Governo manda extinguir nome do Beco do Coronel Mesquita

A decisão foi publicada em Boletim Oficial, sem que fosse dada qualquer justificação. Apesar da extinção do nome do beco, Vicente Nicolau de Mesquita tem ainda no território, pelo menos, cinco artérias com o seu nome

 

José Tavares, presidente do Instituto para os Assuntos Municipais (IAM), anunciou a extinção da designação do Beco do Coronel Mesquita, por deliberação do Conselho de Administração. A decisão foi tomada no dia 6 de Agosto e anunciada ontem, no Boletim Oficial.

“Faz-se público que o Conselho de Administração para os Assuntos Municipais do Instituto para os Assuntos Municipais, na sessão de 6 de Agosto de 2021, deliberou aprovar a extinção da designação de um arruamento público da RAEM o ‘Beco do Coronel Mesquita’, com o código do arruamento n.º 1232, na freguesia de Nossa Sra. de Fátima”, pode ler-se no Edital, com a decisão, publicado pela imprensa oficial.

O HM contactou o Instituto para os Assuntos Municipais para perceber o fundamento da decisão, mas, até à hora de fecho, não recebeu resposta.

O Beco do Coronel Mesquita fica num arruamento perpendicular à Avenida do Coronel Mesquita, a principal artéria do bairro de Mong Há, que se estende do Canil Municipal ao Edifício Hoi Fu Garden. Estes não são os únicos arruamentos com o nome do português nascido em Macau. Numa outra perpendicular à avenida fica situado espaço, denominado Pátio do Coronel Mesquita Machado. Ainda em Macau, exista a Rua do Coronel Mesquita e uma travessa. Finalmente, na Taipa, há uma Estrada Coronel Nicolau de Mesquita.

Até a família matou

Nascido em Macau em 1818, Vicente Nicolau de Mesquita é uma das figuras mais controversas do território. Filho do advogado Frederico Albino de Mesquita e de Clara Carneira, Vicente escolheu enveredar pela carreira militar e em 1835 ingressou no Batalhão do Príncipe Regente.

O grande momento da carreira chegou no Verão de 1849, na sequência do assassinato de João Ferreira do Amaral, Governador de Macau, e a crescente tensão entre Portugal e a China. Com o exército chinês a bombardear as Portas do Cerco a partir do Passaleão, no outro lado da fronteira, Nicolau de Mesquita comandou um grupo de 500 soldados, acompanhados por uma peça de artilharia, na ofensiva. O ataque foi bem-sucedido.

Apesar da acção ter sido visto como heróica pelo Governo de Portugal e de Mesquita ter progredido na carreira, até chegar a Coronel, o militar sempre acreditou que tinha sido prejudicado por ter nascido em Macau. Também por esse motivo entrou em depressão e num dos vários ataques matou a mulher, uma filha, feriu gravemente duas pessoas e, por último suicidou-se, a 20 de Março de 1867.

As circunstâncias da morte fizeram com que não tivesse honras militares no funeral, nem enterro católico. Só mais tarde foi reabilitado, e teve direito, inclusive, a uma estátua no Leal Senado. O monumento acabou por ser derrubado em 1966, com o motim 1-2-3.

9 Set 2021

Ferreira do Amaral e o Passaleão

[dropcap style=’circle’] P [/dropcap] ara a comemoração do IV Centenário da Descoberta do Caminho Marítimo para a Índia fora proposto erigir estátuas a homenagear o ex-governador Ferreira do Amaral, assassinado em 1849, e o Coronel Mesquita, cuja memória precisava ainda de ser reabilitada, pois caíra em desgraça em 1880, após em estado de loucura ter assassinado a família, suicidando-se de seguida.

Camilo Pessanha ofereceu-se no início do ano de 1898 “para conduzir o processo de reabilitação do Coronel Mesquita”, segundo Daniel Pires, que refere, nos finais de Abril “realizou-se uma audiência no Paço Episcopal, para serem ouvidas as testemunhas do processo canónico de reabilitação do Coronel Mesquita. Camilo Pessanha era o advogado que representava a comissão organizadora daquela iniciativa”.

Para compreender o que se passara, convém referir estar Macau em território da China (cuja terra era inalienável) e para os portugueses aí se estabelecerem foi encontrada a solução criada já na dinastia Tang, quando os estrangeiros dentro das cidades tinham o seu quarteirão para viver e governarem-se com as suas leis, desde que não atentassem contra os princípios de soberania chinesa.

Ao contrário de Macau, que desde 1573 era um fanfang cristão português, Hong Kong foi ocupada a partir de 1841 pelos ingleses, após a sua vitória sobre os chineses na I Guerra do Ópio (1839-41). A China, destroçada, foi obrigada a abrir os seus portos ao comércio com os estrangeiros, levando a uma época de humilhação, em que se promoviam guerras para demonstrar a superior tecnologia ocidental e assim conseguir chorudas indemnizações, esvaindo os cofres chineses.

Mudança de sistema

O porto de Hong Kong levantou receio aos portugueses de perderem Macau para uma potência ocidental e assim tiveram que tomar soberania da península e desligar-se do governo chinês, quebrando o antigo Trato. “Julgou-se necessário alterar o sistema de administração daquele estabelecimento e ao mesmo tempo se aproveitou a ocasião de reivindicarmos, na parte em que havia sido lesada, a plenitude dos direitos de soberania no território de Macau. Coube ao distinto Capitão-de-mar-e-guerra João Maria Ferreira do Amaral, levar a efeito esta espinhosa tarefa, pondo em execução o Decreto de 20 de Novembro de 1845, que tornou franco o porto de Macau; estabelecendo um novo sistema de impostos, como tornava necessário a supressão da alfândega, única fonte até ali de receita pública; reformando em vários pontos outros ramos da administração, e reduzindo as despesas dela a dois terços do que antes consumia”, segundo Carlos José Caldeira, que continua: “Aumentou porém extraordinariamente esta indisposição das autoridades chinesas quando o mesmo governador, desempenhando a segunda parte da sua missão, deu começo à reivindicação da independência política de Macau. A posse do porto da Taipa, como ponto dependente do território de Macau; construção ali de um forte, onde foi arvorada a bandeira portuguesa; a recuperação do território ocupado pelos chineses, entre a Porta do Campo e a Porta do Cerco, que marca os limites da possessão portuguesa; a supressão dos direitos de tonelagem, chamados medição, que abusivamente se cobrava para o imperador, sobre os navios portugueses que entravam no porto português de Macau; a expulsão desta cidade dos hopus ou alfândegas chinesas, que parece também abusivamente ali tinham sido introduzidos, e que depois da declaração de porto franco se julgaram intoleráveis…”

Pelas actividades chinesas em Macau, percebe-se considerar a China como seu este território e tal é confirmado pelo foro anual pago pelos portugueses desde 1573. O Governador Ferreira do Amaral assumindo o controlo da terra, dava por findo o fanfang de Macau e deixava de pagar em 1849 o arrendamento, quebrando assim o antigo trato com os chineses. Manifestando uma posição de poder, tomou posse das terras para além das muralhas a envolver a cidade cristã portuguesa, o que logo se fez sentir com a vida do Governador. Ainda em 1847, o Senado queixou-se e reclamou para Lisboa contra a obra governativa de Ferreira do Amaral.

Assassinato do Governador

“Na tarde de 22 de Agosto de 1849, o Governador Amaral saíra a cavalo a passear no campo, como de costume, e neste dia só ia acompanhado pelo ajudante de ordens Leite; a menos de duzentos passos antes de chegar à Porta do Cerco, um chinês se aproximou apresentando um papel como de requerimento, e outros saíram de repente detrás de uns pequenos combros de areia que os escondiam, e ao todo sete o atacaram com taifós (espadas curtas e rectas que os chineses usam aos pares, manejando uma em cada mão), e foi-lhes fácil fazer sucumbir um homem, ainda que bastante valente e corajoso, que estava desarmado e só tinha o braço esquerdo. Derrubaram-no do cavalo, e bem assim ao ajudante Leite. Cortaram-lhe a cabeça e a mão, e sem medo ou precipitação as levaram, passando pela porta do Cerco, onde então havia um posto de guarda chinesa, que a duzentos passos observou pacificamente tudo isto, e deixou passar em sossego os assassinos! Existe ainda hoje uma tosca e delgada coluna de pedra no sítio do assassinato…”, escreve Carlos José Caldeira, que chegara a Macau um ano depois deste episódio e aqui esteve de Setembro de 1850 a Janeiro de 1852.

“Este inaudito acontecimento lançou o terror e a consternação na cidade; organizou-se logo o conselho de guerra do governo, e para corresponder à atitude hostil dos chineses (que de antemão haviam guarnecido o Passaleão e vários pontos vizinhos com numerosas forças, ameaçando uma invasão a Macau), [creio, um pressuposto dos portugueses], foi postar-se na Porta do Cerco na manhã de 25 (de Agosto de 1849) uma força portuguesa, [de 24 homens sob o comando do Capitão Fidelis da Costas] sobre a qual os chineses [do fortim] romperam primeiro o fogo, que foi sustentado com calor desde as 10 da manhã às 4 da tarde. O desejo e a indicação geral era ir atacar os chineses; porém os escrúpulos e observações dos diplomatas estrangeiros residentes em Macao, sobre as consequências do que eles chamavam uma violação do território chinês, e alguns ânimos timoratos conservaram o conselho do Governo em indecisão, a qual foi quebrada pela heróica resolução do tenente Mesquita, que sem ordem superior convidou os soldados que o quisessem seguir a irem acometer o Passaleão”, segundo C. Caldeira.

O Fortim do Passaleão, nome dado pelos portugueses a Pac-Sa-Leong, que após ser ocupado foi logo abandonado, mas desde então, e por 30 anos, o terreno entre o pequeno forte e as Portas do Cerco, numa meia milha de distância, passou a zona neutra.

Vicente Nicolau de Mesquita, nascido em Macau a 9 de Julho de 1818, era filho de Frederico Alves de Mesquita, advogado dos auditórios desta comarca. Assentara praça a 9 de Julho de 1835, frequentou com aprovação a aula de Matemática e prosseguiu pelos postos inferiores até 1.º sargento e por decreto de 15 de Julho de 1847 foi despachado 2.º tenente de artilharia.

15 Jun 2018