Momentos de descontracção: grafittis, WC & Wu Wei 亲密无间(为)

* por Julie O’yang

[dropcap style=’circle’]W[/dropcap]u Wei (无为, (literalmente “não-fazer”) é um importante conceito Taoista e significa acção natural, ou por outras palavras, acção que não implica qualquer luta ou esforço excessivo. Na cultura ocidental dos nossos dias, eminentemente competitiva, este conceito pode vir a ser muitíssimo útil e eu proponho que a noção exótica de Wu Wei passe a significar tout court “sucesso sem esforço”.
Ruth Benedict, pioneira da Antropologia, escreveu: “Ninguém olha para o mundo de forma despreconceituada. O que vemos é filtrado por um conjunto de tradições, instituições e maneiras de pensar.”
Posto isto gostaria de vos guiar numa visita a alguns graffitis que podem ser encontrados em urinóis chineses, para compreenderem o Wu Wei e como este conceito tem tudo a ver com as expressões de intimidade, fenómeno raramente observado na China.

Na China, em todas as casas de banho públicas existem cartazes a avisar que é proibido fumar. Mas o meu preferido foi escrito pela senhora que faz a limpeza de uma casa de banho masculina. Reza assim:
“Cavalheiros de bom coração, por favor não fumem no WC, OK? Esta irmãzinha pede [vos].” Por favor reparem no bonequinho de joelhos e a chorar, que está no canto.
E porque será que a maioria dos homens chineses adora fumar na casa de banho? Se partirmos do princípio que no Leste o que se passa na privacidade é considerado vergonhoso, escondendo e revelando simultaneamente essa mesma “vergonha” – e o equivalente da vergonha, penso eu, no Ocidente será o pecado – então o mistério resolve-se facilmente: funciona como um consolo que acompanha um momento de descontracção. Este momento desafia duas regras sociais ao mesmo tempo, a exigência de ser deixado em paz, porque a privacidade é praticamente algo nunca visto, e a insubordinação (fumar), sem que isso ponha realmente em causa a reputação de uma pessoa. E isto, apesar do ambiente (casa de banho) não ser propriamente propício a.… digamos, pensamentos poéticos.
A propósito lembrei-me que Sigmund Freud, cujo 160º aniversário do nascimento se celebra este mês, teria tido muito trabalho na minha terra natal. Na verdade, os estrangeiros podem dar-se conta destas “rebeliões” em todo o Império do Meio; são estas pequenas transgressões e consolos que as pessoas procuram que, paradoxalmente, mantêm o equilíbrio da sociedade chinesa, como cuspir para o chão e atravessar a rua onde não se pode. Muitas pessoas (decentes) o fazem, mas ninguém pensa nisso com um comportamento anti-social, excepto, talvez, Lee Kuan Yew, natural de Singapura, mas que estudou em Cambridge, no Reino Unido!
Os avisos que se encontram nas casas de banho públicas em toda a China são uma amostra dos consideráveis esforços desenvolvidos pelo Governo para incentivar os cidadãos a comportarem-se em sintonia com as grandiosas aspirações do País, enquanto super-potência emergente. Hoje em dia na China, em todos os centros urbanos, estão a ser implementadas novas formas de comportamento, através de um projecto patrocinado pelo Governo, que tem como objectivo a criação de “Cidades Civilizadas” (文明城市). A responsabilidade de orientar este “nobre anseio civilizacional” fica sob a alçada do Comité Central para a Civilização, em colaboração com o Departamento de Propaganda. A finalidade deste programa é a construção de uma consciência cultural que complemente a visão do antigo Presidente Hu Jintao de uma “Sociedade Harmoniosa” (和谐社会), a súmula teológica da ideologia do “Desenvolvimento Científico” (科学发展观).

向前一小步/ 文明一大步
Um pequeno passo para um homem/Um salto gigantesco para a Humanidade

Na verdade, o que diz literalmente, é: um pequeno passo em frente (em prol de) um grande passo (em frente) até à civilização. Podemos ver este slogan em diversos urinóis ao longo de toda a China continental.
Por isso se chegar a ser convidado para uma casa chinesa, quando estiver de visita ao País, não deixe de ver a casa de banho. É a expressão máxima do Wu Wei chinês – “Tentar Não Tentar” – a derradeira forma da intimidade chinesa. Juro-vos que passarão a compreender muito melhor o País e o seu povo e a estar preparados para desculpar os seus defeitos mais facilmente, ou então para esquecê-los de todo. Mas por favor partilhem comigo as vossas descobertas, gentis leitores!

E finalmente, para vocês, um conselho sábio:
Ilu3

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