Animais e pessoas

[dropcap style=’circle’]É[/dropcap]fácil de dizer agora, eu sei, pois as “previsões no final do jogo” são sempre mais acertadas mas a verdade é que o resultado destas eleições terá sido dos mais previsíveis de sempre. Por partes: era claro que o PS com António Costa nunca se conseguiria livrar do fantasma de Sócrates, como era certo que o homem não entusiasma ninguém e a velha guarda que o acompanha não ajuda em nada; era também evidente que o PS é um partido ideologicamente desorientado e que não foi capaz de apresentar uma alternativa credível ao governo de direita. Não seria difícil arriscar que ninguém iria entregar a cadeira ao Costa, quanto mais a maioria absoluta que ele ainda pediu no auge do delírio.
Também foi evidente que o Partido Comunista continua a viver num limbo temporal onde nunca perde eleições, antes pelo contrário, desajustado dos dias e que apenas convence os que sempre convenceu. Seria portanto fácil de prever a manutenção dos votantes ou diminuir um pouco porque as pessoas vão morrendo. Ficou mais ou menos na mesma.
Não ficou menos aparente que o Bloco de Esquerda poderia aumentar a sua votação porque as pessoas estão fartas dos partidos do arco da governação, porque aos socialistas lhes falta a irreverência e a frescura (aparente) do Bloco de Esquerda e porque o PCP é o mono que é.
Perante este cenário era evidente a falta de alternativa e, quando assim é, a tendência de muitos é a de optarem pelo diabo conhecido. Ou seja, era expectável que a aliança com o nome mais cartoonístico de sempre (PAF!), a sugerir as bofetadas do Astérix connosco no papel de romanos, não iria ser massivamente derrotada apesar nos continuar a dizer que ‘ou comemos a sopa deles ou não vamos para a rua brincar’.
Tinha de dar empate pois, verdadeiramente, ninguém quer nenhum dos “dois grandes” sozinhos na governação. Era como aqueles jogos onde dá vontade que percam ambos.
O problema da opção comezinha pelo diabo conhecido é que já permite aos líderes Europeus, como o fizeram de imediato, dizer que afinal a austeridade fazia sentido, que os portugueses gostaram e, se for preciso mais, estão prontos para a pancada. Paf!
Perante este cenário político desolador também não seria muito difícil adivinhar que a abstenção voltaria a ganhar as eleições. Este ano, apesar do bruaá que corria antes do fecho das urnas, comentando-se que a abstenção iria finalmente descer, acabou por ser ainda superior a 2011: 41,97% há 4 anos atrás, 43.07% em 2015! Foi também notória a ansiedade da classe politica perante a possibilidade da abstenção descer, desejosa que está de se sentir profundamente legitimada; saiu-lhes o proverbial tiro pela culatra pois mais de 4 milhões de portugueses não votaram. Não é coisa pouca, quando observamos que os PaFes tiveram perto de 2 milhões de votantes, o PS 200 mil menos e o Bloco representa mais ou menos um Rock in Rio e meio com 540 mil votantes.
Mas se o desprezo pelas opções no menu não fosse por demais evidente, veio ainda o Presidente da República lembrar-nos que está bem longe o tempo em que ele era um jovem sadio que saltava barreiras, ao dizer que, e cito, tivemos uma campanha “esclarecedora, serena e elevada e com muito menos crispação”, quando todos sabemos que foi tudo menos isso. Era a acha que faltava para que muitos dos que ainda pretendem manter a sanidade mental achassem que a rapaziada andava toda a brincar connosco e se borrifasse para as eleições.
Esclarecedora, como? Menos crispação, quando exactamente? Não terão as principais formações politicas passado a campanha a acusarem-se mutuamente? Não terão todos continuado a discursar aos gritos? Não terão todos passado a campanha a debitar chavões sem conteúdo prático? Não terão todos anunciado que não fariam acordos com ninguém? Não andaram quase todos a cantar o “My Way” e a ensaiar para o “Kill Bill in São Bento”?
Não era difícil, portanto, adivinhar os resultados destas eleições. Difícil é prever o que vai acontecer agora. A verdade é que a maior parte dos que votam está à esquerda e a mensagem política a retirar pela rapaziada no parlamento e pelo saltador de barreiras reformado só pode ser “entendam-se”, por opção de mergulhar o país numa crise política de efeitos difíceis de antecipar mas que não auguram nada de bom. No clima cavaquiano esclarecedor e de menor crispação onde Costa chegou ao ponto de dizer que o PS não iria apoiar o primeiro orçamento de Estado dos PaFes, onde o Bloco e o PC se recusaram a entender-se com a direita e mesmo entre eles, onde ninguém concorda com ninguém, “all bets are off”. Mas agora que assentou a poeira da campanha está chegada a hora de começarem os ditos pelos não ditos. Como bom partido vanguardista, o Bloco de Esquerda, desejoso de ser o CDS da esquerda e finalmente sentar a bunda no governo e entrar para o famigerado arco da governação, veio ontem piscar o olho ao PS que, como se sabe, tem diferenças insanáveis com eles como a manutenção na Europa ou no próprio euro. Mas, provavelmente, António Costa ter-se-á demitido esta noite na reunião da Comissão Politica e os cenários serão todos possíveis.
Fica também destas eleições o retrato de um país à deriva em termos ideológicos onde a população se sente órfã de alternativas às politicas de austeridade da direita e completamente desfasada das opções politicas à disposição. A menos que a putativa regeneração do PS nos traga algo de verdadeiramente novo; isto se for capaz de se renovar como os Trabalhistas se vão renovando no Reino Unido; mas isso não parece fácil de imaginar porque nem o PS tem um Corbin à vista nem o Seguro é esse algo de verdadeiramente novo.
Mas nem tudo foi mau e isso era mais difícil de prever. Não seria muito difícil prever que a vacuidade das escolhas poderiam vir a permitir a ascensão de micro partidos, como de facto veio a acontecer, mas não seria fácil de determinar qual desses cresceria mais. Podiam ser os Republicanos de Marinho, pelo seu mediatismo e diatribes, o que nos traria umas sessões parlamentares mais animadas com traulitadas à esquerda e à direita, dificilmente seria o MRPP pois está mais ou menos como o PC desde o 25 de Abril e, felizmente, não foram os acéfalos do PNR que apesar de terem registado mais 10 mil votantes do que há 4 anos, com 27 mil eleitores, continuam a não ser suficientes para encherem um estádio de futebol. Calhou, ou é sinal dos tempos, que fosse o Partido dos Animais e das Pessoas a furar o bloqueio. Não é uma má noticia porque, pelo menos, traz um discurso novo, pacifista, progressista, típico de uma nova forma de encarar o mundo, que mais tarde ou mais cedo terá de ser transversal a todas as forças políticas. Talvez sejam uma lufada de ar fresco nos corredores bafientos de São Bento, talvez consigam trazer ideias novas para o debate politico e, espera-se, uma nova forma de falar com as pessoas. Parece-me um sinal importante a registar nestas eleições. E não deixo de registar a curiosidade de que num país onde os políticos se comportam como irracionais, porque animais são todos, seja o partido que defende os genuínos irracionais (serão?) a chegar ao Parlamento nesta fase de aparente vacuidade ideológica. No fundo, parece-me que o que todos devemos ambicionar é que as pessoas sejam tratadas menos como animais e os animais mais como pessoas.

MÚSICA DA SEMANA
PINK FLOYD – “Pigs (Three Different Ones)”

“Big man, pig man, ha ha, charade you are
You well heeled big wheel, ha ha, charade you are
And when your hand is on your heart
You’re nearly a good laugh
Almost a joker
With your head down in the pig bin
Saying “keep on digging”
Pig stain on your fat chin
What do you hope to find?
When you’re down in the pig mine
You’re nearly a laugh
You’re nearly a laugh
But you’re really a cry.”

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