h | Artes, Letras e IdeiasOs primeiros cristãos na China José Simões Morais - 19 Fev 2016 [dropcap style=’circle’]C[/dropcap]omo lenda, o Apóstolo S. Tomé teria visitado a China no século I, onde dessa data há pedras gravadas com desenhos em baixos-relevos de histórias bíblicas. Já certo é os cristãos nestorianos, após fugirem da Pérsia, terem chegado à China no ano 635, sendo a sua estadia aprovada pelo Imperador Tai Zong da dinastia Tang, onde ficaram conhecidos com o nome de Jing Qiao, Religião Luminosa. É importante dizer que China é um país de Filosofia e não de religiões. Viviam os chineses no Dao, quando há cinco mil anos Fu Xi, o primeiro dos chefes ancestrais da China, explicou matematicamente essa Filosofia do Dao Jia, mas foi com Lao Zi e Kong Fu Zi que, ao sistematizarem as suas cosmovisões sobre a Natureza de Dao, dão a teoria filosófica ao quotidiano viver chinês no século VI a.n.E.. Lao Zi, sobre o espírito da vida e Kong Zi, na governação do país, fizeram-se escolas de pensar no Período dos Reinos Combatentes, durante a dinastia Zhou do Leste. Por altura da existência de Lao Zi e Kong Zi (Confúcio) encontrava-se Sidarta Gautama (conhecido na China por Shakyamuni) a filosofar o Ser Humano e percebendo pela meditação que o sofrimento advém do mundo dos desejos, pelas quatro nobres verdades tentou reorientar o Ser Humano para o estar integrado num todo e só pelo Outro se conseguiria ver, realizando-se assim pela não-forma. O Confucionismo filosofando pela ética e moral do Ser Humano, quando pensado em De (Virtude), tentou criar a ordem na sociedade, tal como mais tarde as religiões tiveram necessidade de o fazer. Com o aparecimento neste país do Budismo no século I, a população chinesa aderiu massivamente a esta religião, já que, pela falta da imagem do Espírito na Filosofia de Dao, o povo nada tinha de concreto para acreditar. Por isso os filósofos chineses, ao perceberem que estavam a perder o suporte dos seus conterrâneos, tiveram que transfigurar a filosofia e reorientá-la em religião. Assim nasceu a única religião proveniente da China, o Dauismo (Dao Jiao), onde se conjugaram imagens budistas para criar um panteão de deuses, expressão das virtudes e seu contrário, de forças mágicas com que os Cinco Elementos lavram o Ser e sem distinção com o mundo, está nesse todo acausal. Se o Budismo rapidamente se expandira no Oriente, para Ocidente não foi capaz pois, como movimento de solidariedade entre a população pobre, teve a enfrentá-lo o Judaísmo, uma Religião reformada (nessa altura) para a competição e guerra. Por isso, a Filosofia a que Jesus estava ligado, foi com Paulo transformada e no Concílio de Niceia, em 325, a mensagem do Cristianismo criada por S. Paulo ganhou ao Jesus histórico dos Alexandrinos.Toppen p nestorianska stelen O inquisidor judeu Paulo de Tarso reorientou a figura histórica de Jesus, sem nunca com ele ter privado. Paulo ao encontrar um imenso movimento ecuménico, que começava a pôr em causa as instituições tanto políticas, representadas no Império Romano, como religiosas, onde os sacerdotes com uma hierarquia hereditária se tinham afastado da procura do Verbo para apenas se representarem a si mesmos e vendo o seu poder a desaparecer, tiveram a ideia de, já que nada podiam contra esse movimento ecuménico, reorientá-lo para a religião do Livro e assim conseguir mais crentes, mas sem misturas. Paulo, que nunca conheceu Jesus, ficou encarregue dessa transfiguração. Assim, subvertendo os valores, criou o Cristianismo como meio de pela reencarnação poder criar uma segunda Religião, onde eram colocados os convertidos, já que os não nascidos judeus não poderiam entrar no Judaísmo. Como era preciso unir os infinitos deuses pagãos num Superior, nada melhor do que escrever a Bíblia, partindo da essência do Livro, aditando novos Testamentos para que houvesse referências próximas, na memória – História. (Esta versão do movimento da História das Religiões monoteístas, por não estar de acordo com o que é normalmente transmitido, poderá causar estranheza e mesmo uma certa reacção negativa a quem, como Cristão, nela não se revê, mas creia que a escrevo sem a mínima ponta de provocação, mas sim, como uma possível visão feita pelas leituras e conversas com outras doutrinas cristãs.) Igreja de S. Tomé Os Caminhos da Seda, que pela Ásia tinham levado a um contacto, a maior parte indirecto, entre as três Civilizações (Egípcia, Indiana e Chinesa), eram percorridos pelos povos que viviam entre a China e as fronteiras com o Império Romano. Nesses caminhos terrestres e pelas rotas marítimas, muitos viajantes se foram aventurando e enriquecendo através do comércio, assim como, muitos monges budistas aproveitaram e partindo da Índia foram espalhar para Oriente a Filosofia de Buda. Já o Cristianismo saiu do Médio Oriente e avançou sobre o Ocidente, sendo S. Tomé dos poucos missionários que partiu para o Oriente em missão ecuménica para evangelizar. Nos anos 50 do primeiro século, coube ao Apóstolo S. Tomé pregar o Evangelho no Oriente e saindo de Jerusalém, navegou depois pelo Mar Vermelho em direcção à Índia. No Oceano Índico, veio ter à Ilha de Socotorá, onde uma tormenta o fez encalhar. Sem barco para prosseguir viagem, aqui ficou a converter e baptizar os moradores da ilha, situada à entrada do Mar Vermelho. Após ordenar ministros do culto para que estes cultivassem e sustentassem esta cristandade, embarcou para o estreito da Pérsia onde cristianizou os Partos, Persas e Medos. Descendo depois pelo Mar Arábico rumou para Kerala, naquele tempo Malabar, no Sudoeste da Índia. Luce Boulnois refere: “Segundo uma lenda registada em Edessa, contada por um embaixador indiano que por aí passou a caminho de Roma, S. Tomé, um irmão gémeo de Cristo, também ele carpinteiro, tinha sido comprado por Abbanes, um mercador indiano, por três libras em lingotes de prata. Levado para a Índia ficou ao serviço do rei indiano Gondopharès, a quem S. Tomé de forma miraculosa construiu um palácio, convertendo assim o rei. Pregava o celibato cristão e um príncipe ao sentir que S. Tomé desviava os seus súbditos dos deveres de procriação, mandou-o matar.” “Outra lenda, indiana de Kerala, de Travencore e de Cochin, onde uma comunidade cristã remonta à chegada deste apóstolo fala do desembarque que S. Tomé fez em Malankara, próximo de Cranganore. Aí pregou e baptizou os habitantes locais, onde se construiu sete igrejas e ordenou dois sacerdotes antes de ter partido para Meliapor (Mailapore, actualmente arredores de Madras, hoje chamada Chennai). Em Meliapor, na costa de Coromandel, converteu o rei e o povo e partiu para a China. Depois voltou a Meliapor onde a inveja de brâmanes o teriam apedrejado e trespassado com uma lança.” Morreu no ano de 72, segundo a lenda, em Meliapor, onde foi sepultado. Se o apóstolo Tomé parece ter sido o primeiro a pregar na Índia, outra das hipóteses é a de o Cristianismo se ter espalhado só posteriormente pela Ásia no Oriente a partir da Pérsia e que o nome de cristãos de S. Tomé provenha do Mâr Tomé, que viveu no século VIII e não do Apóstolo. O que parecia ter poucas hipóteses de ser uma realidade, a lenda sobre a chegada à China de S. Tomé ganhou uma nova actualidade quando Wang Weifan, mestre estudioso da História do Primitivo Cristianismo assim como de Arte e Cultura Chinesa, ao analisar as pedras em baixo-relevo de dois túmulos da dinastia Han do Leste (25-220) encontradas em Xuzhou, na província de Jiangsu, nelas descobriu representados episódios Bíblicos. Se os estudos provarem que Wang Weifan tem razão, então a chegada do Cristianismo à China recua para o final do século I, quinhentos anos antes do que até hoje se pensava. Os nestorianos na China Existiam comunidades cristãs espalhadas pelo Sul da Índia e evangelizadas por S. Tomé quando os nestorianos se espalharam pelas costas do Decão, Índia e pela Ásia Central até à Mongólia. Havia outros reinos cristãos (os monofisistas) situados na Geórgia e Arménia, que se tinham separado da Igreja de Roma no Concílio de Calcedónia em 451. A primeira referência a nestorianos na China é do ano 552 quando, durante o reinado bizantino do Imperador Justiniano (527-565), dois monges nestorianos persas, que viveram longo tempo na China, daí conseguiram sair com os segredos da produção de seda. Certo foi os nestorianos terem ficado a viver na China desde a aprovação do Imperador Tai Zong (626-649) no ano de 635, como consta numa estela encontrada perto de Chang’an (Xian) e que actualmente está no Museu da Floresta de Estelas. Foram os padres jesuítas portugueses Álvaro Semedo (1586-1657) e Manuel Dias Júnior (1574-1659) quem traduziram a estela, que se revelou nestoriana e que os precedia mil anos. Na Memória da Diocese de Macau vem o seguinte: “O célebre monumento syro-sinico de Si-ngan- fú (西安府, Xian fu) descoberto em 1625, e interpretado em linguagem chinesa vulgar pelo missionário jesuíta português P. Manuel Dias, dá claro testemunho da existência do Cristianismo na China, apresentando uma narração sumária da propagação do Evangelho neste país desde o ano de 635 até 781 da nossa era. Efectivamente, em 1625, provavelmente em princípios de Março, foi desenterrada uma grande lápide de pedra, no arrabalde ocidental de Xian, no Shaanxi” que havia sido erigida pelo nestoriano Zazdbozed, do clero secular, natural da cidade de Balk no Turquestão, na reunião anual do Inverno de 780-781, como se vê do final da inscrição nela gravada: “Erigida no segundo ano do período Kien-Chung (781) da grande dinastia Tang, estando o ano em Tso-yo, no sétimo dia do primeiro mês, que foi Domingo”. No topo da lápide está uma cruz, sob a qual foram gravados nove caracteres em três colunas que dizem: “Monumento comemorativo da nobre lei de Ta-Tsin no Império do Meio”. Segundo o texto, Alopen chegou a Si-ngan-fu (Xian) em 635, vindo do país de Ta-Chin (大秦, Daqin era o nome que os chineses davam ao Império Romano) provavelmente a Pérsia; o Imperador Tai-Tsong (太宗, Tai Zong) enviou o seu ministro Fang Huang ling a recebê-lo e conduzi-lo ao palácio e, depois de se convencer da verdade da sua religião, favoreceu a sua propagação e por ordem do mesmo Imperador, foi construído, em 638, um mosteiro nestoriano; outros se construíram no reinado do seu sucessor Kao Tsong (高宗, Gao Zong) (650-683) e Alopen foi promovido a Grande Senhor Espiritual, Protector do Império. A placa de Si-ngan-fu tem gravada uma inscrição com 1780 caracteres”, segundo o Padre Manuel Teixeira. A História dos Nestorianos teve a sua origem em Antioquia, cidade na actual Turquia. Na Escola de Antioquia formou-se Nestorius, que foi Patriarca de Constantinopla de 428 a 431. Esta Escola advogava a separação das duas Naturezas de Cristo, a humana e a divina, e por consequência consideravam que Maria, a Nossa Senhora, não era Mãe de Deus, mas do Homem, Jesus. Tal ia contra o que os Alexandrinos defendiam. A Igreja de Alexandria era de tradição neo-platónica e fazia a interpretação simbólica da Bíblia, contemplando mais o Verbo Divino do que a humanidade de Cristo. O pensamento grego fundiu-se com a herança da revelação cristã e Cirilo venceu os nestorianos, em 431 no terceiro Concílio em Éfeso, com a tese (monofisista) de que em Cristo há uma só pessoa numa dupla Natureza (humana e divina). Era a Natureza de Cristo que se debatia no Concílio de Éfeso, ao qual Nestório não compareceu, tendo prevalecido a doutrina da Natureza divina de Cristo, defendida pelo Patriarca de Alexandria, S. Cirilo. Condenado pelo Concílio de Éfeso, o Patriarca de Constantinopla, Nestório foi excomungado em 431 e deposto pelo Imperador exilou-se no Egipto. A sua doutrina expandiu-se para Oriente, de Edessa, os nestorianos daí expulsos fugiram para a Pérsia. Ctesifonte (uma das quatro capitais persas) tornou-se o seu principal centro, que aceitou estes cristãos fugidos do Império Romano. Após Roma ter abraçado a Religião Cristã, na Pérsia os cristãos passaram a ser considerados inimigos e começaram a ser perseguidos. Muitos foram mortos, o que os levou a empreender nova viagem para mais longe, passando a Igreja do Oriente para a Índia e pelos países da Ásia Central, chegaram ao Extremo Oriente. Vivia o Nestorianismo (Jing Qiao) na China há mais de dois séculos quando, a 30 de Setembro de 845, por decreto do Imperador Wu Zong da dinastia Tang foram proscritas no país as religiões estrangeiras. Tal se deveu sobretudo aos templos budistas serem detentores de imensas fortunas, quando os cofres do Estado estavam na penúria. Já os cristãos nestorianos, referenciados na estela do século VIII enterrada pouco depois do Decreto de proibição das religiões, viram-se forçados a fugir para as estepes do Norte, juntando-se a algumas tribos mongóis que, por volta do ano mil foram por eles convertidas. As tribos mongóis foram unificadas por Gengis Khan e mais tarde tomaram o poder na China, como dinastia Yuan. Os irmãos Polo encontraram-se com nestorianos quando chegaram em comércio ao reino dos mongóis. Uma pedra com o nome de quatro monges nestorianos, encontrada no templo budista Yunju, no distrito de Fangshan, subúrbios de Beijing comprova a sua estadia aí, assim como um documento árabe que fala de dois monges vindos de Beijing que chegaram à Pérsia em 1275. As comunidades de nestorianos desapareciam rapidamente das costas indianas, substituídas pelas dos muçulmanos. Nos finais do século XIII, quando a paz foi restabelecida com Roma, já os nestorianos estavam a sucumbir, atacados pelo Islamismo, assim como as igrejas nestorianas na Síria e Pérsia. No entanto continuaram a existir comunidades na Índia e China até ao século XVI.