EditorialA última traição do PS Carlos Morais José - 7 Out 20158 Out 2015 [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]povo português votou maioritariamente contra a coligação PSD-CDS, contra as mentiras sistemáticas e compulsivas, contra a austeridade e a falsa recuperação económica do país. É certo que não votou de forma ordeira, alinhada, porque a nossa esquerda é um saco de individualidades cujos egos, paradoxalmente, os impedem de se juntar sob a mesma bandeira. No entanto, se abstrairmos as concepções teóricas mais longínquas, existe um fundo comum entre o Bloco de Esquerda, a CDU, o Livre, o Agir e etc. Esse fundo comum passa, por exemplo, pela salvação do que resta do Estado Social, pelo fim da sangria das privatizações incompreensíveis, pelo aumento do salário mínimo, a reposição das pensões, a fiscalização severa da actividade bancária, entre outras medidas. Esta esquerda não terá dúvidas quanto à necessidade, para salvar a economia das pessoas (não as finanças dos corruptos) de implementar uma série de medidas que, na sua “radicalidade”, não irão além de algum keynesianismo. O fantasma da colectivização, da saída inconsequente do Euro, o papão do “comunismo” já não colhem junto de mentalidade contemporâneas esclarecidas e servem apenas para assustar espectadores de algo similar à Fox News. Hoje ser de esquerda significa muito, para além da solidariedade e da igualdade de oportunidades, ser por uma fiscalização democrática dos processos político-estatais, das compras e das vendas, dos negócios e das negociatas e, sobretudo, colocar um freio nos desmandos que a alta finança tem provocado nas economias, com o conluio dos boys dos partidos do arco da governação, para não ir mais alto. Os resultados eleitorais são claros: o povo português votou contra aquilo que entende ser uma política de direita neo-liberal, subvencionada pelos poderes europeus para deixar Portugal à mercê dos investidores e das corporações estrangeiras, pela criação de um país de salários baixos e propriedade em queda. O povo português votou na esquerda e deu-lhe uma maioria. Só que esse mesmo povo (ou grande parte dele) considera o PS um partido de esquerda, cuja acção não poderia nunca ir contra o Estado Social e que estaria obviamente de acordo com as medidas que acima expusemos como sendo consensuais ao resto da esquerda. Para o eleitorado, o PS não poderia nunca pactuar com esta política de austeridade mais merkeliana que a Merkel, com este desprezo absoluto pelas condições de vida dos cidadãos. Por isso, trinta e tal por cento ainda deram o seu voto a António Costa. Qual não terá sido a desilusão geral quando o chefe do partido mais votado da esquerda, vem à ribalta no pós-eleitoral reconhecer uma derrota e, mais grave, mostrar-se disposto a permitir um governo de direita, ao invés de negociar um governo à esquerda, contrariando assim a vontade expressa do povo. Terá isto alguma coisa a ver com a passagem de António Costa pelo Bilderberg? Esta “traição” à vontade popular atira de vez o PS para a insignificância política pois deixa bem claro a todos que, sob a liderança de António Costa, não é alternativa à direita, na medida em que não pretende deixar de comer da farta gamela do arco da governação. PSD-CDS e PS são actores de uma e mesma política: a dos tachos, a do segura-te ao poder a todo o custo, já lá voltamos mas tudo ficará na mesma — alheios que estão os valores, as ideias e as visões de uma sociedade mais justa. Se Costa alinhar com a direita, ao invés de ser primeiro-ministro de um governo de esquerda, estará a trair os seus eleitores e não se auguram bons tempos para o PS. Os elementos mais direita rapidamente verão as vantagens de alinharem com o PSD-CDS, enquanto que os outros, as bases, preferirão votar no Bloco de Esquerda ou na CDU. Ou seja, está no horizonte a “pasokisação” do Partido Socialista, na medida em que condiciona a sua presença a ser cada vez mais irrelevante no espectro político nacional. Afinal, é natural: os fenómenos europeus tendem a chegar tarde a Portugal. Mas, em geral, chegam. Esta poderá ter sido mesmo a última vez em que o PS teve oportunidade para trair.