Dinâmica das origens da nação

[dropcap style=’circle’]J[/dropcap]aime Zuzarte Cortesão (Ançã, Cantanhede, 29 de Abril de 1884 — Lisboa, 14 de Agosto de 1960[) foi um médico, político, escritor e historiador português. Filho do filólogo António Augusto Cortesão, foi irmão do historiador Armando Cortesão e pai da renomeada ecologista Maria Judith Zuzarte Cortesão. Estudou no Porto, em Coimbra e em Lisboa, vindo a formar-se em Medicina na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra em 1909. Leccionou no Porto de 1911 a 1915, quando foi eleito deputado por aquela cidade. Em plena Primeira Guerra Mundial defendeu a participação do país no conflito, tendo participado como voluntário do Corpo Expedicionário Português, no posto de capitão médico, tendo publicado as memórias dessa experiência. [ ]Fundou, com Leonardo Coimbra e outros intelectuais, em 1907 a revista Nova Silva: revista ilustrada. Em 1910, com Teixeira de Pascoaes, colaborou na fundação da revista A Águia, e, em 1912 iniciou Renascença Portuguesa, que publicava o boletim A Vida Portuguesa. Teve igualmente colaboração nas revistas Atlantida[4] (1915-1920), Ilustração (1926-), Illustração portugueza (1903-1924)) e na revista Serões (1901-1911). Em 1919 foi nomeado director da Biblioteca Nacional de Portugal e a 28 de Junho desse ano foi feito Oficial da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada.[5] Em 1921, abandonando a Renascença Portuguesa, foi um dos fundadores da revista Seara Nova. Participou numa tentativa de derrube da ditadura militar portuguesa, presidindo a Junta Revolucionária estabelecida no Porto. Por esse motivo foi demitido de seu cargo na Biblioteca Nacional de Lisboa (1927), vindo a exilar-se em França, de onde saiu em 1940, quando da invasão daquele país pelas forças da Alemanha Nazi no contexto da Segunda Guerra Mundial. Dirigiu-se para o Brasil através de Portugal, onde veio a estar detido por um curto espaço de tempo.[ No Brasil, fixou-se no Rio de Janeiro, dedicando-se ao ensino universitário, especializando-se na história dos Descobrimentos Portugueses (de que resultou a publicação da obra homónima) e na formação territorial do Brasil. Em 1952, organizou a Exposição Histórica de São Paulo, para comemorar o 4.º centenário da fundação da cidade. Regressou a Portugal em 1957. Envolvendo-se na campanha de Humberto Delgado, foi preso por 4 dias com António Sérgio, Vieira de Almeida e Azevedo Gomes em 1958, ano em que veio a ser eleito presidente da Sociedade Portuguesa de Escritores.
Obras mais significativas: A Expedição de Pedro Álvares Cabral e o Descobrimento do Brasil (Lisboa, 1922); A Expansão dos Portugueses na História da Civilização (Lisboa, 1983 (1ª ed., 1930); Os Factores Democráticos na Formação de Portugal (Lisboa, 1964 (1ª ed., 1930); História da expansão portuguesa (Lisboa, 1993), colaboração na História de Portugal dirigida por Damião Peres, 1931-1934; Influência dos Descobrimentos Portugueses na História da Civilização (Lisboa, 1993), colaboração no vol. IV da História de Portugal dirigida por Damião Peres, 1932; Teoria Geral dos Descobrimentos Portugueses – A Geografia e a Economia da Restauração (Lisboa, 1940); Os Descobrimentos pré colombinos dos Portugueses (Lisboa, 1997 (1ª ed., 1947); Alexandre de Gusmão e o Tratado de Madrid (Lisboa, 1950); O Sentido da Cultura em Portugal no século XIV (Lisboa, 1956); A Política de Sigilo nos Descobrimentos nos Tempos do Infante D. Henrique e de D. João II (Lisboa, 1960); Os Descobrimentos Portugueses, 2 vols., (Lisboa, 1960-1962); O Humanismo Universalista dos Portugueses (Lisboa, 1965).

Os “Factores Democráticos na Formação de Portugal” é uma obra de referência no que diz respeito à compreensão das origens de Portugal. O tema é controverso e tem merecido a reflexão de muitos intelectuais portugueses, desde o humanista da renascença André de Resende até a autores contemporâneos como José Matoso e Orlando Ribeiro, passando pelos grandes pensadores dos séculos XIX, Alexandre Herculano e Oliveira Martins e muitos cientistas sociais do princípio do século XX, que seria difícil enumerar.
A obra de Jaime Cortesão é uma das mais complexas e portanto uma das menos dogmáticas e unilateraiss, já que ao invés da maioria dos autores não centra a sua interpretação numa única perspectiva, seja ela histórica, geográfica ou antropológica, mas num complexo de elementos civilizacionais de vária procedência. É verdade que valoriza antes de mais a dinâmica própria da sociedade medieval portuguesa associando-a ao movimento democrático dos concelhos, contudo não despreza os aspectos mais arcaicos, como seja o caso da romanização e até elementos pré-históricos.
Os concelhos foram vivificados por uma população que abandonou a economia agrícola e doméstica e protagonizou o surto das cidades onde se desenvolveram o tráfico e as actividades artesanais fomentando o comércio marítimo, e sendo por ele estimuladas. Foram estas as tendências que se desenvolveram durante a Idade Média em Portugal que eclodiram e triunfaram definitivamente durante a revolução que levou o Mestre de Avis ao poder, o que determinou a formação do grupo social dominante, assim como a perspectiva histórica e o carácter da Nação.  CORTESAO0001
Relativamente à colonização romana, Jaime Cortesão salvaguarda a administração dos conventos romanos, associando o território nacional às fronteiras de influência dos mosteiros ocidentais: Bracarense, Scalabicense e Pacense, respectivamente, Braga ou seja Bracara Augustae, Santarém ou seja Scalabis e Beja ou seja Pax Julia. Porém relativamente à colonização romana, o autor salfaguarda também a construção de uma rede viária atlântica, que estruturalmente promoveu uma verdadeira atlantização do território que iria persistir até aos nossos dias.
Relativamente aos elementos arcaicos o autor evidencia a existência de uma civilização megalítica dolménica e atlântica, a civilização dos menhires, antas e dólmens, mas também a existência na fachada atlântica de uma língua forjada no tempo, com características próprias, o designado Rimance Românico do Ocidente.
Quando nos debruçamos seriamente sobre a conveniência ou inconveniência das fronteiras próprias destes fenómenos civilizacionais com as fronteiras actuais de Portugal, verificamos que não existe uma clara e inequívoca convergência com as fronteiras políticas da nação portuguesa e do território associado ao estado português, tanto medieval quanto moderno. As fronteiras interiores de Portugal não correspondem estritamente às fronteiras delimitadas pelos conventos ocidentais, assim como também não correspondem aos limites de influência tanto da civilização megalítica ocidental como da civilização linguística e literária evidenciada. E também não é menos evidente que a rede viária atlântica só muito aproximativamente estabelece uma linha de conexão entre o Norte e o Sul de Portugal, sendo que a Sul essa rede se interioriza em consonância com a situação geográfica da capital da Lusitânia, ou seja Mérida, na Estremadura espanhola.
Contudo, atrevo-me a considerar que a teoria de Jaime Cortesão funciona bem como pista de trabalho e abre perspectivas dinâmicas para a compreensão dos enlaces estruturais entre a História, a Geografia e a Civilização e nesse plano cumpre de modo notável o seu papael de estímulo à multímoda reflexão sobre a originalidade de Portugal.
Manuel Afonso Costa

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