EL Dorado

Por Aurelio Porfiri

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]facto de estar actualmente longe de Macau dá-me uma certa vantagem, na medida em que me permite ter um distanciamento que acaba por ser saudável. Será que algum dia terei visto Macau como o El Dorado da eterna juventude? Certamente que não, mas um artigo de Kate Springer fez-me pensar sobre o assunto. O artigo publicado a 22 de Outubro, na secção de viagens em bbc.com, intitulava-se “Segredo chinês da longevidade” e, adivinhem só; Macau era o local onde procurar esta misteriosa “poção”. Segundo as mais recentes estatísticas, nas últimas décadas, Macau tem vivido um período de prosperidade sem precedentes, acompanhado por um aumento da esperança de vida, pelo que nos sentimos muito gratos. Mas as estatísticas apenas revelam parte da realidade.
O artigo desenvolve-se em torno do Sr. Chan, de 90 anos de idade, habitante de Coloane. Este senhor está, basicamente, muito agradecido à indústria do jogo por lhe permitir manter o seu estilo de vida. Senão, vejamos: “Passei a maior parte da minha vida fora,” afirmou Chan, que tem oito filhos e dez netos. “Sento-me com a minha mulher no paredão e ficamos a admirar a paisagem. Passamos os nossos dias felizes.” Chan atribui a sua longevidade, a uma vida feliz e rotinas simples (e ainda a uma dieta rigorosa à base de arroz e alho) – e parece que este nonagenário está longe de ser um caso raro”. Assim, a tese da jornalista da BBC é a seguinte: o resultado do desenvolvimento, devido às verbas da indústria do jogo, é … poder viver uma vida bucólica. Mesmo que implique a degradação total da cidade. Mas, a imagem do velho Sr. Chan e da sua mulher a admirarem a paisagem, faz-nos esquecer as pessoas que se arruinaram por causa do jogo, uma cidade que para além do jogo não tem outros recursos de valor e, ainda, os jovens que só encontram significado no dinheiro e na ambição material.
Claro que a longevidade é um factor positivo e, pessoalmente, desejo que o Sr. Chan e a sua esposa ultrapassem os 100 anos de idade. Mas detecto uma contradição na mensagem que passa no artigo; se uma maior riqueza serve para que tenhamos uma vida bucólica com estilo, não é necessário esforçarmo-nos para fazer evoluir a economia, podemos pura e simplesmente voltar ao campo. Será que o Sr. Chan (e a jornalista) sabe o preço que é preciso pagar para que, ele e a sua mulher, possam ter todos os dias arroz e alho? “Embora esteja actualmente numa curva descendente, o jogo manteve durante anos a economia à tona d’água. Só no ano passado as receitas do jogo representaram 80% do PIB e, os impostos pagos pela indústria, constituíram a grande fatia do bolo fiscal. “Todos os turistas que visitam Macau vão aos Casinos. O que é óptimo,” continua Chan. “É assim que o governo consegue tomar conta de nós”. Parece pois que as vantagens pessoais se sobrepõem às desvantagens colectivas.
No artigo são ainda mencionados os netos e os sobrinhos-netos do Sr. Chan. A maior parte deles, se tiverem possibilidade, hão-de querer ir estudar para o estrangeiro e fugir a influências vindas do mesmo meio que permite ao Sr. Chan e à sua esposa continuarem a desfrutar de uma vida singela. Em termos de vida a quantidade é importante, mas a qualidade, não será também?

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