Não temer a perda

serhumano[dropcap style=’circle’]N[/dropcap]inguém me levaria a mal de ser um poucochinho, porque esse é o poucochinho que todos sonhamos talvez ser. Mas acrescentar algo ao curso das coisas revela-se uma tarefa difícil, por vezes morosa, doutras absurda.

Existe uma quase crença na assumpção de que nos definimos pela dor e contra ela. A dor cerceia os territórios, ensina-nos onde podemos ir e que espaços nos estão vedados, interditos. A dor é uma paidéia, um curso inferior que nos constrói como sujeitos, ora tementes ora desafiantes.

É que existem limites para a dor, para a paciência do animal constantemente submetido a uma qualquer tortura, seja ela de ordem física, mental ou social. E, quando esses limites são atingidos, o animal ousa finalmente mostrar os dentes. É o princípio de todas as revoluções.

Para evitarmos a dor muitas vezes nos encolhemos, nos menorizamos, tendemos a desaparecer dos quotidianos, na organização proposta, nas tarefas que nos matam ao matar o tempo. É por termos evitado a dor, na forma de humilhação ou desprezo alheio, que muitos de nós não estão com a pessoa que realmente amaram ou na profissão que realmente as realizaria.

Para ser é preciso, dizem, sofrer. Nunca gostei desta ideia porque entendo que mesmo a experiência da dor, do desconforto, não significa obrigatoriamente sofrimento.

Qualquer mudança é um incêndio e a contemplação das chamas um prazer eufórico. Porque somos humanos, temos uma capacidade acrescida de colorir as nossas sensações e os nossos medos. De modo a realmente fruir e a desenvolver coragem.

Para ser mais, não se pode temer a perda.

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