h | Artes, Letras e Ideias李渔 LI YÜ, ESCRITOR DE ÓPERAS José Simões Morais - 18 Set 2015 [dropcap style=’circle]L[/dropcap]i Yϋ (李渔), nome artístico de Xianlü (1611-1680), foi um escritor dramaturgo que se dedicou aos romances, como o livro erótico chinês, Rou Pu Tao, (肉蒲团) e cujas peças para teatro foram representadas pela Companhia de Ópera por si criada. Apesar de a família ser de Zhejiang, nasceu na aldeia de Rugao, hoje prefeitura de Nantong província chinesa de Jiangsu, onde o pai tinha um pequeno negócio de produtos de medicina e a mãe trabalhava como empregada de limpeza. Levava já onze meses na barriga e após três dias e noites de dores sem conseguir dar à luz, no sétimo dia da oitava Lua passou em frente a casa um ancião. Chamado pela tensão que dentro de portas se desenrolava, encontrou um lugar não propício para aquele novo Ser nascer e assim, transportando a grávida para o Templo dos Antepassados da aldeia, logo facilmente chegou a criança ao mundo. O ancião chamou-lhe Xianlü (仙侣, o que acompanha o Imortal) e para seu destino o nome (号, hao) de Tiantu (天徒, Estudante do Céu). Com o nome de nascimento Xianlü e de cortesia Li Weng, reinava ainda a dinastia Ming quando foi fazer os iniciais exames imperiais, depois de a mãe, seguindo os passos da progenitora de Mêncio, por três vezes ter mudado de casa para o ambiente a rodear o filho lhe ser propício aos estudos. E foi, pois como estudante, ao passar a morar já na cidade em frente à biblioteca, dedicou-se a sorver conhecimentos a esses livros. Mas, com o falecimento do pai tiveram que regressar à aldeia, onde aos dezanove anos se casou. Cinco anos depois, em 1635, foi a Jinhua fazer os exames preparatórios para poder participar nos Exames Imperiais (Keju) na categoria Gongju. Nesses exames locais, denominados Tongshi, ficou Xianlü aprovado, tomando o título de Xiucai e com a possibilidade de ir à capital da província realizar os Exames Imperiais. Assim em 1639, encontrava-se em Hangzhou cheio de expectativas, quando entrou confiante no enorme recinto para fazer o Exame Provincial (Xiangshi), que lhe daria o título oficial de Juren. Falhou! Voltou em 1642, no que viriam a ser os últimos exames da dinastia Ming, mas no caminho para a capital da província de Zhejiang soube que o exército manchu acabava de atravessar o Rio Yangtzé e por isso regressou à aldeia. Com o destino traçado, resolveu ficar por Rugao e aí criar o seu jardim Yi, onde planeou passar o resto da vida e dedicar-se exclusivamente à literatura. A ilusão da carreira burocrática ficara para trás com a queda da dinastia Ming em 1644 e a mudança para a dinastia Qing não lhe dava possibilidades de ser admitido nos exames seguintes, que o conduziriam às posições de hierarquia de governação, acessíveis a partir de então quase só para os manchus. Escrever sem ganhar dinheiro Crendo ter um lugar para toda a vida na aldeia, pois era um camponês que sabia ler e escrever e com os seus conhecimentos ajudava a resolver muitos dos problemas que aí surgiam, os anos foram passando e com ele gastando o original, apesar de manter as mãos a trabalhar a terra, plantando o seu jardim Yi. Reconstruiu a sua casa, decorando-a e ter-se-á divertido a escrever sobre esse assunto. Mas eis que em 1648, ou em 1651, após uma controvérsia com uma aldeia vizinha, resolveu partir e ir com a família viver para Hangzhou. Aí descobriu pessoas que gostavam de assistir aos inventos que surgiam ao redor das mesas de chá onde se escutavam com grande atenção e entusiasmo histórias contadas em actuações teatrais de poucos adereços, mas explicadas requintadamente em gestos e voz. O ambiente cultural fervilhava em espectáculos, sobretudo de vários tipos de Ópera que dinamizavam a cidade. Apercebendo-se ser ali o lugar e inspirado por aquele estar, viu a possibilidade de poder fazer o que mais gozo lhe dava e ainda conseguir mostrar o seu talento. Escreveu muito entre 1651 a 1661, no período em que viveu em Hangzhou, sendo o livro Doze Mansões (十二楼, Shi Er Lou) editado por essa altura. Tornou-se também um dos primeiros escritores a vender as suas histórias, para depois serem contadas, ou em letras adaptadas às peças de Ópera. Assinava a obra com o nome de Li Yü e já tinha escrito seis letras de Ópera e duas pequenas histórias, que toda a gente muito apreciou. A fama crescia e mal acabava de escrever uma história, após ser impressa em Hangzhou, logo era reproduzida e enviada pela China, onde em algumas cidades eram impressas e vendidas sem que Xianlü ganhasse mais algum dinheiro com o que fazia. Percebendo ser Nanjing onde os seus escritos estavam avidamente a ser copiados e muito difundidos, para aí se mudou e passou vinte anos, os melhores e os mais penosos da sua vida. Já estabelecido em Nanjing, Li Yü em 1657 terminou o livro erótico chinês, Rou Pu Tao, (肉蒲团), sobre o qual escrevemos na semana passada. Viajava frequentemente por toda a China, estaria ele talvez ligado a algum grupo de Ópera que percorria o país em digressões. Foi em duas dessas viagens de 1667, já com grande fama de escritor, que a sua vida mudou de rumo ao lhe serem entregues, para suas estudantes, duas jovens raparigas de treze anos. Se ainda até 1668 vai a Hangzhou visitar a esposa, só dez anos depois lá voltou. Consagrado como escritor e criador de óperas, entrava num novo processo e começou a rever a grande quantidade de letras de Ópera por ele escritas. Entre elas escolheu dez, fazendo um livro a que chamou Li Weng Shi Zhong Qü (笠翁十种曲) e quando em 1668 foi editado, rapidamente se tornou o primeiro em vendas. Li Yü comentava sobre as suas peças dizendo: “Óperas são para as pessoas ficarem alegres, para quê pagar para as fazer chorar! O que escrevo é para fazer as pessoas rir e espero que todos os que lêem os meus livros atinjam Milafo (Buda Sorridente).” Companhia de Ópera Família Li A viver em Nanjing, numa das suas inúmeras viagens, em 1667, Li Yü, já com a idade de cinquenta e seis anos, passou por Linfeng onde um oficial local lhe entregou uma miúda de treze anos, QiaoJi, recomendada pela sua inteligência, pois logo na primeira semana de aulas absorvera o que a professora lhe tinha para dar durante todo o ano e assim, ao chegar às mãos do mestre já vinha prendada pela belíssima voz e representava-se como uma verdadeira senhora. Meses depois, ao viajar por Langzhou, um amigo ofereceu-lhe uma outra rapariga, WangJi também com uma excelente voz e da mesma idade. Reconhecendo haver qualidade nas suas estudantes e escrevendo letras de Ópera, nada melhor do que as preparar para a interpretação das suas obras expressamente criadas para elas, o que veio a originar a Companhia de Ópera Família Li. De 1667 a 1672, as duas jovens viveram dos treze aos dezanove anos com Li Yü e de suas estudantes, passaram a interpretar em palco as obras do mestre. QiaoJi realizava na perfeição o papel de senhora, representando WangJi o masculino, algo contrário ao que ocorria nos palcos de Ópera chinesa pois, o normal era os homens a desempenhar os papéis femininos. O envolvimento do trio gerou um laço familiar entre eles e de professor e actrizes tornaram-se amantes. Período de uma grande criatividade, de muita obra e actuações, sempre em digressões extremamente desgastantes, como a ocorrida em 1670 entre Fujian e Guangdong. Ressentindo-se do prolongado esforço, em 1672, as jovens, uma a seguir à outra, adoeceram e falecerem ambas com dezanove anos. De forma fulminante terminava assim um período intenso de ‘criactividade’, ficando Li Yü completamente destroçado. Ainda em 1672, com sessenta e um anos fez amizade com Pu Song Ling (蒲松龄), cuja idade andaria pelos trinta e já escrevera o livro Liao Zhai Zhi Yi (聊斋志异). Relacionava-se também com o avô de Cao Xue Qin, sendo o neto quem viria a escrever o Romance Mansão Vermelha. Li Yü ainda tentou manter a sua Companhia de Ópera, mas fechou-a em 1673, tendo no entanto nesse Verão recebido um convite do Governador da província de Shanxi para fazer representações na capital, Taiyuan. Período em que viajou até Pequim, tendo de vender a residência que tinha em Nanjing no ano de 1674. Xianlü voltou no Verão de 1677 para Hangzhou, fugindo das memórias daqueles tempos de Nanjing, trazendo a finalidade de ir ajudar os seus filhos a entrar nos exames imperiais e aqui veio a falecer em 1680. Que personagem era Li Yü? Escreveu no livro erótico chinês, Rou Pu Tao (肉蒲团): “Portanto, se Mencius tivesse assumido a atitude de um conselheiro severo, se houvesse levantado a voz, e, com uma expressão solene, lhe dissesse: Se acaso Mencius tivesse falado nestes termos, o príncipe tê-lo-ia escutado em silêncio por uma questão de delicadeza não faria comentários. Porém, de si para si, desculpar-se-ia, pensando: . E faria orelhas moucas às palavras do mestre. Mas que fez Mencius? Evitando assumir ares pedantes, referiu-se com ironia às fraquezas do príncipe. Em tom de conversa afável, falou-lhe de um caso idêntico da história, ou seja, o do príncipe Tan-fu (Rei T’ai, bisavô do duque Wu), que padecia de uma atracção semelhante pelas mulheres. Descreveu-lhe um episódio divertido da história galante, no qual se conta que o príncipe Tan-fu (c. 1250 a.C.) necessitava a tal ponto de companhia feminina que não podia passar sem ela por mais de um quarto de hora. Este príncipe, até mesmo no meio dos maiores perigos, quando fugia a cavalo diante do inimigo, queria levar consigo a favorita na mesma sela. Com isto conseguiu não só que o príncipe lhe prestasse atenção, mas ainda que o escutasse com o maior interesse. Esperava, sem dúvida, ouvir que um homem dissoluto a ponto de não ser capaz de passar sem mulheres, nem mesmo durante um quarto de hora, e que levava consigo a favorita enquanto fugia à frente do inimigo, tivera um mau fim e perdera o trono e ao mesmo tempo a vida. Mas nada disso; o que ouviu foi que este príncipe, em vez de se entregar unicamente aos prazeres do leito, ajudava o povo a partilhar os mesmos prazeres. Fazia tudo quanto estava ao seu alcance para promover os casamentos em todo o país, e tratava de investigar se havia alguma rapariga solteira e abandonada nas casas dos seus vassalos, ou se existiam homens celibatários em idade de casar. Sempre que celebrava uma festividade no palácio com as suas esposas, queria que o povo se divertisse também, partilhasse o seu contentamento, e, nesse sentido, organizava festas populares. Por isso se tornou para o seu povo uma verdadeira , um promotor da alegria de viver, pondo em prática o velho preceito de governar estabelecido pelo filósofo Kuan-tzu [Kongzi em mandarim, ou Confúcio para o Ocidente] (sétimo século a.C.); “. Para que todos os homens pudessem ser bafejados por uma felicidade idêntica, os governantes deviam tomar o terceiro lugar a seguir ao Céu e à Terra. O governante é como o Céu que abriga todos os mortais. É como a Terra que os mantém a todos. Um governo egoísta conduz à anarquia. Quem, entre os povos, poderia deixar de bendizer e exprimir a sua gratidão para com um tal príncipe? Quem ousaria censurá-lo pelas suas fraquezas e acusá-lo de injustiça? Assim falou Mencius.” citado da versão portuguesa do livro erótico chinês Jou Pu Tuan, escrito por Li Yϋ (1611-1680) e traduzido por Maria Isabel Braga, que saiu na Editora Livros do Brasil, Lisboa em 2002. E foi com esta fórmula que Li Yü desenvolveu a picante história erótico no seu livro Rou Pu Tao, (肉蒲团) cuja tradução livre significa Macio Tapete de Carne.