China / Ásia MancheteCrédito Social | China quer implementar sistema que dá pontos aos “bons cidadãos” Hoje Macau - 7 Abr 20167 Abr 2016 Se for um bom cidadão, e o seu perfil nas redes sociais o indicar, recebe pontos que lhe dão viagens, carros e até permitem desburocratizar processos. É o plano mais recente da China, que tenciona implementar o chamado Sistema de Crédito Social. Uma economia emergente, um histórico financeiro atípico, um país lotado de gente, um partido único e a necessidade de controlo social – está dada a receita para o uso que se pode dar à tecnologia através das redes sociais [dropcap style’circle’]A[/dropcap]quilo que pode representar um dos mais engenhosos planos de controlo social de massas pode estar a caminho, como indicam notícias avançadas pela imprensa internacional, como o Independent, Quartz e BBC. A ideia aparentemente inocente sai do Esboço do Plano de Construção de um Sistema de Crédito Social 2014-2020 dado a conhecer pelo Conselho de Estado do Governo Central. Por entre um discurso marcado pela habitual propaganda ao país, as constantes referências ao objectivo de “estabelecer a ideia de uma cultura de sinceridade, promovendo honestidade e valores tradicionais” resvalam na iniciativa da criação de um sistema de crédito social à escala nacional. Este sistema vai avaliar a credibilidade, a confiança e as boas intenções dos cidadãos – através das redes sociais. Se por um lado este sistema de avaliação de fiabilidade de crédito na área financeira já está implementado um pouco por todo o mundo, por outro – e pegando nas directivas do Governo chinês e do Banco Central da China – estão agora os olhos postos em oito companhias privadas com projectos em andamento para o efeito. Em resposta às directivas do Governo Central acerca do seu plano quinquenal, já várias empresas privadas puseram a mão na massa para criar um sistema de avaliação da credibilidade social. Salienta-se já o Sesame Credit System, uma plataforma virtual com uma vertente quase lúdica de jogo que, com um ano de existência, foi criado, enquanto projecto piloto, pela AntFinantial – uma empresa da Alibaba, que por sua vez já representa a maior plataforma de vendas online a nível mundial, e a Tencent, gigante virtual à qual pertence o WeChat. A este já se juntaram um sem número de entidades ligadas às trocas financeiras, ao comércio em geral, aos transportes, electricidade e até mesmo o Baihe, que conta no seu serviço de encontros com cerca de 90 milhões de utilizadores com todas as informações incluídas. Aqui, os adeptos do Sesamir Credit System são uma espécie de jogadores em que, e tal como nos jogos, quem mais pontua mais ganha. Pontos e ganhos O Sesame Credit System, aquando da inscrição que para já é voluntária, confere de imediato um número de pontos ao seu subscritor, dependendo da informação que tem armazenada e os respectivos cruzamentos com os parceiros. Esta informação abrange cinco áreas: uma delas avalia o histórico de crédito do utilizador, baseado nos históricos bancários e em pagamentos devidos ou não de crédito. Outro segundo exemplo, já mais personalizado, “avalia” o comportamento do utilizador enquanto consumidor (neste ponto são tidas em consideração as compras efectuadas, o pagamento atempado ou não das contas e demais obrigações e ainda as suas preferências no mercado da bolsa). Num terceiro vértice está a capacidade do indivíduo de manter as suas promessas e compromissos. O registo é capaz de conter informações acerca das fontes de rendimento do utilizador e do seu emprego e avaliar a estabilidade ou não das mesmas. Em quarto lugar está um item que se auto apela de “traços de identidade”, que de uma forma não muito compreensível remete para as características capazes de conferir ao utilizador confiança pessoal. Por último, a avaliação das relações pessoais do jogador tendo como referência os contactos nas redes sociais. Este pentágono é também uma das imagens que acompanha os utilizadores de forma a que vão tendo uma referência visual da sua pontuação. A forma como os “pontos sesamo” são dados e o por quê ao certo, não se entende, como dá a conhecer o repórter da Quartz, Zheping Huang, que se fez de cobaia na aplicação. Ainda que sem definir concretamente de que forma são dadas as pontuações, a verdade é que estamos perante um ficheiro completo da vida de cada um – do que faz, do que gosta, do que prefere, do que paga e compra ou deve, como se desloca, que amigos tem, que livros lê e um sem limite de informação. O Sesame Credit promove ainda a partilha de pontuação num acto exibicionista de sucesso ou a comparação com os “amigos” para que se mantenha o formato “rating” numa promoção contínua de um melhor lugar na escala, até porque descontos e vouchers – os prémios para os melhores cidadãos – podem dar sempre jeito. Quantos queres? Quantos ganhas? Cada indivíduo pode valer entre 350 a 950 pontos. Com uma pontuação média de 600, já cá canta um empréstimo em compras virtuais de cerca de 800 dólares sem juros, com 650 já há direito a alugar-se um carro sem necessidade de deixar depósito e com 700 a vantagem já tem outra cara: dá prioridade ao bom cidadão nas burocracias para a documentação de autorização para viajar para fora do país, nomeadamente para Singapura e acima disto até para o Luxemburgo. Mas uma boa pontuação pode também dar origem a um emprego melhor, segundo Randy Strauss director de recrutamento da Strauss Group Inc.. Os candidatos a emprego são avaliados segundo a seu “valor” e, neste sentido, “a primeira razão a dar à companhia para que se seja contratado é relativa à confiança que se pode depositar no futuro colaborador”. Strauss acrescenta que a simples análise curricular não é suficiente para avaliar o candidato sendo que, por exemplo, um crédito social baixo poderá dizer que o candidato não será o mais adequado na medida em que reflecte uma baixa responsabilidade pessoal. E pode ser também um indicador de como cada um respeita as regras e a autoridade. Por outro lado, apesar da divulgação do crédito social ser de cariz voluntário e, por enquanto, ainda seja necessária autorização do utilizador, o facto deste não a disponibilizar pode também ser tido como elemento a ter em conta numa má avaliação, na medida em que pode querer eventualmente esconder alguma coisa. Sobe e desce Mas os pontos não sobem só, também podem ir descendo. Nestes casos preparem-se os jogadores para enfrentar dificuldades burocráticas ou financeiras – caso precisem de empréstimos – ou até verem a velocidade da sua internet ser reduzida. Traduzindo por miúdos, a ideia é fácil de entender: um bom cidadão tem direito a prémios, as companhias são importantes e, se quer ir a Singapura basta dar uma olhadela aos pontos. Se não tiver os pontos suficientes, se calhar, anda com más companhias. E se passa demasiado tempo na internet, não deve querer trabalhar. Por enquanto até podem parecer absurdas estas questões, mas na realidade algumas delas já foram colocadas e respondidas, por exemplo, para Li Lyingyun, director da Sesame’s technology, que, em declarações à Caixin, na BBC, diz: “alguém que passe dez horas a jogar computador será considerado uma pessoa preguiçosa e alguém que compre frequentemente fraldas poderá ser um pai que, no balanço, tem mais probabilidades de ser uma pessoa responsável”. Este sistema é de facto, e ainda, um projecto piloto envolto numa presumida ingenuidade da sociedade, como relata a imprensa. A invasão total de privacidade, sendo a mesma objecto de avaliação, parece ser o sistema que poderá servir de referência à prática generalizada e obrigatória agendada para 2020 em todo o território chinês. Com este método de recompensa positiva ao bem que se faz, poderá estar aberta uma das formas mais engenhosas de vigilância e controlo de massas. Até porque não é preciso um “big brother” a controlar, uma vez que cada um o é voluntariamente, em troco de pontos de desconto ou viagens, ganhos através das partilhas das “boas acções do dia”. O “Dangan”, literalmente “ficheiro”, que até agora correspondia ao processo individual que o Governo da China continental terá referente ao comportamento dos seus cidadãos, sairá da gaveta para o sistema virtual e será conhecido em forma de números. Inofensivo ou assustador? Jason Chao afirma ao HM que, numa leitura superficial, o sistema parece ser inofensivo. Contudo, o activista de Macau considera que “se nos debruçarmos um pouco, constatamos que as possibilidades que abarca são assustadoras para a liberdade de expressão”. Chao dá como exemplo a influência que este sistema poderá ter no quotidiano das pessoas, em situações como a de poder ser aceite ou não para determinado emprego, sendo esta aceitação possivelmente condicionada pela pontuação que aufere. O também vice-presidente da Associação Novo Macau refere ainda “a possibilidade assustadora” de controlo massivo que o sistema oferece.