Andreia Sofia Silva China / ÁsiaRelatório | Hong Kong considerada “autocracia fechada” com declínio democrático O terceiro relatório do V-Dem Institute, divulgado este domingo, é demolidor para o panorama político de Hong Kong. O território é classificado como uma “autocracia fechada” e caiu no índice de democracia liberal entre 2008 e 2018. Quanto à China, está apenas dez pontos acima da Coreia do Norte, que ocupa o fundo do índice. A China é também acusada de perturbar a democracia em Taiwan com a difusão de informação falsas [dropcap]O[/dropcap] Governo de Carrie Lam leva nota negativa no terceiro e mais recente relatório do V-Dem Institute, um think-tank sediado no departamento de ciência política da Universidade de Gotemburg, na Suécia, e que tem como objectivo medir os níveis de democracia em todo o mundo. Os resultados relativos a 2018 não são animadores para o território vizinho: em dez anos, ou seja, entre 2008 e 2018, Hong Kong piorou a posição no ranking de democracias liberais e mereceu a classificação de “autocracia fechada”. O documento, que tem como título “Democracy facing global challenges (Democracia enfrenta desafios globais), dá a posição 107 a Hong Kong, enquanto a Coreia do Norte ocupa o último lugar da lista, com 179 pontos. A região vizinha também leva nota negativa no que diz respeito à exclusão por grupos socioeconómicos, algo que, de acordo com os autores do estudo, “está relacionado com baixos níveis democráticos”. Neste sentido, o estudo revela que a RAEHK enfrenta um problema sério de elevada exclusão destes grupos. A China está também classificada como uma “autocracia fechada”, tendo piorado, em dez anos, a sua posição no índice de democracias liberais. Ao longo de uma década, o país hoje liderado por Xi Jinping está apenas dez pontos acima da Coreia do Norte. Em termos de confiança no regime político, e dentro do grupo de países com confiança na ordem dos dez por cento no índice da democracia liberal, a China está no fundo da lista, ao lado de países como a Coreia do Norte, Laos, Arábia Saudita e Camboja. Além disso, a China é também criticada pelos autores do estudo como um dos países que mais informação falsa espalha, com Taiwan como principal alvo. “A China tem vindo de forma activa a espalhar falsas e erradas informações no estrangeiro, tendo Taiwan como um dos seus principais alvos. Ao fazer circular informação errada nas redes sociais e investindo em meios de comunicação taiwaneses, a China procura interferir nas políticas internas e engendrar uma unificação completa.” O relatório revela que os observadores “reportaram muitos exemplos de campanhas de desinformação por parte da China”, uma vez que o país “providencia fundos para que os media adoptem uma linha mais pró-Pequim nos seus trabalhos jornalísticos”. Os investigadores chegaram a essa conclusão quando observaram que “a maior parte dos meios de comunicação social de Taiwan providencia diferentes apresentações dos mesmos eventos”. “Uma vez que os taiwaneses consomem bastante informação online, a estratégia de desinformação chinesa acaba por resultar numa fracturação da informação online, o que tem um impacto negativo na democracia de Taiwan”, lê-se ainda. Nesse sentido, Taiwan surge ao lado da Letónia como “os dois países com piores pontuações” ao nível da difusão de falsa informação por países estrangeiros, sendo que ambos os países são considerados pelo V-Dem Institute democracias liberais. “Pouca abertura” no Myanmar Um olhar sobre o panorama político em alguns países do sudeste asiático permite concluir que a situação também piorou nos últimos dez anos em, pelo menos, sete regimes autocráticos. A Tailândia transformou-se mesmo numa autocracia fechada, desde que uma Junta Militar tomou o poder, lembra o relatório. Neste âmbito, em dez anos, a Tailândia registou uma “substancial ou significativa” redução da liberdade de associação, de expressão e da igualdade perante a lei. No Myanmar, onde recentemente foram presos dois jornalistas da Reuters por escreverem sobre a perseguição movida aos Rohingya, houve apenas uma “frágil melhoria” ao nível de eleições limpas, liberdade de associação e de expressão, polarização da sociedade. O relatório dá ainda conta que, no Myanmar, “os grupos que estão alinhados com o antigo regime, tal como os militares, continuam a exercer uma influência importante”, tendo em conta que grupos sociais minoritários, como os Rohingya, “estão sujeitos a uma repressão sistemática”. No país, em geral, “a abertura (do sistema político) tem sido limitada”, escrevem os autores. Também as Filipinas integram o grupo dos países em risco de terem uma pior democracia nos próximos anos, uma vez que ocupam um pior nível nas previsões para 2019/2020 face ao ano de 2017/2018. É também referido o caso do Sri Lanka, onde se registou “um processo eleitoral democraticamente pobre, o que desafiou novamente o progresso democrático” do país. “No Sri Lanka, a transição para a democracia renasceu com a surpreendente vitória eleitoral de Sirisena sobre o veterano líder Rajapaksa, em Janeiro de 2015, e muitos aspectos democráticos registaram melhorias.” O relatório apresenta como exemplos o facto de “o sistema judicial ter comprovado a sua independência”, embora “muitos outros aspectos se mantenham frágeis, como a liberdade de imprensa e questões igualitárias”. A Índia, que sempre foi considerado um país exemplar ao nível da participação cívica, e que neste estudo consta no grupo da erosão das democracias liberais, registou “substancial e significativa redução da liberdade de expressão, da polarização da sociedade e populistas no poder”. Na Índia, bem como na Bulgária e Brasil, houve “ataques ao pluralismo dos media, à liberdade cultural e académica e substancial polarização da sociedade, que em pontos chave está mesmo a piorar”. Nestes três países “está a tornar-se cada vez mais perigoso ser jornalista, como mostram os indicadores deste relatório e também do relatório dos Repórteres Sem Fronteiras, tendo em conta o número de jornalistas que morreram”. Na Índia, o Governo liderado por Narendra Modi “usa leis ligadas à sedição, difamação e ataques terroristas para silenciar as críticas”. Além de fazer referência à situação política no Brasil, depois do impeachment à presidente Dilma Rousseff, em 2016, e à vitória de Jair Bolsonaro, o relatório do V-Dem Institute dá também conta da degradação democrática nos Estados Unidos. No país, “o presidente Trump ataca constantemente a oposição bem como os media, e parece estar empenhado em reduzir as liberdades civis e a supervisão das instituições, tal como os tribunais e o parlamento”. Ainda assim, “as instituições americanas parecem estar a resistir a estas tentativas a um nível significativo”, tendo em conta a vitória dos democratas nas eleições intercalares no ano passado, que levaram a um reforço do poder parlamentar para travar determinadas medidas do Executivo de Trump, republicano. O V-Dem Institute declara que “continua a tendência de autocratização (no mundo), embora os níveis globais de democracia não estejam em queda livre”. Um total de 24 países “estão agora a ser severamente afectados pelo que se pode chamar de uma ‘terceira onda de autocratização’, onde se incluem países já referidos acima, como é o caso do Brasil, Índia e Estados Unidos, sem esquecer alguns países da Europa de Leste, como é o caso da Bulgária, Hungria e Polónia, entre outros.