixo desempenho.
“A ênfase na ideologia é puramente uma questão para fazer todos rezarem pela mesma cartilha”, diz Blanchette. “É bom para a coesão da organização.”
Alguns analistas dizem que as iniciativas de Xi representam uma aposta ambiciosa para reinventar as bases da legitimidade do Partido Comunista, com o objectivo de criar uma burocracia ágil e capaz de lidar com os desafios económicos do país e as exigências crescentes de uma população mais próspera.

Ressuscitar de fantasmas

No processo, Xi tem vindo a promover o moralismo tradicional confucionista e a combater as influências ocidentais, recorrendo a uma rigorosa campanha contra a corrupção para punir autoridades recalcitrantes. Também exortou membros, académicos e jornalistas a manifestarem fidelidade à liderança central.
De permeio com medidas disciplinares, o crescimento do número de membros do partido caiu para o ritmo mais lento em quase 30 anos, aumentando apenas 1,1% em 2015, para quase 89 milhões, segundo dados do partido.
Alguns membros do partido e cidadãos chineses temem que os métodos severos de Xi e invocações do discurso maoísta sejam sinais de um retorno a um governo mais ditatorial, à custa da tendência, hoje dominante no órgão, de uma liderança colectiva e consensual.
No discurso de sexta-feira, porém, Xi sinalizou que não haverá pausa nos métodos disciplinares, dizendo que a sobrevivência do partido está em jogo.
“Se não pudermos administrar o partido bem e governar o partido com rigidez”, disse, “então nosso partido vai acabar perdendo o direito de governar e, inevitavelmente, ser relegado à história”.

Não nos vergam

Em comentários que pareceram dirigidos aos seus adversários geopolíticos, como os Estados Unidos, Xi disse que a China “nem cria problemas, nem teme problemas” e que nunca “vai abrir mão dos seus principais interesses”.
A afirmação foi feita dias antes do tribunal internacional de Haia decidir sobre o caso de arbitragem aberto pelas Filipinas contra as reivindicações territoriais chinesas no Mar da China Meridional.
Recorde-se que as autoridades chinesas já afirmaram que o tribunal é ilegítimo e prometeram ignorar suas decisões. Os EUA instaram o governo chinês a aceitar o resultado da arbitragem.

Wall Street Journal

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